Praticamente imune à crise, o cartão de crédito ou débito se transformou no principal produto para os bancos neste ano. Além do volume de transações com cartões que avança na casa dos 20% ao ano, ritmo que se manteve intacto mesmo durante a turbulência, esse filão é hoje a maior fonte de renda de serviços e a alternativa encontrada à queda das tradicionais tarifas bancárias. "Os cartões são o produto dos bancos em 2009", diz o executivo de grande instituição.

Os balanços trimestrais mostraram que o maior aumento nas receitas de prestação de serviços veio das operações envolvendo o meio de pagamento. Por outro lado, as taxas de manutenção de conta corrente e as tarifas ligadas ao crédito ficaram praticamente estáveis, já sob o efeito da regulação mais dura imposta pelo Banco Central.

Os quatro grandes bancos que já divulgaram seus resultados, Santander, Itaú Unibanco, Bradesco e Caixa Econômica Federal, ganharam R$ 7,4 bilhões no acumulado do ano apenas com receitas ligadas aos cartões. O valor é 10,9% superior ao registrado no mesmo período do ano passado. As receitas de conta corrente recuaram 1,9%, para R$ 5,5 bilhões, e as tarifas associadas ao crédito tiveram queda de 11,9% em 12 meses, fechando em R$ 3,450 bilhões.

No Bradesco, as receitas de cartões de débito e crédito subiram 12,9% no acumulado do ano, chegando a R$ 2,47 bilhões, maior parcela do faturamento com serviços. No Itaú, a renda chega a R$ 4,233 bilhões, entre janeiro e setembro, com elevação de 6,9%.

Com a plataforma de cartões integrada à do Banco Real, o Santander apurou aumento ainda maior, de 15,5%, no acumulado do ano, chegando a R$ 554 milhões. Fechando os quatro grandes que já divulgaram balanços, a Caixa teve expansão de 93,9% na receita com cartões, para R$ 215,929 milhões.

As instituições ganham com os cartões em várias frentes, como cobrança de anuidade do cliente, tarifas (como de emissão de segunda via) e taxas de juros. Faturam também com a taxa que o lojista paga sobre cada transação. No geral, metade dessa tarifa vai para as empresas que fazem o credenciamento das lojas que aceitam cartão, como VisaNet e Redecard, e a outra metade vai diretamente para o banco que emitiu o cartão usado na compra, daí a importância de uma base robusta de plásticos.

A principal receita dos bancos, no entanto, é mesmo a financeira, vinda dos juros cobrados no financiamento da fatura, o chamado crédito rotativo. Ela representa 57% do faturamento total, segundo estimativa da consultoria Cardmonitor. A taxa que recebem dos lojistas responde por 15% e a anuidade, por 20%. O restante (8%) são outras tarifas e taxas, como renovação de programas de fidelidade.

A maior preocupação dos bancos agora é que o governo, após mexer no mercado de credenciamento de estabelecimentos comerciais, faça uma ofensiva sobre os emissores de cartões, que são principalmente bancos. Após pressão de entidades e associações de consumidores, executivos do setor acreditam que Brasília queira adotar medida para limitar os juros cobrados dos consumidores, entre os mais altos do mundo.

A Abecs, associação que representa as empresas de cartões, já teve reuniões reservadas em Brasília para discutir o assunto. Nos Estados Unidos, por exemplo, o Congresso aprovou na semana passada regras para limitar a cobrança de juros e tarifas dos clientes.

A preocupação se baseia no fato de que, além do maior uso do cartão como meio de pagamento, aumentou também o uso do cartão como instrumento de crédito. Enquanto os bancos seguravam os empréstimos por causa da crise, aumentaram as compras parceladas sem juro. O estoque de valor das faturas de cartão em aberto, que incluem o parcelado sem juros e as contas ainda a vencer, subiu 29%, chegando a R$ 56 bilhões nos 12 meses fechados em setembro. No mesmo período, o saldo do crédito direto ao consumidor (CDC) para a compra de bens caiu 23%, para R$ 9 bilhões, segundo números do Banco Central.

Segundo um executivo da área de cartões de um grande banco, o financiamento no cartão cresceu mais na base da pirâmide. As projeções para 2009 são de que o setor cresça ao menos 20% em volume movimentado. Apesar da taxa de expansão ser menor que a de 2008, quando o setor cresceu 24%, está bem acima do desempenho de outros segmentos, como o crédito (14%) ou seguros (11%).

"O cartão passou ao largo da crise. Diminuiu um pouco o ritmo de crescimento, mas ainda continuou crescendo significativamente", afirma o consultor Boanerges Ramos Freire, sócio da Boanerges & Cia, especializada em varejo financeiro. Os cartões (débito, crédito, de loja e de rede) devem girar R$ 455 bilhões este ano, um recorde. Em número de cartões, o total de unidades deve bater em 550 milhões, expansão de 8%.

Na área das tradicionais receitas com tarifas, parte da queda de arrecadação dos bancos se deve à própria retração dos empréstimos depois do agravamento da crise mundial. Mas o componente principal, como admitiu o presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco Cappi, são as novas regras que impedem a cobrança de uma série de tarifas ligadas aos empréstimos (como de liquidação antecipada) e permitem que taxas sejam reajustadas apenas duas vezes por ano.

Os bancos já buscam estratégias para recuperar os ganhos com tarifas de conta corrente. Um das saídas é trazer novos clientes para a base. "Vamos aumentar nossa receita pela inclusão bancária", afirmou Trabuco durante teleconferência com analistas na semana passada. Lembrando que o banco tem aberto 6 mil contas por dia, completou: "é incorporação de novos clientes pagando tarifas."

Fonte: Valor Econômico / Altamiro Silva Júnior e Fernando Travaglini

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