Diretrizes internacionais sobre Responsabilidade Social estarão disponíveis mundialmente a partir de dezembro, quando está prevista a publicação da ISO 26000. Depois de cinco anos de discussão, participação de 90 países e mais de 25 mil sugestões, a norma internacional passa por votação em julho e até o final do ano estará ao alcance de organizações que tenham interesse em implantar as diretrizes sobre o tema.

Diferentemente de outras normas que levam à certificação de empresas, a ISO de Responsabilidade Social vai apresentar diretrizes e não será uma norma certificável. De acordo com Clóvis Scherer, economista e supervisor do escritório regional do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o material resultante é o conjunto mais completo de informações sobre o tema.

O economista explicou a importância da norma para organizações e empresas e as principais diretrizes para o mundo do trabalho. Direito à organização sindical e negociação coletiva estão entre as garantias ao trabalhador.

Membro da delegação brasileira e representante dos trabalhadores no processo de discussão e elaboração, Scherer defende que é natural que uma ISO sobre responsabilidade social não tenha certificação. "Você é responsável não porque vai querer um certificado, mas sim porque há um compromisso em contribuir com a sociedade. É algo mais honesto para uma organização que se diz socialmente responsável", explica o especialista, em entrevista à Rede Brasil Atual.

Para o economista, a publicação da norma é um avanço porque elimina conceitos incoerentes que eram relacionados à responsabilidade social. Algumas empresas, depois de provocar um impacto ambiental ou de desalojar uma comunidade, incluiam uma distribuição de cestas básicas para desabrigados. O processo .

A ISO 26000 acentua que ações socialmente responsáveis são relacionadas às atividades cotidianas das organizações. "Passa a ser um conceito inerente à atividade própria da organização e não uma atividade de caridade e ou que se agrega ou que está separado do que faz no dia a dia", conceitua Scherer.

"Não adianta ter uma atividade que é danosa ou põe em risco a sociedade e tentar compensar com uma ação filantrópica, cuja função é para amenizar a crítica na sua atividade do dia a dia. A organização tem de ser responsável no que faz diariamente, permanentemente", diz o supervisor do Dieese.

Conheça a ISO

ISO é uma Organização Internacional de Padronização, formada pelos representantes de mais de 120 países. Ela agrupa os órgãos de normalização da maior parte dos países industriais, dividida em comitês e grupos de trabalho, elaborando normas para facilitar as trocas internacionais de bens e serviços e desenvolver a cooperação mútua. Fundada em 1947, a organização tem sede em Genebra, Suíça.

Confira a entrevista:

Que aspectos da Responsabilidade Social serão tratadas na ISO 26000?

A norma, em fase final de elaboração, está divida em três partes principais: uma trata dos princípios gerais. Outra parte entra em sete temas específicos, inerentes à responsabilidade social, como governança corporativa, direitos humanos, práticas trabalhistas, meio ambiente, práticas operacionais justas, questões relativas ao consumidor, desenvolvimento da comunidade e envolvimento comunitário. E também há um capítulo dedicado a como as organizações podem integrar suas atividades ao conceito e como agir para que a questão seja de fato algo colocada em prática no seu dia a dia.

Como a ISO 26000 funcionaria?

Ela é uma norma de diretriz. Não é uma norma certificável como outras normas ISOs que a gente conhece como a ISO 9000. Uma norma certificável estabelece certos requisitos que permitem ser avaliados objetivamente para a concessão de um certificado que atesta que aquela organização cumpre os requisitos de certificação. Norma de certificação a mais conhecida é aquela que a empresa adota e depois de um tempo quando ela se sente segura, chama um auditor externo que avalia a empresa e se constata que os requisitos são atendidos, confere o certificado.
Agora, uma norma de diretrizes não é dessa maneira, ela apenas sugere formas pelas quais uma determinada série de recomendações podem ser postas em prática. É mais um guia que auxilia as organizações a atingir um determinado objetivo, mas não pretende estabelecer rigorosamente requisitos que seriam essenciais a uma determinada prática.

No caso da responsabilidade social e da ISO 26000, ela diz: se sua empresa pretende ter uma prática mais responsável socialmente você deve considerar os seguintes elementos, deve ouvir as nossas sugestões. Os princípios gerais são esses, mas não é algo tão prescritivo a ponto de permitir uma certificação.

Por que essa a ISO é diferente de outras?

Isso tem uma razão muito clara, relacionada à complexidade do tema, que depende muito das circunstâncias em que a organização está funcionando. E há questões que dificilmente um auditor teria condições de atestar com segurança. Há um risco numa certificação de responsabilidade social do auditor emitir um falso juízo. Porque como é um conceito muito amplo não se pode delimitar um conjunto muito rígido de requisitos a serem cumpridos, a própria realidade é muito dinâmica e variável. É mais fácil estabelecer uma norma de requisitos para certificação quando se tem um objeto mais delimitado, mais bem definido. No campo da responsabilidade social é mais difuso.

Sem certificado, as empresas podem divulgar que têm a ISO 26000, à exemplo do que ocorre com a 9002, 14002 etc.?

Elas vão poder divulgar que seguem recomendações da ISO 26000. Elas não poderão atribuir um atestado de cumprimento por meio de certificado qualquer que seja ele. Não vai haver auditoria reconhecida oficialmente pela ISO e suas organizações nacionais, como a ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) ou Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial) no Brasil.

A organização pode dizer que está seguindo a ISO 26000. Tal especialista disse que eu estou seguindo de fato aquela recomendação, mas isso não vai ter valor como certificado, dentro do sistema de certificação, seja brasileiro ou internacional.

Seria uma demonstração de boas práticas das organizações?

Essa é a ideia da responsabilidade social. Você é responsável não porque vai querer um certificado, mas sim porque há um compromisso em contribuir com a sociedade. É algo mais honesto para uma organização que se diz socialmente responsável. É mais ético que querer ganhar esse dizer "socialmente responsável" só para ter um certificado que é valioso para si. As organizações que realmente quiserem ter práticas mais responsáveis perante a sociedade e o meio ambiente podem utilizar a ISO como um poderoso guia. Hoje é o documento mais completo e mais atualizado sobre as diversas dimensões da responsabilidade social.

No Brasil, as empresas vão adotar a ISO 26000, em sua opinião?

Acredito que sim, embora a norma não contenha o atrativo do certificado, temos de reconhecer que muita gente se interessa por isso. Haverá pessoas capazes de auxiliar as empresas a, de fato, colocar aquele conjunto de recomendações em prática. O Brasil, no plano internacional, se destaca por isso. Tem várias empresas importantes de todo tamanho que desenvolve ações desse tipo. Por isso, nossas empresas vivem recebendo prêmios internacionais e essas empresas não vão deixar de se informar e analisar a ISO 26000.

Nós temos no Brasil um conjunto de empresas que tem um firme compromisso formal e oficial de buscar ser cada vez mais responsáveis, no sentido de contribuir com a sociedade brasileira. Essas organizações vão considerar o que a ISO está apresentando, por ser o documento mais atualizado nessa área.

A ISO vai ter uma boa divulgação e pode ensejar outros desdobramentos sobre compras governamentais, exigência de contrapartidas sociais e ambientais, balanço social, transparência. existem uma série de temas em debate que podem ser aproveitados a partir do que a ISO está trazendo.

Qual foi o papel do Brasil nas discussões da ISO 26000?

A ABNT junto com a congênere sueca formaram a dobradinha da liderança do grupo de trabalho da ISO. O presidente do grupo de trabalho foi um brasileiro, o Jorge Cajazeira. O Eduardo Santiago da ABNT foi vice-secretário. O Brasil teve um papel de destaque no grupo de trabalho que foram formados ao longo de todo processo de elaboração da norma. Então houve uma participação muito além da liderança. A nossa delegação foi muito ativa nas plenárias. Nós tivemos representantes num dos comitês mais importantes, que foi o comitê que de fato fez o trabalho de redação do documento.

O que a ISO vai trazer de avanço?

Há avanços no conjunto geral da obra. Essa norma talvez seja uma das poucas que agrega num único documento uma ampla gama de temas que você normalmente encontra de maneira separada. Desta vez temos o conjunto todo bem equilibrado e bastante amplo.
Outro ponto positivo é que a responsabilidade social é assumida internacionalmente como algo que diz respeito às atividades cotidianas a um conjunto de atividades das organizações e não algo que agrega como um plus, como uma atividade a mais que a organização faz em benefício da sociedade e do meio ambiente e não tem nada a ver com o que ela executa no seu dia a dia. A RS passa a ser um conceito inerente à atividade própria da organização e não uma atividade de caridade e ou que se agrega ou que está separado do que faz no dia a dia.

Do ponto de vista dos direitos trabalhistas, o que é uma empresa socialmente responsável?

No campo das práticas do trabalho, a gente se fundamentou muito no que a OIT (Organização Internacional do Trabalho) já definiu como aqueles direitos reconhecidos para o mundo do trabalho. Temos duas ordens de preocupação, primeiro são os direitos fundamentais do trabalho, uma organização precisa respeitar o direito do trabalhador de se organizar e de ter a condição de negociar suas condições de trabalho com os seus empregadores.

São direitos básicos: o respeito à organização sindical, à negociação coletiva, o direito a não ser discriminado no trabalho seja por gênero, por raça ou quaisquer outros motivos. E obviamente que trabalho infantil, forçado ou análogo à escravidão não pode ocorrer.

Além disso, uma organização precisa estabelecer relações de emprego dentro de um marco legal que o país tem. Então não se pode fraudar os direitos do trabalhador utilizando formas escusas de relacionamento que muitas vezes maquiam a situação. Você tem por exemplo um trabalhador que é na verdade empregado e para não ter os seus direitos trabalhistas cumpridos a empresa obriga a pessoa a trabalhar por conta própria ou como pessoa jurídica. Então tem de ter relações de emprego adequadas.

E questões como remuneração e saúde do trabalhador?

O trabalho tem de ter condições de saúde e segurança bem planejados com a participação do trabalhador. Uma empresa tem de procurar oferecer condições de trabalho dignas.
A empresa deve pagar um salário que permita ao trabalhador sustentar-se em condições dignas de vida. Não pode ser um salário aviltante. Não pode ser uma jornada muito extensa para não prejudicar a saúde e a segurança do próprio trabalhador.

A empresa deve procurar proporcionar condições da trabalhadora compatibilizar a vida familiar. Sabemos que as mulheres têm de assumir responsabilidades familiares. Isso recai especialmente sobre a mulher. Tem de ter essa possibilidade, essa flexibilidade com serviços no local de trabalho. A questão também do desenvolvimento profissional. Dar condições do trabalhador desenvolver suas capacidades, suas habilidades no trabalho. Há um capítulo todo dedicado a isso na norma.

Como está o processo de finalização da ISO 26000?

Vai entrar em votação em meados de julho. Os organismos que criam normas em cada país e que são filiados a ISO (Organização Internacional de Padronização) vão dar o parecer final se aceitam que o documento seja publicado como norma internacional ou não.

Fonte: Suzana Vier, Rede Brasil Atual

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