Licença para matar
Um dos 19 tópicos do pacote de medidas faz parte de promessa da campanha presidencial de Jair Bolsonaro, que chegou a dizer que daria “carta branca” para PM matar em serviço.
Atualmente, a legislação determina que o agente policial deve esperar uma ameaça concreta ou o início de uma atividade criminosa para que possa então agir.
O projeto prevê que o juiz do caso poderá reduzir pela metade e até mesmo deixar de aplicar uma condenação a alguém que matar em legítima defesa se o “excesso doloso” for causado por “escusável medo, surpresa ou violenta emoção”.
Especialistas temem que a letalidade policial aumente. Ressaltam que a aludida proposta é uma licença para a polícia matar. O Ministro, por sua vez, afirma que essa interpretação é um equívoco de quem não leu o seu projeto.
Segundo especialistas na questão em que se refere ao ‘medo’ do agente policial, por exemplo, eis um problema, porque em muitos casos não será possível saber se o excesso cometido por um agente policial decorreu das hipóteses segundo a proposta ou para garantir a morte do “inimigo” – palavra muito usada durante a ditadura militar, onde o entendimento de que aqueles que estão em desacordo com a ordem dominante estabelecida eram inimigos.
O problema do inciso não é a legitimidade da defesa em conflito armado que esteja ocorrendo. O problema é abrir a possibilidade de a decisão basear-se em questões subjetivas. Mais uma vez o termo “risco iminente” funciona como uma chave para abrir portas para diferentes intenções e interpretações.
Prisão em segunda estância indiscutível
Outro ponto já esperado decorre do ponto final sobre prisão em segunda estância. O primeiro dos 19 tópicos do pacote de medidas pretende pôr fim à polêmica relativa ao cumprimento de prisão após a condenação em segunda instância.
Ele prevê uma alteração no código de processo penal que determina que o tribunal ordene a execução provisória das condenações em segunda instância mesmo que ainda haja a possibilidade para que recursos sejam julgados.
Em linhas gerais, a medida torna a prisão em segunda instância indiscutível, independentemente do resultado da discussão no Supremo.
De acordo com José Antonio Burato – mestre em filosofia, gestão de políticas e organizações públicas e autor do livro Ditadura no gatilho: a instituição da violência policial – todo o conjunto de medidas não passa de ajuste para melhorar a eficácia do instrumento mais competente, depois da ideologia, de dominação social para a manutenção da ordem sistêmica, para a garantia de que tudo permaneça como sempre foi, ou seja, o aparelho jurídico do Estado. “Sendo assim, o ministro representa fielmente, ou tenta representar, a elite social e política que faz do Brasil o que quer desde sempre, e que para este fim utiliza-se das diversas forças e aparelhos do Estado mais adequados às necessidades de cada época, como outrora a ditadura militar”, destaca Burato.
Em síntese, as propostas do ministro não fogem da linha de pensamento que tem motivado a segurança pública pelo menos desde a ditadura militar, e que encontra eco em parte da sociedade brasileira: bandido bom é bandido morto.
“Então, as propostas ora refletidas não representam esperanças para a realidade brasileira, mas um futuro mais tenebroso caso sejam aprovadas. É a insistência no velho jeito de tratar problemas advindos deste sistema social desigual e injusto. É o investimento na prevenção secundária e terciária: leis, polícia e presídios, além de muitas mortes. Do ponto de vista dessa elite social e política conservadora, a qual o Ministro demonstra representar, tudo se reduz a boas leis, violência policial e muita gente periférica presa ou morta”, explica Burato.