De acordo com a médica, o programa tem teoricamente o objetivo de promoção à preservação da saúde do conjunto dos trabalhadores. Mas na prática, "a estrutura montada para a elaboração do PCMSO é contratada pela empresa sem qualquer participação dos trabalhadores, o que caracteriza uma dependência total dos profissionais aos interesses da empresa", afirma Maeno.
O que é o PCMSO?
O Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO) é previsto pela Norma Regulamentadora 7 (NR 7) e tem teoricamente o objetivo de promoção a preservação da saúde do conjunto dos trabalhadores. Segundo essa NR7, o PCMSO "deverá ter caráter de prevenção, rastreamento e diagnóstico precoce dos agravos à saúde relacionados ao trabalho, inclusive de natureza subclínica, além da constatação da existência de casos de doenças profissionais ou danos irreversíveis à saúde dos trabalhadores."
Como tem funcionado na prática?
O problema principal é que a estrutura montada para a elaboração do PCMSO é contratada pela empresa, sem qualquer participação dos trabalhadores, o que caracteriza uma dependência total dos profissionais aos interesses da empresa.
Quais são os principais problemas enfrentados pelo trabalhador?
O trabalhador é avaliado periodicamente por médicos que representam a empresa, que passa a ter assim, o perfil de adoecimento dos seus trabalhadores. Essa informação pode ser utilizada para outras finalidades que não as previstas na NR 7. Frequentemente o trabalhador não tem acesso ao seu prontuário, o que caracteriza uma violação de direito e também frequentemente o exame periódico é utilizado como exame demissional, o que é permitido pela NR 7 em determinadas circunstâncias.
Poderia apontar algumas soluções para estes problemas?
Eu acho que o empregador deve oferecer condições de trabalho não adoecedoras e a saúde dos trabalhadores faz parte da saúde pública. Assim, se o SUS, o Ministério do Trabalho e o Ministério da Previdência Social trabalhassem em conjunto, com ações integradas e coordenadas, compartilhando bases de dados, as possibilidades de se prevenir acidentes e adoecimentos seriam reais. Dentro do contexto de fragmentação de ações entre órgãos dessas áreas, no mínimo, qualquer estrutura de saúde que tenha acesso ao trabalhador para avaliá-lo deveria ser obrigada a dar satisfações aos trabalhadores e ao poder público. Em tese, as ações do SEMST deveriam ser avaliadas pelo SUS, pois é um serviço de saúde localizado dentro das empresas.
O programa tem sido usado como fonte para mapeamento de bancários doentes para futuras demissões? Como funciona este mecanismo?
Infelizmente sim. Como disse, a própria NR 7 prevê que os exames periódicos podem ser utilizados como exames demissionais desde que realizados em determinados prazos dependentes do grau de risco da empresa. Muitas empresas realizam exames periódicos de seis em seis meses, por exemplo, para poderem utilizar os exames periódicos como exames demissionais. A tendência dos trabalhadores é de tentarem a todo o custo manterem-se no trabalho, mesmo quando percebem que têm dificuldades e assim, nos exames periódicos são considerados aptos para o trabalho, o que nem sempre é real.
Como tem sido o processo de participação dos trabalhadores no Programa?
Não há qualquer participação dos trabalhadores no PCMSO e sequer o acesso é permitido. Além do pecado original de ser realizado e controlado pelo SESMT que é órgão da empresa, infelizmente constato que ele se restringe à realização de exames complementares padronizados, muitas vezes desnecessários e indicados inadequadamente. É preciso rever todo o sistema de proteção à saúde dos trabalhadores.
Podemos pensar em um modelo ideal de programa?
Acho que qualquer modelo deve ser socialmente construído e um princípio básico é pararmos de nos contentar com palavras politicamente corretas.
O SUS tem que assumir de fato que a garantia da saúde e integridade dos trabalhadores, como os demais membros da sociedade, faz parte de suas atribuições determinadas em lei. E considerando o conceito de determinantes sociais da saúde e do adoecimento, o SUS tem que assumir que o espaço de trabalho (condições e organização do trabalho) é assunto de sua competência. Isso se aplica aos conselhos de saúde que existem em todas as esferas de governo: municipais, estaduais e federal.
Deve-se buscar uma integração entre as pastas da Saúde, do Trabalho e da Previdência Social, com a ampla participação da sociedade. Essa integração é citada sempre, mas não há iniciativas para que ela ocorra. As três pastas têm ações sem qualquer integração e contribuem para uma menor efetividade do Estado na promoção de saúde e prevenção de acidentes e doenças.
Também se fala em participação dos trabalhadores, mas ao mesmo tempo a sua organização por local de trabalho é reprimida, é proibida.
Fala-se em transparência, mas sequer há informações sobre os riscos e outros aspectos adoecedores do trabalho aos trabalhadores, como é direito constitucional.
Todos os serviços de saúde, incluindo os das empresas, devem ter suas ações controladas pelo Estado. Atualmente, os trabalhadores ficam a mercê de serviços controlados unilateralmente pelas empresas, o que até contraria as convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que preconizam a autonomia desses serviços. Por princípio, se os serviços são contratados pelas empresas, sua autonomia no mínimo é duvidosa.
Recentemente foi publicado o Plano Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho, fruto de um trabalho tripartite (governo, trabalhadores e empregadores). Uma tarefa urgente do movimento sindical é avaliar quais aspectos devem ser priorizados e trabalhar uma agenda que seja do interesse dos trabalhadores.
Se o movimento sindical não se organizar correrá risco de ser atropelado por interesses alheios à melhoria real das condições de trabalho. Poderemos ter, como já temos, diminuição artificial da notificação de acidentes e doenças relacionadas ao trabalho, maquiagem das más condições de trabalho, agravamento da precariedade das relações e condições de trabalho e exclusão cada vez maior dos trabalhadores. Tudo isso com a chancela formal do movimento sindical, o que é muito grave.
Fonte: Contraf-CUT