Assistir às imagens de multidões festejando a morte de Osama bin Laden diante da Casa Branca me fez sentir vergonha de ser americano.
 

A morte de qualquer pessoa deveria ser algo sério, que nos leva a fazer uma pausa para refletir. No entanto, o assassinato de Bin Laden trouxe uma sensação de ponto final para as famílias das mais de 3.000 pessoas cujas mortes ele ordenou. E as famílias têm o direito de sentir alívio e catarse. É o que frequentemente sente quem assiste à execução de um prisioneiro condenado por matar membros de sua família. Mas ele não deveria gritar palavras sanguinárias quando o corpo do executado para de se mexer.

Talvez o que torne a morte uma ocasião tão solene é que mesmo os mais malignos entre nós deixamos para trás alguém que chora nossa morte. Logo, foi apropriado Obama falar em tom solene ao anunciar a morte de Bin Laden. Mas será que foi honesto dizer que "justiça foi feita"? Nos EUA, a justiça é feita quando uma pessoa é levada a julgamento, não quando uma pessoa desarmada que não estava resistindo à prisão é executada sumariamente, que, aparentemente, é como Bin Laden morreu.

A equipe militar que o executou provavelmente recebera ordens de trazê-lo de volta morto, e não vivo. Mas por quê? Os julgamentos de Nuremberg levaram líderes nazistas à justiça, em lugar de serem executados sumariamente, e, assim, enobreceram as forças armadas. Esses julgamentos disseram ao mundo: "Nós temos os princípios que faltam a vocês, criminosos de guerra". Ao levar Bin Laden a julgamento, os EUA poderiam ter transmitido a mesma mensagem, e não uma que diz "execução sem julgamento pode ser chamada de justiça".

Os EUA poderiam ter julgado Bin Laden em Guantánamo, onde mantêm encarcerado Khalid Sheikh Mohammed – o alegado arquiteto operacional do 11 de Setembro, cujos ataques mataram milhares de civis inocentes -, que será julgado ali. Imagino que os EUA tenham decidido que matar Bin Laden seria mais fácil. É por isso que Obama ordenou que aviões não tripulados executassem outros membros da Al Qaeda, até mesmo o clérigo radical Anwar Al Awlaki, cidadão americano.

O presidente Obama agora parece ser um líder ousado e corajoso, porque autorizou uma missão de combate arriscada que eliminou o pior inimigo de seu país desde Hitler. Para mim, porém, ele e os americanos que aplaudiram a morte desse inimigo poderiam ter agido de maneira mais pautada por princípios se tivessem se lembrado das lições de Nuremberg.

MICHAEL KEPP, jornalista norte-americano radicado há 28 anos no Brasil, é autor do livro de crônicas "Sonhando com Sotaque" (ed. Record)

(Tradução de Clara Allain)

Fonte: Folha de S. Paulo/ MICHAEL KEPP
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA DE S.PAULO