Queda da Selic não é acompanhada por taxas de administração, que "abocanham" parcela maior do retorno da aplicação A redução nas taxas de juros, que levará a mudanças nas regras da poupança, também provocará uma transformação profunda na indústria de fundos de investimento, um negócio que gerenciava um patrimônio de R$ 1,094 trilhão e arrecadou cerca de R$ 17 bilhões em taxas de administração em 2008. Essa indústria já ganhou até mais com taxas, como os R$ 21 bilhões em 2006, época em que o patrimônio do setor estava em R$ 910 bilhões.

Para sobreviver, segundo especialistas, os fundos terão de se reinventar: cortar custos, padronizar produtos, ganhar eficiência, agregar rentabilidade ao cotista e reduzir taxas de administração para os produtos mais simples, como os fundos DI e de renda fixa, que estão entre os mais populares do país.

Ao longo dos últimos anos, porém, a redução gradual da Selic (que encerrou 2008 em 13,75% ao ano, após chegar a 19,75% em 2005) não bastou para derrubar as taxas que as instituições financeiras cobram dos investidores. Na média, o que se viu foi até o inverso: as taxas cobradas em 2008 bateram as praticadas em outros anos da década.

Estudo do Centro de Finanças da FGV mostra que a taxa média praticada nos fundos de varejo ficou em 2,03% no ano passado, perdendo na década apenas para as cobradas no ano de 2006, quando atingiram 2,71%. Em 2000, por exemplo, ficaram em 1,90%.

"As taxas não têm caído nos últimos anos. Apenas se os bancos começarem a perceber que o negócio está em risco é que as taxas vão começar a cair. Enquanto tivermos investidores que não reclamem, nada muda", diz William Eid Júnior, coordenador do centro da FGV.
A taxa de administração é cobrada em todos os fundos de investimento e objetivam remunerar os gestores da aplicação por seu trabalho. São fixadas livremente pelas instituições financeiras e podem variar bastante de um fundo a outro.
Com o cenário atual de queda dos juros básicos, que já estão em 10,25% ao ano, o peso da taxa de administração sobre o resultado líquido da aplicação tem aumentado. Isso porque esse retorno tem caído.

"Um tema que não tem sido muito discutido é o quanto os gestores de fundos estão adicionando de valor [aos cotistas]. Diria que os resultados indicam que a grande maioria não tem uma performance satisfatória. Poucos superam o seu "benchmark" [referência de rendimento]. Isso sugere que a indústria pode ter ganhos de eficiência", disse Ney O. Brito, professor da UFRJ.

Caso contrário, o Imposto de Renda e uma taxa de administração elevada, que muitas vezes chega a 4% -especialmente nas aplicações de baixos volumes-, podem levar, em um ano, quase a metade de eventuais ganhos com uma Selic de 9,25%, como aposta o mercado para a taxa no fim do ano.

"Os fundos com taxa de administração mais alta tendem a perder captação no futuro e podem até desaparecer", disse o vice-presidente da Caixa Econômica Federal, Bolivar Tarragó, responsável pela área de fundos de investimento.

Para Brito, se o consumidor pode apelar para o Tesouro Direto (que vende títulos pela internet) e comprar papéis da dívida pública pós-fixada, não faz sentido aderir a um fundo DI, com rendimento menor.

Segundo Alexandre Zákia, vice-presidente da Anbid (associação dos bancos de investimento), as taxas de administração têm recuado nos últimos anos. Além disso, os bancos têm permitido a adesão de clientes com volumes menores de investimentos a fundos com taxas menores. "É um ajuste que já acontece na negociação do cliente com o gerente."

Sofisticação

Como ocorreu em países que reduziram os juros, a indústria de fundos brasileira aposta em uma migração do investidor dos fundos DI e de renda fixa para produtos mais sofisticados, como os multimercados (que aplicam os recursos em diversos tipos de ativos).

Para especialistas, os fundos terão de ajudar no amadurecimento do investidor, acostumado a altas taxas de retorno, quase sem assumir risco e ainda com a comodidade da liquidez diária para saques. O "vendedor" de fundos terá de entender as necessidades do cliente.
"A indústria vai ter de evoluir para um modelo de prestação de serviço. Vai ter de sentar com cada cliente. Estamos discutindo isso há cinco anos aqui no Bradesco", disse Marcos Villanova, diretor do banco e responsável na Anbid pelas discussões de adequação dos produtos vendidos para os clientes.

Os gestores, por sua vez, argumentam que não têm como reduzir as taxas de administração muito mais do que para 1% a 1,5%. Isso porque a gestão envolve custos fixos como prestar contas a reguladores, calcular cotas, mandar correspondências e realizar assembleias, entre outros serviços, dizem.

"O fundo é o tipo de captação mais regulado que existe. A exigência em cima de uma gestora de fundo é bastante grande, coisa que não existe em outras formas de captação como CDB e poupança. Em razão disso, não há tanto espaço para redução das taxas", disse Tarragó.

Fonte: Folha de São Paulo / Toni Sciarretta e Fabrício Vieira