A partir do mês de agosto a Central Única dos Trabalhadores contará com mais uma secretaria em sua estrutura, desta vez, contra a discriminação racial. O Portal Mundo Trabalho entrevistou o atual coordenador da ainda Comissão Nacional Contra a Discriminação Racial, Marcos Benedito, que falou sobre sua experiência frente à comissão e suas perspectivas para futura secretaria.
Portal – Como você avalia o andamento do tema no interior da CUT?
Marcos – Fico muito feliz que a secretaria contra a discriminação racial ter sido criada durante nossa gestão, isso significa, que estamos no rumo certo e que conseguimos sensibilizar na atual direção cutista para a importância do tema.
Além disso, tivemos oportunidades importantes que qualificaram significativamente o nosso debate. A nossa última experiência em parceria com a CSI e OIT, foi a participação na Conferência de Revisão do Tratado de Durban realizada em Genebra na Suíça no mês de abril deste ano, que debateu com diversos países os avanços e retrocessos obtidos desde seu lançamento em 2001, em Durban, África do Sul. A intenção foi aperfeiçoar e revisar o Plano de Ação contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância.
Tanto a sociedade civil quanto os sindicalistas presentes tiraram um documento apontando que o mercado de trabalho também é vítima do processo de discriminação. As convenções da OIT 111 e a campanha do trabalho decente são ferramentas importantes nessa luta. O saldo positivo foi o fato da CSI e a OIT terem conseguido juntar todos os representantes na discussão e de assinar um documento comum, além de estabelecer uma rede com troca de informações para ações em 2011, quando provavelmente acontece a próxima revisão.
Portal – Já existe uma linha política para a nova Secretaria?
Marcos – Na semana passada, realizados um encontro nacional em São Paulo que discutiu exatamente esta questão, na qual avançamos muito porque até então nós não tínhamos dado início ao debate de como ficaria a secretaria. Tiramos orientações gerais que eu tenho certeza que serão encaminhadas para os estados no sentido de ampliar, massificar e potencializar o tema.
A deliberação é de que todos os estados criem suas secretarias estaduais para dar sustentação política à secretaria nacional. É importante que nos estados os militantes anti – racismo façam todo movimento para que sejam eleitos delegados (as) nos CECUTs e participem do CONCUT para que possamos levar o debate político do tema nos fóruns adequados.
Portal – Que questões você considera fundamental?
Marcos – Acredito que a questão dos quilombolas, meio ambiente, trabalho escravo, juventude negra, mulheres negras são fundamentais nesse momento. Nosso desafio é elaborar políticas para estes segmentos, além de darmos continuidade às políticas sindicais já encaminhadas pela CNCDR/CUT. Além disso, pretendemos desenvolver uma política transversal que colabore com toda a pauta cutista.
Portal – Em sua opinião qual o maior preconceito a ser enfrentado?
Marcos – Sem dúvida, o maior preconceito está no mercado de trabalho, assim como, na religião de matriz africana já que vivemos em um país católico cristão onde, por exemplo, há um grande crescimento das igrejas evangélicas pentecostais. A pseudo Abolição da Escravatura, de 13 de maio de 1888, jogou os negros na rua sem escola, sem moradia, sem estudo, ou seja, sem estrutura nenhuma e até hoje estes sofrem as conseqüências que também se refletem no mercado do trabalho. Segundo pesquisas, a maioria da população atual do país é composta por afro-descentes, se percorrermos a noite paulistana veremos que esta população não está representada em vários segmentos da sociedade, mas se formos a algum evento na periferia serão a grande maioria, o que confirma a exclusão social.
Portal – Qual a solução para esse problema social?
Marcos – Acredito que a saída é continuar trabalhado para superar esta desigualdade e apostar na construção de política de estado e não de governo. Quero deixar registrado que o governo Lula tem contribuído muito. Ele incorporou muitas políticas e criou a Secretaria Especial de Políticas de Promoção de Igualdade Racial e instituiu a lei 10639/3, que obriga o ensino da cultura afro-brasileira nas escolas e está desenvolvendo todos os esforços através da SEPPIR pra a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial. Precisamos de mudanças contundentes que contribua para que as pessoas desenvolvam novos conceitos culturais colaborando desta maneira, para a eliminação do preconceito na sociedade brasileira.
Portal – Qual foi o maior preconceito que você já sofreu?
Marcos – Sim e foi uma coisa que mudou a minha vida. Eu era adolescente e trabalhava no banco Itaú. Eu estava com 19 anos e cheguei atrasado ao trabalho devido ao trânsito. Meu chefe estava acomodado em uma mesa conversando com um amigo. Eu me debrucei na mesa e ele observou que a minha camisa estava com dois botões abertos e pediu para fechá-los. Eu prontamente abotoei e em seguida pedi desculpa pelo atraso. Ele respondeu: tudo bem, mas fecha a camisa. Neste momento, ele virou para o seu amigo e falou…
"Não é à toa que dizem por ai que preto é o bicho mais parecido com gente".
Conto isso não para inserir uma nova anedota no repertório daqueles que gostam de expressar o seu preconceito em forma de piadas de mau gosto, e que muitas vezes são carregadas de preconceito, mais para alertar que uma brincadeira "inocente" pode provocar um grande trauma numa criança ou adolescente. No meu caso, isso já faz 30 anos e eu jamais esqueci.
Hoje sou mais um brasileiro convencido que esta "doença" denominada racismo deve ser extirpada do seio da humanidade.
Fonte: Ana Paula Carrion, CUT