O pequeno volume das operações feitas por Itaú BBA e Pine indica que os bancos ainda estão tateando esse mercado. No caso do Itaú BBA, foram 15 financiamentos que totalizaram cerca de R$ 80 milhões – valor de face dos ativos de crédito. O Pine fez quatro ou cinco operações que somaram aproximadamente R$ 25 milhões. Procurados, os bancos não atenderam à reportagem.
Segundo fonte ouvida pelo Valor, dois grandes bancos de varejo que nunca venderam suas carteiras chegaram a conversar com potenciais compradores para suas dívidas vencidas há mais de 180 dias este ano, mas não fecharam negócio. A sondagem por parte das instituições cresce principalmente em torno das carteiras de veículos, uma das modalidades em que a inadimplência mais avançou.
Alguns dos motivos que mantiveram os bancos nacionais afastados do comércio de créditos podres são a falta de tradição, vontade de manter a operação do cliente (corporativo, principalmente) e o estigma de "pouca solidez" a que um banco estaria sujeito a carregar caso optasse por se desfazer dos empréstimos vencidos – como se a venda revelasse uma suposta necessidade de levantar recursos. Os estrangeiros, já acostumados a lançar mão desse expediente lá fora, vêm alimentando essa indústria no Brasil. Santander, o mais ativo deles, vendeu no primeiro trimestre deste ano uma carteira de R$ 700 milhões, entre créditos de varejo e para empresas.
Daqui para frente, porém, dois fatores devem estimular um número maior de bancos a vender créditos em atraso: a fiscalização mais rigorosa do Banco Central sobre formas alternativas de concessão de financiamentos e a implementação das regras de Basileia 3, que definem os parâmetros de capital das instituições financeiras.
No caso da fiscalização mais rigorosa, o incentivo para a venda de créditos podres deve ter maior apelo entre bancos de médio porte, que costumam recorrer a fundos de investimentos em direitos creditórios (FIDCs) para alavancar a capacidade de empréstimo. A partir de 2013, a autoridade vai exigir que as instituições reservem capital para as operações de crédito que estiverem fora do balanço. Portanto, os bancos que não quiserem arcar com provisões "extra" para créditos contabilizados dentro de fundos de investimento, por exemplo, estariam mais propensos a vender esses ativos em atraso.
Já o acordo de Basileia 3 tem potencial para trazer para esse mercado os grandes bancos de varejo, detentores de volumes bilionários de créditos tributários. Pelas novas regras, que entram em vigor gradualmente de 2013 a 2018, a maior parte dos créditos tributários produzidos a partir da constituição de provisões para devedores deixará de ser contabilizada como patrimônio de referência, o que acabaria por reduzir a capacidade de oferta de financiamento.
Diante da iminente "perda" desses ativos fiscais do capital, os bancos, hoje avessos à venda de créditos podres, devem passar a considerar melhor a possibilidade. Quando créditos podres (já provisionados) são vendidos, normalmente por um valor muito inferior ao de face, o banco realiza um prejuízo. Isso permite acessar o crédito tributário para abater Imposto de Renda (IR) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
Hoje, quando créditos acima de R$ 5 mil ficam em atraso por mais de um ano, os bancos declaram perda contábil mas a Receita Federal não permite que o valor seja abatido dos impostos até que se esgotem todas as tentativas de recuperação, inclusive judiciais, o que pode levar anos. Com as novas regras de Basileia 3, carregar esses créditos tributários no balanço significará consumir mais capital.
O mercado de créditos podres no Brasil está aquém do potencial. Pelos cálculos de Salvatore Milanese, sócio responsável pela área de reestruturação da KPMG, que organiza a venda de carteiras vencidas para empresas e bancos, o volume de financiamentos com atraso de 60 a 360 dias e daqueles que já foram baixados para prejuízo (e estão nas contas de compensação dos bancos) gira em torno de R$ 440 bilhões. Em anos auspiciosos para a indústria de créditos podres como foi 2011, o montante comercializado, de R$ 27 bilhões, não chega a representar 7% do estoque de créditos em atraso.
"Matéria-prima é o que não falta", observa Milanese. Para o especialista, a adesão de mais bancos à venda de carteiras vencidas é questão de tempo. "O crédito responde só por 50% do PIB. À medida que esse volume for aumentando, os bancos passarão a ir a mercado [vender crédito podre]", diz.
Fonte: Valor Econômico / Por Aline Lima e Filipe Pacheco