Não são só as mudanças na legislação do Seguro Acidente do Trabalho (SAT) que estão deixando as empresas apreensivas. Além de terem que arcar com um aumento no valor da contribuição em 2010, elas correm o risco de responder na Justiça por ocorrências com os trabalhadores.
O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) colocou um time de 140 procuradores federais em campo só para investigar acidentes e ajuizar ações regressivas para buscar o que foi pago aos segurados. Um total de 1.085 processos está em tramitação. Causas que somam R$ 83,7 milhões.
A nova política de cobrança foi implantada pela Procuradoria-Geral Federal (PGF) – órgão subordinado à Advocacia-Geral da União – em meados do ano passado. Até então, havia apenas iniciativas isoladas em algumas procuradorias locais.
Os processos envolvem pensões por morte, invalidez e auxílio-doença – benefícios que absorverão este ano R$ 12 bilhões dos cofres da Previdência Social. São ajuizados quando há indícios de negligência por parte do empregador. "Há um procedimento investigatório prévio. Se comprovada a culpa da empresa pelo acidente de trabalho, entramos com a ação regressiva", diz o coordenador-geral de Cobrança e Recuperação de Créditos da PGF, Albert Caravaca.
Já foram proferidas 84 sentenças. Deste total, só 12 são desfavoráveis ao INSS. Em 72 casos, os processos foram julgados procedentes (66 ou 78,5% do total) ou parcialmente procedentes (6 ou 7,1% do total). E muitos deles foram mantidos ou revertidos em segunda instância, segundo Caravaca. Em uma das ocorrências, a Indústria de Bebidas Antarctica do Norte/Nordeste – sucedida pela AmBev – Companhia de Bebidas das Américas – foi condenada a indenizar o INSS pela morte de um trabalhador, supervisor de linha de produção de refrigerantes, ocorrida em setembro de 2001.
Se mantida a decisão, a empresa será obrigada a ressarcir o que já foi pago de pensão à família do empregado e a constituir capital para garantir as futuras prestações. O valor calculado pelo INSS para a causa é de aproximadamente R$ 800 mil.
A juíza da 4ª Vara Federal de Manaus, Marília Gurgel de Paiva e Sales, entendeu, neste caso, que "a não adoção de precauções recomendáveis, se não constitui a causa em si do acidente, evidencia negligência da empresa que, com sua conduta omissiva, deixou de evitar o acidente, sendo responsável pela reparação do dano, inclusive em ação regressiva ajuizada pelo INSS". A AmBev informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que vai recorrer da decisão.
A PGF conseguiu também condenar uma empresa do setor plástico a pagar indenização de aproximadamente R$ 50,7 mil pelas despesas causadas à Previdência Social. Um auxiliar de produção morreu no interior de uma máquina de injeção plástica ao tentar retirar peças que ficaram aprisionadas nos moldes. A procuradoria argumentou que de acordo com o laudo de investigação não havia um dispositivo de segurança na máquina que impedisse o seu funcionamento após a abertura, faltava a manutenção preventiva dos equipamentos, além da qualificação dos trabalhadores para operação de máquinas perigosas.
As ações regressivas ajuizadas pela PGF estão fundamentadas no artigo 120 da Lei nº 8.213, de 1991, que dispõe sobre os planos de benefícios da Previdência Social. De acordo com o dispositivo, nos casos de negligência quanto às normas de segurança e higiene do trabalho, a Previdência Social deve propor ações regressivas contra os responsáveis. "As ações são uma forma de mostrar às empresas que é mais fácil investir na prevenção de acidentes", afirma o procurador federal Albert Caravaca.
Nas defesas apresentadas, as empresas argumentam que é ilegal exigir um direito de regresso contra quem já paga um seguro – o SAT -, criado para cobrir as despesas da Previdência Social com benefícios. "É um absurdo. Se as empresas tiverem que financiar os benefícios, é mais fácil acabar com o SAT", diz o advogado Rodrigo Arruda Campos, sócio da área previdenciária do escritório Demarest & Almeida, que defende dez clientes em ações regressivas ajuizadas pelo INSS. "Quando seu carro está segurado, a companhia seguradora não pode cobrar o conserto dele em caso de acidente. A menos que prove que houve dolo."
Embora não tenha ainda atuado em nenhum caso, o advogado Marcelo Gômara, do escritório TozziniFreire Advogados, tem alertado seus clientes dos riscos com a nova política adotada pelo INSS. "Tudo indica que virá uma enxurrada de ações", diz. Para ele, o SAT ganha cada vez mais o contorno de um seguro privado. Este ano, o governo reenquadrou as 1.301 atividades econômicas nas alíquotas do SAT – que variam entre 1% e 3% e levam em consideração estatísticas de acidentes de trabalho, gravidade dos acidentes e custos para a Previdência – e criou o Fator Acidentário de Prevenção (FAP).
O mecanismo foi adotado para aumentar ou reduzir as alíquotas do SAT, com base nos índices de cada empresa. O FAP varia de 0,5 a dois pontos percentuais, o que significa que a alíquota de contribuição pode ser reduzida à metade ou dobrar. "É um autêntico seguro. É ilegal cobrar pela cobertura do acidente. É mais uma medida para tentar tampar o buraco da Previdência", afirma Gômara.
Fonte: Valor Econômico / Arthur Rosa, de São Paulo