Mas a sangria do banco já estava em curso. Segundo o então secretário da Fazenda, Giovani Gionédis, em longa entrevista ao jornal Gazeta Mercantil, do dia 09 de março de 1998, os paranaenses souberam que o banco não tinha liquidez, tinha problemas financeiros. Na mesma reportagem ele afirmou que o banco não seria privatizado, afirmação essa que Lerner também havia feito aos funcionários. No dia 31 de março daquele ano, no entanto, o governador assinou, em Brasília, o acordo de saneamento e privatização.
Em 22 de junho de 1998, os secretários de Lerner, Miguel Salomão e Giovani Gionédis, prestaram esclarecimentos aos deputados estaduais e declararam textualmente que, se o projeto de privatização não fosse aprovado, o banco sofreria intervenção ou até liquidação. Informações internas davam conta que a imagem do banco ficou bastante arranhada após as declarações do secretário e presidente do Conselho de Administração do Banestado.
Em 20 de agosto de 2000, a Assembleia Legislativa do Paraná rejeitou todas as emendas apresentadas pelo movimento de resistência que previam garantias aos aposentados e empregados do banco. Em 17 de outubro o banco foi a leilão, passando para as mãos da família Setúbal.
Funcionários em greve, que durou 13 dias em outubro de 2000
A privatização deixou muitas sequelas para o Paraná, prejuízos que até hoje se refletem no orçamento do Estado. Abaixo, listo apenas os mais significativos:
1) Com a privatização do Banestado, o Paraná perdeu seu instrumento de fomento e financiamento de políticas públicas, entre as quais as que se relacionam com a agricultura e a habitação. Para se ter uma idéia, em 1999, o banco tinha investido R$ 1,1 bilhão em financiamento habitacional e R$ 44,2 milhões na agricultura.
2) O processo de privatização, iniciado em agosto de 1997, cortou cerca de 8.300 empregos diretos e mais outros tantos indiretos, composto por funcionários da seguradora, corretora, da limpeza, conservação e segurança. Muitos desses trabalhadores adoeceram e muitos não conseguiram se colocar novamente no mercado de trabalho.
3) A privatização gerou uma dívida aos cofres do Paraná que compromete 13% do orçamento anual, ou mais de R$ 800 milhões. Isso porque o Governo do Estado buscou recursos federais para sanear o banco. Em 1999, o processo contabilizava R$ 1,5 bilhões em ativos irrealizáveis (leia-se créditos inadimplentes de pessoas físicas e jurídicas que nunca iriam pagar o que pegaram emprestado).
4) Com a apropriação de patrimônio público por parte da iniciativa privada, além da rede de agências e imóveis, o Itaú ficou com mais de R$ 1,6 bilhão de créditos tributários que pode descontar do imposto que deveria pagar sobre o lucro obtido em anos posteriores.
5) O controle acionário da Copel corre risco, pois o Governo do Estado usou as ações da Companhia como garantia na compra de títulos públicos de municípios (Osasco e Guarulhos) e estados falidos (Pernambuco, Alagoas e Santa Catarina), cujas irregularidades ficaram comprovadas na CPI dos precatórios realizada pelo Senado Federal. Caso o governo não pague, o Itaú poderá se apropriar também da Copel.
A pergunta que se faz hoje é: poderíamos ter evitado tal privatização?
A única saída teria sido uma grande mobilização popular, que não aconteceu. Isso porque a bancada Lernista da Assembléia Legislativa era maioria e estava totalmente a favor da entrega do banco.
O Poder Judiciário não acatou nenhuma das ações propostas contra a venda. Os bancos estaduais tiveram muitas dificuldades em atuar devido à hostilidade do Banco Central, o quadro político ideológico e o consenso da mídia de que os bancos estaduais eram excrescências do passado. A imprensa estava totalmente a favor da privatização, não questionando as ilegalidades do processo, que foram muitas e denunciadas.
Para reverter ou impedir as demissões bastava que o Tribunal Superior do Trabalho, na época presidido por Almir Pazzianoto, tivesse acatado o pedido de que os Sindicatos e a FETEC-CUT-PR fizeram de se estabelecer um período de estabilidade de emprego.
Acredite se quiser, mas na audiência, ocorrida em Brasília no dia 18 de outubro de 2000, um dia após o leilão, o Ministro foi enfático, declarando que: "conhecia o Dr. Olavo Setúbal e que conversaria com ele pessoalmente para que não houvesse demissões, não sendo necessário colocar isso por escrito".
As pessoas que venderam o banco estavam coniventes com o endividamento do Estado. Pior, colocaram uma ‘pá de cal’ em cima de muitas operações ilegais feitas por uma gestão temerária. Para isso, usaram de expedientes sem nenhuma transparência ou controle, editais direcionados, subavaliação dos imóveis e mesmo dos recursos tecnológicos do banco. O governo Lerner sequer vacilou em endividar o Estado.
Em um país que tivesse um pouco de seriedade, com um poder judiciário comprometido com a preservação do patrimônio público, o que o governo Lerner fez seria tratado como crime.
Duas CPIs (Assembléia e Senado) não responsabilizaram nenhuma autoridade envolvida nas transações suspeitas. Presos foram apenas funcionários do segundo escalão, que agiam na remessa de dinheiro ilegal ao exterior, e outras figuras menos expressivas da Era Lerner.
Hoje, 10 anos após o fato ocorrido, também chamo a atenção para o papel irresponsável (pra dizer o mínimo) do Banco Central, então dirigido pelo PSDB. Sua diretora de fiscalização, Tereza Grossi, que participou de todo o processo de privatização, foi agraciada posteriormente com um assento no Conselho de Administração do Banco Itaú. Já Pedro Malan, então ministro da Fazenda e controlador da CVM, também recebeu como presente um cargo no Conselho de Administração do Unibanco. Tirem suas próprias conclusões!
Marisa Stedile, secretária-geral da CUT-PR e ex-presidente do Sindicato dos Bancários de Curitiba e Região (2002-2008)
Fonte: Seeb Curitiba