Acompanhe abaixo a entrevista do presidente da CUT, Artur Henrique, ao jornal Valor Econômico. Ele falou sobre o Dia do Trabalhador e a postura da Central Única dos Trabalhadores frente a crise. Momento que exige politização.
Valor: A decisão da central de descentralizar a comemoração do 1º de Maio está relacionada à crise ou ao momento político?
Artur Henrique: Estamos vivendo essa época de crise e queremos aproveitar os shows para discutir a crise e as saídas da crise, a luta pelo emprego, pela renda. E o objetivo da descentralização era atingir um número maior de pessoas, principalmente daquelas que não tinham condição de vir para a avenida Paulista.
Valor: Em um ano pré-eleitoral, a central já definiu se continuará dando apoio ao PT?
Artur Henrique: Não necessariamente. O que temos consciência é que sofremos muito no governo Fernando Henrique, porque defendíamos ideias e propostas radicalmente opostas àquelas que foram implantadas no país na década de 1990. A CUT defendia um papel importante do Estado na economia e ele defendia que o Estado tinha que ser mínimo. Nós defendíamos que era preciso ter controle social sobre as empresas estatais, e ele defendeu a privatização. Nós defendíamos que era preciso respeitar os movimentos sociais e abrir canais de negociação. O governo Fernando Henrique Cardoso tratou o movimento sindical com polícia. Tivemos muitas dificuldades no governo FHC. Ao ser eleito o presidente Lula, tivemos uma mudança de relação. Não teve privatização, o Estado passou a ter um papel importante, os movimentos sociais e o movimento sindical foram respeitados como canal de negociação. O cenário mais provável para as eleições de 2010 é termos no segundo turno uma proposta de continuidade do projeto democrático popular e uma candidatura da oposição, representada pelo [José] Serra ou o Aécio Neves. O apoio ainda vai ser debatido, mas não tenho a menor dúvida de que a CUT vai orientar o voto pela continuidade do projeto democrático popular. Mas desde que aponte para mudanças.
Valor: Que tipo de mudanças?
Artur Henrique: Nós queremos avançar. Temos defendido que o próximo governo institucionalize os espaços de representação que foram conquistados no governo Lula para que se transformem em políticas de Estado e não apenas de governo. A plataforma da classe trabalhadora para as eleições de 2010 vai incluir a democracia direta, a regulamentação dos plebiscitos e referendos como instrumentos de participação. Claro que tem que ter um equilíbrio. Alguns países da América Latina estão fazendo da democracia direta instrumentos quase que corriqueiros de decisão, o que não dá para ser aplicado no Brasil pelo seu tamanho. Agora, o que não dá também é, em nome disso, ir para o lado da democracia representativa e só esperar que o Congresso resolva tudo. Questões ambientais, uso da energia nuclear, privatizações, isso deveria passar por processos de consulta popular.
Valor: A pré-candidata Dilma Roussef ainda não passou pelo crivo das centrais sindicais?
Artur Henrique: A Dilma teve uma trajetória de atuação em partidos de esquerda na luta contra a ditadura e pela democratização e depois teve uma atuação mais institucional como secretária de Energia do governo do Estado do Rio Grande do Sul e no governo Lula como ministra chefe da Casa Civil. Não é evidentemente uma sindicalista como foi o Lula, mas tem evidentemente outras qualidades. Acho que igual ao presidente Lula dificilmente vamos ter outro.
Valor: Os efeitos da crise global sobre o mercado de trabalho brasileiro surpreenderam?
Artur Henrique: Avaliamos que a crise atinge os setores de forma diferenciada na economia. Os setores que mais sofrem os impactos são aqueles voltados à exportação. A crise envolve o setor da agricultura, de commodities, de alimentação e o automobilístico. Esses são setores que necessitam medidas pontuais por parte dos governos. Por exemplo, a indústria automobilística retomou a produção a partir a redução do IPI. Agora o setor da construção retoma por conta de projetos de governo. Lógico que faltam medidas, como a redução continuada das taxas de juros e de spread bancário, e o fim do superávit primário no período da crise, a utilização dos bancos públicos como agentes de financiamento e fomento, a criação e continuidade de programas que geram emprego e renda.
Valor: E que balanço a CUT faz do seu próprio desempenho e do das demais centrais frente à crise?
Artur Henrique: Nós começamos a realizar atos de rua, mobilização, campanhas. No caso das negociações, estamos pressionando os governos. A luta para superação da crise não pode ser apenas uma luta em relação ao governo federal. Os governos estaduais também têm o seu papel e eles têm se omitido nesse debate. Continuamos com a defesa da renda, da valorização do salário mínimo. R$ 50 a mais no salário mínimo envolve 40 milhões de brasileiros e brasileiras que dependam diretamente dele. Com isso serão injetados R$ 20 bilhões a mais na economia neste ano. É um dinheiro que vai para o consumo. Temos ainda a proposta de democratização do Conselho Monetário Nacional que até agora não saiu do papel. E nas negociações com os empresários, a orientação da CUT é negociar ajuste dos salários pela inflação com aumento real.
Valor: A CUT chegou a negociar com governos estaduais redução tributária. Houve avanços?
Artur Henrique: Negociamos com o governo do Amazonas uma desoneração temporária de tributos em troca de garantia de emprego para o setor de duas rodas e de eletroeletrônicos. Estamos em negociação com os governos do Rio de Janeiro, Paraná e Minas Gerais, onde também há uma expectativa de construção de alguns acordos no sentido de ampliar esse enfrentamento da crise. Continuamos nessa briga.
Valor: O reconhecimento legal das centrais sindicais mudou o seu papel nessas negociações?
Artur Henrique: O reconhecimento trouxe um papel importante, que é debater assuntos de interesse geral da classe trabalhadora. E o aumento no número de filiados reflete na verdade o bom resultado das negociações e da situação do Brasil até setembro. Antes da crise, se tinha uma economia crescendo 5% ao ano, 1,6 milhão de novos trabalhadores com carteira assinada e o reflexo disso nas negociações salariais. Além de repor a inflação, 92% das categorias conseguiram aumentos reais. Isso teve reflexo no nível de sindicalização.
Valor: E no pós-crise?
Artur Henrique: A crise atinge os setores de forma diferenciada. Alguns estão retomando o emprego. Se a economia crescer 1% a 2% vamos ter aproximadamente 500 mil novos trabalhadores com carteira assinada. O Brasil precisa crescer 5% a 6% ao ano para gerar emprego suficiente para dar conta das pessoas que estão entrando no mercado e incluir quem já está desempregado. Outra preocupação é a alta rotatividade. Os empresários já internalizaram o custo da multa do FGTS. Em 2008, 16,5 milhão de pessoas foram contratadas e 15 milhões foram demitidas. Por isso a nossa luta em defesa da ratificação da Convenção 158 da OIT, que proíbe a demissão imotivada, e a luta pela redução da jornada sem redução de salário. São bandeiras que defendemos para minimizar os efeitos da crise.
Fonte: Valor Econômico