Iniciada a 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) nesta segunda, com a presença do presidente Lula, o pesquisador Venício Lima, fala sobre o boicote formal de alguns dos representantes dos principais meios de comunicação, "isso não quer dizer que ela (grande mídia) não esteja de fato presente. Ela está lá como uma sombra". E garante: "Seus interesses continuam presentes no evento".
Há muitas décadas o Brasil não discute a sua política de comunicação social. Para o pesquisador isso acontece porque os principais beneficiados pelas regras atuais nunca tiveram interesse em discuti-las, "discutir significa levantar os problemas da área e eventualmente alterar as regras do jogo", analisa.
O que mudou, segundo o pesquisador, são os avanços tecnológicos pelas quais o setor passou recentemente:
As transformações tecnológicas obrigarão, de forma inevitável, a regulação da área. Porque interessa inclusive aos atores tradicionais, que sempre se opuseram a qualquer mexida regulatória no setor, para proteger seus interesses.
Venício Lima é pesquisador Sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política da Universidade de Brasília e faz questão de definir seu envolvimento com a Confecom: "não sou membro de nenhuma entidade, eu não sou da comissão, eu acompanho porque tenho interesse profissional na área".
A 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) começou nesta segunda-feira com a discussão de políticas de comunicação, mídia e direitos e deveres da cidadania e vai até o dia 17, quinta-feira.
Terra Magazine – A I Conferência Nacional de Comunicação começou ontem, em Brasília. Quais são as expectativas?
Venício Lima – É sempre bom lembrar que essas conferências são assembléias propositivas, elas não são deliberativas. Então, do ponto de vista formal, o máximo que pode acontecer são propostas que podem ou não serem encampadas pelo Poder Executivo ou Legislativo e transformadas em normas legais. Isso é um ponto importante, porque muitas pessoas não conhecem essa informação e podem esperar da conferência algo que ela não pode dar.
O que ela pode, efetivamente, dar?
O principal resultado da conferência ela já deu. Desde a sua convocação pelo presidente, criou-se um debate em nível nacional, nas mais diferentes camadas da população, ONGs, igrejas, entidades, todo tipo de seminários, sindicatos… Enfim, uma coisa inédita, que aconteceu independente da divulgação na grande mídia, essa mídia que se omitiu eloquentemente na sua divulgação, isso é extremamente positivo. E espero que isso se constitua numa agenda permanente.
Que esse tenha sido somente o início de um debate, ponto inicial para a reivindicação de direitos. Se o conjunto da população não tiver consciência da comunicação como um direito e da mídia como um poder, não há como falar em nome da população e reivindicar esses direitos.
Há muitas décadas, o Brasil não discute a sua política de comunicação. Outros países da América Latina como Peru, Bolívia, Equador, Colômbia, Uruguai, Nicarágua, Argentina e Venezuela deram passos tão ousados quanto necessários. Por que o Brasil tardou tanto? Historicamente, se constituiu no Brasil, sobretudo na radiodifusão, ou à partir da radiodifusão, ou envolvendo a radiodifusão, um protagonismo do setor privado, que acabou se transformando num ator tão poderoso e quase que exclusivo nessa área de políticas públicas.
Por isto, até agora, eles se recusaram sequer a discutir as questões da área. Tanto que seis entidades, inicialmente envolvidas na comissão de organização da conferência, se retiraram dela.
Por que não se discute? Porque os principais atores, cujos interesses têm sido historicamente beneficiados no setor, não têm interesse em discutir. Porque discutir significa levantar os problemas da área e eventualmente alterar as regras do jogo.
Como recuperar o tempo perdido?
É inevitável. Há como recuperar ao tempo perdido, fatalmente a Confecom interessa a todos os atores envolvidos, inclusive aos empresários, por causa da inovação tecnológica e por causa dos novos atores que chegaram e que são, do ponto de vista econômico, muito mais poderosos que os atores tradicionais. Eu estou me referindo, evidentemente, às teles. Elas chegaram ao campo porque elas têm a infraestrutura tecnológica necessária à distribuição de conteúdo.
A esses grupos tradicionais, interessa uma regulação, nem que seja para excluir os seus concorrentes, então eu acho que é fatal, o Brasil vai ter que regular a área, mas não necessariamente isso vai significar avanços. Eu espero e acredito que haverá avanços na área, do ponto de vista do direito à comunicação e da democratização.
Não há como ignorar a entrada dos novos atores. Além do mais, há que se levar em conta que nossa legislação na área de radiodifusão é da década de 70.
O senhor poderia se aprofundar mais nessa questão da entrada das teles?
Há um fato novo, que é, sobretudo, a partir da privatização promovida pelo governo do Fernando Henrique Cardoso, das telecomunicações, o Brasil passou a ter na área de telefonia fixa e móvel grandes grupos internacionais que, por conta das mudanças tecnológicas, hoje detém a capacidade técnica de infraestrutura para distribuição de conteúdo que antes eram monopólio da radiodifusão tradicional.
A tecnologia fez com que essas diferenças entre telecomunicação e radiodifusão fossem diluídas. Por exemplo. Eu sou uma empresa de telecomunicações e "cabei" uma determinada cidade com fios de fibra ótica, então, eu posso oferecer serviços de telefonia, de TV a cabo, de transmissão de dados… Eu passo a ter condições de competir com os radiodifusores tradicionais da área, que controlam, por exemplo, a área de TV a cabo.
Outro exemplo, o PL-29, que acabou de ser aprovado na Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara, na semana passada, ele permite às teles a distribuição de conteúdo na área de TV a cabo, o que era uma prerrogativa da radiodifusão tradicional.
As transformações tecnológicas obrigarão, de forma inevitável, a regulação da área. Agora, a regulação interessa inclusive aos atores tradicionais, para garantir esses interesses ou para afastar seus concorrentes. Porque a legislação não os contempla mais.
Se as mudanças no setor interessam também aos grandes grupos de comunicação, por que alguns deles boicotaram a construção conferência?
Você pode exercer seu poder, inclusive na definição da agenda, na composição da plenária em termos da composição de delegados, sem atuar diretamente e sem transformar a conferência e os temas que nela estão sendo discutidos em agenda pública. Seis entidades representativas dos empresários saíram da comissão organizadora, em protesto contra uma eventual ameaça à liberdade de expressão e a existência de proposta de controle social – uma coisa vazia. Essa saída não significa uma ausência. Seus interesses continuam presentes no evento.
O sinal mais evidente que isso de fato aconteceu são as porcentagens dos delegados: 40% da sociedade civil, 40% de representantes dos empresários e 20% de representantes do Estado. Quando, no Brasil ou no mundo, o empresariado representa 40% da população? Nunca! Nada! Não há isso!
Eles não cobrem porque é uma tradição da mídia brasileira não cobrir a si mesma – isso contraria seus interesses. Mas isso não quer dizer que ela não esteja de fato presente. Ela está lá como uma sombra .
E qual seria o rumo ideal da conferência? E da regulamentação da comunicação no Brasil?
Essa pergunta comporta um curso de dois semestres numa universidade (risos). Os setores que tem lutado pela democratização da comunicação devem se concentrar em poucos pontos, não dispersar a pauta de reivindicações.
Há inúmeros pontos que podem ser consenso e sair como proposta da conferência. Mas um que me parece fundamental é a questão da universalização da banda larga, apesar de eu achar que excesso de otimismo, nessa área, é contraproducente. Apesar disso tudo, eu acho que a universalização da banda larga representa uma mudança tão radicalmente importante, no sentido do poder que mídia tradicional tem exercido no Brasil e no mundo, que isso deveria ser prioridade.
O governo deve colocar, como há indicações que está colocando, a universalização da banda larga como prioridade zero na área de comunicações. Banda larga, inclusão digital, computadores de acesso barato para a população. Isso trará conseqüências fantásticas do ponto de vista do direito à comunicação.
Fonte: Terra Magazine / Carolina Oms