É evidente que, sendo um banco estatal, garantido pelo Tesouro Nacional, o BB se beneficiou, durante o período mais nervoso da crise, do chamado "fly to quality" (algo como o voo para a qualidade). Aqui e lá fora. Daniel Maria, que foi gerente-geral adjunto do banco em Nova York e hoje é gerente-executivo da divisão financeira, conta que, antes da crise, a agência em Manhattan tinha US$ 380 milhões em depósitos. No fim de 2008, o volume total de depósitos saltou para US$ 6 bilhões. Hoje, essa mesma agência tem US$ 3,6 bilhões.
O voo para a qualidade deu ao BB e a outros bancos públicos um fôlego de liquidez extraordinário. É justamente esse fôlego, pouco alterado pelo aumento dos compulsórios promovido pelo Banco Central (BC), que explica, em parte, o fato de o maior banco do país remar contra a maré. O sucesso recente do BB também é explicado por sua estratégia comercial.
O aumento dos compulsórios afeta mais as operações de atacado que as de varejo. No atacado, explica o vice-presidente de Finanças do BB, Ivan Monteiro, a taxa cobrada é um percentual do CDI – em geral, de 99% a 105%, dependendo do prazo e do risco. Quando a taxa básica de juros (Selic) sobe, o alinhamento das taxas cobradas pelos bancos nas operações interbancárias é automático. O mesmo, sustenta Monteiro, não ocorre, ou melhor, não deveria ocorrer nas operações de varejo, tais como desconto de duplicata, capital de giro etc. No caso do BB, seus executivos garantem que o repasse não é automático.
"Vou citar duas razões: o custo de funding do banco, que é um dado extremamente importante, e a inadimplência", diz o vice-presidente do BB. Ao calibrar os compulsórios, o Banco Central procurou preservar os bancos pequenos e médios, os que mais sofreram durante a crise financeira. A meta do BC é recolher R$ 71 bilhões em duas etapas – a primeira entrou em vigor no dia 22 e a segunda será no dia 9 de abril.
Esse montante não é desprezível, mas o BB assegura que, mesmo sendo atingido mais fortemente pelo compulsório, a exemplo do que está ocorrendo com outros grandes bancos, as sobras permitirão à instituição permanecer numa situação bastante confortável, em termos de liquidez.
"Há três semanas, o BB decidiu reduzir em dois pontos percentuais o seu custo de captação e o volume captado está exatamente igual", diz Daniel Maria. "Na nossa visão, isso [a liquidez acumulada] compensa um pouco o efeito do compulsório", comenta Marcos Moreira, outro gerente-executivo do banco.
No caso da inadimplência, o BB exibe números também favoráveis. Em dezembro, a taxa de inadimplência de pessoa física do banco, nos contratos de até 90 dias, estava em 4,8%, face à média de 7,8% do sistema – em fevereiro, a média geral, segundo dados divulgados ontem pelo BC, recuou para 7,2%. Nos empréstimos a empresas, a inadimplência no BB está em 2,9%, diante de 3,8% do mercado (em fevereiro, caiu para 3,7%).
Quando o BB fez aposta firme, durante a crise, no aumento expressivo de sua carteira de crédito, muitos analistas previram o pior. No passado de triste memória, o banco foi usado politicamente e isso provocou rombos cobertos posteriormente por toda a sociedade por meio de seu acionista majoritário, o Tesouro. Dessa vez, no entanto, o BB apostou corretamente. Primeiro, acreditou nos fundamentos da economia brasileira, o que lhe permitiu apostar na recuperação da crise. Depois, cresceu onde havia maior segurança de crédito.
"Tivemos sempre a preocupação de explicar que o nosso foco era consumo e, no consumo, empréstimo consignado e veículos. A inadimplência do consignado é próxima de zero. A de veículos também é muito baixa (pouco mais de 3%). Por causa da crise, multinacionais passaram a buscar recursos no mercado brasileiro pela primeira vez e o BB é muito competitivo. Em resumo, tivemos um misto de clientes novos e, dos clientes tradicionais, um foco nas linhas de menor risco", explica Ivan Monteiro.
Um dado interessante vale como alerta para o mercado brasileiro de crédito, conservador por natureza e, claro, também por ineficiências estruturais: na visão do BB, a nova safra de crédito está sendo contratada com um nível de risco menor que o anterior à crise. A explicação está nos fundamentos da economia, que está crescendo de forma acelerada, gerando emprego e renda como, num clima de muito otimismo. Diante disso, o banco apostou na queda de inadimplência, uma tendência comprovada pelos números computados pelo BC. "A componente inadimplência é extremamente importante na taxa final dos empréstimos", observa Marcos Moreira.
"No fundo, o que estamos fazendo é preparar o banco para uma taxa de juros muito menor. Esta é que tem que ser a preocupação dos gestores dos bancos neste momento. Temos que trabalhar com a ideia de que o Brasil vai buscar cada vez mais taxas menores", diz Ivan Monteiro.
Oficina de reparos: superávit em vez de déficit
Na semana passada, esta coluna afirmou que o banco Credit Suisse, que tem uma das equipes de analistas mais afiadas do mercado, prevê déficit comercial de US$ 16,2 bilhões para este ano. Não é verdade. A projeção é de um superávit de US$ 9 bilhões em 2010. Os US$ 16 bilhões refletem, na verdade, a deterioração esperada do saldo entre 2009 e 2010.
*Cristiano Romero é repórter especial do Jornal Valor Econômico.
Fonte: Valor Econômic / Cristiano Romero