Do Presidente da República ao setor industrial paulista, amplos setores criticam a manutenção dos juros reais mais altos do mundo mantidos pelo Banco Central

Com a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) em manter a taxa básica de juros (Selic), em 13,75% ao ano, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto produziu um feito. Em um país dividido politicamente, há quase unanimidade contra a atual política monetária que asfixia a economia do país. Do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), amplos setores criticaram a manutenção dos juros reais mais altos do mundo.

“Eu digo todo dia, não tem explicação para nenhum ser humano no planeta terra a taxa de juros no Brasil estar a 13,75%. Não existe explicação, então, como presidente da República, eu não posso ficar discutindo cada relatório do Copom. Não posso. Eles paguem o preço pelo que estão fazendo. A história julgará cada um de nós”, afirmou Lula nesta quinta-feira (23).

Seu vice, Geraldo Alckmin, conhecido pela moderação, chamou de “radicalismo” a decisão do colegiado liderado por Campos Neto. “É muito radicalismo, né? Você tinha, há pouco tempo, juros de 2%; agora, 13,75%. Eu acho que precisa ter mais moderação. Não há uma inflação de demanda, pelo contrário. É preciso estimular a atividade econômica”, disse ele, em evento do setor de habitação em São Paulo. O setor também reclamou do custo do crédito.

Capital

Até mesmo um evento realizado pelo grupo Lide – do ex-governador de São Paulo João Doria –, que reuniu empresários do varejo, foi palco de clamores contra os juros altos no Brasil. As críticas mais contundentes partiram da presidenta do conselho de administração do Magazine Luiza, Luiza Trajano.

“Podemos deixar o juro do jeito que está? Está tendo consumo? Não. Nós temos que nos unir para baixar o juro”, disse ela. “Um país como o nosso só tem duas coisas a fazer: dar renda e crédito. Agora, com um juro que não baixou, não vai ter crédito para ninguém”, alertou

Assim como a Magazine Luiza, outras grandes do varejo – Via, Riachuello, Lojas Renner, Marisa, entre outras – registraram perdas entre 5% e 15% na Bolsa de Valores de São Paulo (B3), em função da crise de crédito. O jornal Valor Econômico chegou a falar em “devastação”, diante da queda das ações das principais empresas do setor.

Na véspera da última reunião do Copom, o presidente da Fiesp, Josué Gomes, classificou como “pornográficas” as taxas de juros no Brasil. Ele ainda frisou que, sem redução da Selic, “não adianta fazer política industrial”.

Muitos querem associá-la a um problema fiscal. A tese é que há um abismo fiscal. Abismo fiscal num país que tem 73% do PIB de dívida bruta. Tirando as reservas cambiais, são mais ou menos 54% de dívida. Tirando o caixa do Tesouro, Nacional, são menos de 45% do PIB de dívida líquida, num país com a riqueza do Brasil.

Trabalho

Representando os trabalhadores, as centrais sindicais também criticaram a decisão do Copom. A CUT, por exemplo, atacou a ausência de sintonia do BC com o esforço de retomada do crescimento por parte do governo Lula. “A decisão também revela o quanto é ruim para o país um Banco Central, que se declara autônomo, mas se encontra nas mãos de rentistas, especialmente quando têm compromissos com forças políticas contrárias ao povo e ao governo federal.”

Para o presidente da Força Sindical, Miguel Torres, o país é refém de “poderosíssimos interesses dos rentistas”, afirmou. Para ele, a manutenção da Selic em 13,75% “é prêmio aos especuladores e extorsão aos brasileiros e ao setor produtivo”.

Como fica?

Por óbvio, o apoio à atual política monetária reside no mercado financeiro, seus únicos beneficiários. Ainda na semana passada, o economista-chefe do Itaú, Mario Mesquita, disse que “seria muito arriscado” cortar os juros agora. Além do apoio da banca, Campos Neto tem como escudo a “autonomia” do BC – mais um legado bolsonarista.

Lula disse hoje que não tem como fazer qualquer movimento para destituir o presidente do BC. “Quem tem que cuidar do Campos Neto é o Senado que o indicou. Ele não foi eleito pelo povo, não foi indicado pelo presidente, ele foi indicado pelo Senado”, afirmou. E destacou que cabe ao senadores fiscalizar o cumprimento da lei que instituiu a autonomia do BC. Conforme consta na nova legislação, além de zelar pela moeda – controlando a inflação – o BC também deve “suavizar flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego”, o que Campos Neto ignora.

A Presidência da República pode solicitar a exoneração do presidente do BC. Mas, para tanto, teria que contar com o aval da maioria absoluta dos senadores. No entanto, fontes ligadas ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), mandaram avisar que não haveria votos para derrubar Campos Neto, de acordo com o colunista Valdo Cruz, da Globo News. Por outro lado, fontes do governo disseram que os senadores “também vão sentir a pressão”. “Não tem voto até que tem”, desafiou um ministro, que teve a identidade preservada pelo colunista.

Fonte: CUT / Redação RBA