O G20, o clube das 20 maiores economias do mundo, escolheu o coração do que ele próprio considera como "inimigo" para retomar, hoje, as conversas sobre a crise global, um ano depois de a quebra do banco Lehman Brothers servir de estopim para a "A Grande Recessão", segundo o rótulo do FMI, e um dia depois de a OCDE ter emitido o mais recente sinal de que a crise parou de piorar.

Ministros da Fazenda e presidentes de bancos centrais do G20 (na verdade, são mais de 20 porque sempre há convidados especiais) jantam no Guildhall, sede da Corporação da Cidade de Londres, a mitológica City, "líder mundial em finanças internacionais e em serviços para negócios", como é apresentada a Corporação.

O Guildhall, velho de 800 anos, é o que há de suntuoso no coração financeiro de Londres.

Um dos pontos centrais da agenda do G20 é justamente controlar os excessos do mundo financeiro, seja pela via de forte aperto na regulação das atividades do setor, seja pela imposição de limites aos bônus que banqueiros e executivos financeiros recebem.

Mas o ambiente que se respira hoje entre os representantes do G20 é diferente do quase pânico com que os chefes de governo do grupo se reuniram na mesma Londres, há cinco meses, para enviar um potente sinal de que estavam dispostos literalmente a tudo para conter a crise, então devastadora.

Mais que sinal, os governos do grupo e até de fora dele já despejaram ou vão despejar até 2010 US$ 5 trilhões em estímulos e renúncias fiscais. Funcionou, atesta a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômica, o clubão das 30 principais economias, das quais o Brasil só não faz parte porque não quer.

A OCDE reduziu ontem para 3,9% a previsão de retrocesso que as economias do G7, os ricos entre os ricos, sofrerão em 2009, quando a previsão anterior, de final de junho, era de uma queda de 4,8%.
Quando retração econômica é boa notícia, só por ser menor do que o que se previa, tem-se uma ideia mais clara de como estava certo o FMI ao falar em "Grande Recessão".

A nova estimativa da OCDE também aponta que, já no terceiro trimestre deste ano, voltem a crescer os PIBs de Estados Unidos (+1,6%), zona do euro (+0,3%) e Japão (+1,1%). O crescimento deve se manter no quarto trimestre, avalia a organização. "As condições financeiras melhoraram mais rapidamente do que pensávamos", disse o economista-chefe da OCDE, Jorgen Elmeskov.

Agora, no entanto, quem tem razão é a ministra francesa da Economia, Christine Lagarde, ao dizer que "o declínio parou, mas a reversão ainda não começou". Justifica-se, por isso, a posição majoritária no G20 em favor da manutenção dos colossais estímulos despejados na economia quando o cenário era infernal.

Até a OCDE, geralmente conservadora em matéria fiscal, avaliou ontem que tais medidas continuam sendo necessárias, embora tenha aconselhado os países-membros a preparar, "a longo prazo", a supressão delas e elaborar "estratégias de saída e planos de consolidação fiscal".

O que é exatamente "longo prazo" não ficará definido nem na reunião de ministros/presidentes de BCs de hoje e amanhã nem na cúpula do G20, dias 24 e 25 nos Estados Unidos.

Mas uma pista eventual pode estar em artigo do anfitrião de hoje, Alistair Darling, responsável pelo Tesouro britânico, no qual fala em reduzir à metade o deficit orçamentário de seu país em quatro anos. O deficit do Reino Unido está em assombrosos 11,6% de seu PIB.
Para comparação: o Tratado de Maastricht, que estabeleceu as regras para a entrada dos países europeus na moeda única, o euro, cravava 3% como deficit máximo permitido. Significa que qualquer número superior a esse torna o país inconfiável. Hoje, nenhum país europeu fica no limite.

A perspectiva de que os deficit e também as dívidas públicas acabem, mais adiante, por abortar a incipiente recuperação faz com que os Estados Unidos retomem no G20 um tema que o presidente Barack Obama abordou no G8+5 de Aquila, na Itália: seu país não voltará ao papel de grande consumidor e, por extensão, de locomotiva da economia mundial. É preciso que os países com grande superavit (e aqui a alusão é principalmente à China) passem a consumir mais e a exportar menos.

No G20 de abril, os chineses resistiram fortemente a essa sugestão, e o tema foi virtualmente silenciado.

Reaparece agora na avaliação de Joaquín Almunia, comissário europeu de Assuntos Econômicos e Monetários, para quem a reunião deste fim de semana tratará de "como reagir de maneira coordenada para melhorar o aumento da demanda global".

É frase cifrada para dizer rigorosamente o mesmo que Barack Obama disse na Itália – o que, aliás, impressionou vivamente o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Fonte: Folha de São Paulo / Clóvis Rossi, enviado especial a Londres

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