O governo Obama resiste em fazer o inevitável: a estatização dos bancos americanos. Os investidores não desejam a nacionalização. Na segunda-feira, o Dow Jones caiu furiosamente sob o peso dos que repudiam uma decisão tida como de força. E ontem subiu alegremente depois que o presidente do Federal Reserve (Fed), Ben Bernanke, desmentiu a hipótese. Em precoce demonstração de fraqueza, Obama não quer arbitrar perdas. Enquanto isso, a recessão se aprofunda mundo afora.

Os mercados centrais parecem ter percebido que não há estatização indolor. Única solução possível para uma crise de confiança que só se agrava, a medida imporá perdas gerais, tanto a acionistas e investidores quanto a credores. Todas as tentativas anteriores de salvamento fracassaram. E as propostas de criação de entidade federal destinada a absorver o lixo tóxico, socializando as perdas pela sociedade ao mesmo tempo em que se devolve o banco limpo e fresco aos seus acionistas originais, são cínicas demais para serem levadas a sério. Obama precisa enfrentar o mercado. A relutância é mais ideológica do que técnica ou prática.

No caso dos EUA, não há o óbice à nacionalização representado pelo tamanho do monstro a ser resgatado. Alguns analistas imaginam que um Estado nacional frágil poderia afundar na areia movediça se, de lá, tentasse tirar o mastodonte bancário atolado. Depois que a dura realidade tornou falso e ilusório o axioma segundo o qual havia banco "too big to fail", o que o mercado debate agora é se o sistema falido não seria "too large to rescue". Em certos países, a magnitude dos ativos bancários assusta e as instituições parecem grandes demais para serem recuperadas por uma sociedade menor que elas. É o caso extremo da Suíça, cujos bancos têm ativos que equivalem a quase 700% do PIB do país, como mostra estudo do economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luis Octavio de Souza Leal. Mas os EUA estão, nesse aspecto, em situação privilegiada.

"O país onde toda a confusão começou, os EUA, talvez seja aquele que tem a melhor situação para resolver o problema: a dívida com relação ao PIB é um pouco maior que 60% e os ativos bancários pouco ultrapassam 80% do tamanho da economia americana. Isso sem contar com o fato do dólar ainda ser considerado reserva de valor e unidade de conta mundial", diz Leal.

Os mercados globais iniciaram um processo de derrocada porque não há mais chance de solução sem trauma. E, em alguns casos, o trauma não será pequeno. Investidores institucionais e grande financistas realizam as perdas, limpam suas carteiras e buscam refúgio em ativos anticrise a espera da saída definitiva. "Algumas vezes as soluções se antecipam aos problemas e, em outras, estes precipitam as soluções", diz o economista do ABC Brasil. Ele acredita que o mundo está chegando ao segundo estágio, quando os acontecimentos não darão mais espaço para indefinições. E as definições a respeito de qual o caminho a ser trilhado pelos governos na solução dos seus sistemas bancários terão que ser rápidas e cabais. "Não acredito que a maior parte dos países escape de nacionalizar parte dos seus bancos, nem mesmo os EUA, onde a simples menção dessa palavra causa calafrios", diz.

Após Carnaval, governo "discute relação" – Agora que o Carnaval passou, o governo "vai ter que sentar e discutir a relação", recomenda relatório da Gradual Investimentos, instituição que prevê a ampliação da velocidade de baixa da taxa Selic para 1,5 ponto no próximo Copom, agendado para 11 de março. "A política monetária deverá fazer convergir de forma mais agressiva (tempestiva no jargão) a Selic para algo mais condizente à realidade econômica e às taxas de juros básicas mundiais", diz o estudo. A necessidade do Banco Central apressar a convergência tornou-se mais aguda após conhecidos os dados sobre o mercado de trabalho em janeiro. Depois de o Caged anunciar a perda de mais 101,7 mil empregos no mês passado, foi a vez do IBGE revelar uma alta da taxa de desemprego acima do que vinha esperando o mercado. Ela avançou de 6,8% em dezembro para 8,2% em janeiro. Na sexta-feira, nem a onda de pânico deflagrada nos EUA pelos rumores de estatização de bancos, conseguiu evitar mais queda dos juros futuros. O swap de 360 dias caiu de 10,95% pra 10,94%. Os temores externos alimentaram a escalada do dólar. Na quinta valorização seguida, a moeda subiu 1,70%, a R$ 2,3920. Na semana passada, avançou 5,65%. O BC fará amanhã leilão de venda de dólares com recompra em três datas.

Artigo de Luiz Sérgio Guimarães, repórter de finanças do jornal Valor Econômico.