Em evento organizado pelo CNDH, o francês Jean-Marc Berthon ouviu a realidade do Brasil, falou sobre a luta na França e defendeu parcerias internacionais

A cooperação mútua entre entidades brasileiras e francesas que defendem a população LGBTQIA+ foi tema principal da visita do embaixador na Organização das Nações Unidas (ONU) para Direitos das Pessoas LGBTQIA+, Jean-Marc Berthon.

O encontro, promovido pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), foi realizado na sede da CUT em São Paulo, nesta terça-feira (16). Após a saudação da presidenta do CNDH, Marina Bermamm, explicando a atuação do Conselho ao embaixador, representantes de entidades que fazem parte do CNDH expuseram os principais e mais urgentes pontos da luta dessa população.

Problemas como o aumento da violência, intolerância e ódio disseminado pelas redes sociais por perfis ultraconservadores, a inserção de pessoas trans no mercado de trabalho e atuação de característica fascista do Brasil em nível nacional e internacional no que se refere à causa durante o governo Bolsonaro, fizeram parte das falas dos convidados (veja abaixo.)

Ao final do encontro, Berthon afirmou que a parceria entre os países para ações de defesa da população LGBTQIA+ é um tema fundamental e que após o governo passado as relações entre o Brasil e seu país natal, a França, foram retomadas. Ele chegou a afirmar que o presidente Emanuel Macrón e ministros pretendem vir ao Brasil.

Após a exposição dos vários temas pelos convidados, o embaixador explicou que são problemas comuns aos países, ou seja, também enfrentados na França, apesar de algumas diferenças originadas nas particularidades culturais e jurídicas dos países.

“Há muitos pontos em comum entre os países, mas há diferenças. A luta contra o ódio conta com avanços jurídicos na França, mas ódio, nos dois países é igual. No Brasil há uma polarização que não existe na França”, citou Berthon.

O embaixador ainda falou sobre ações na França, de combate à LGBTfobia e de acolhimento, que podem servir de exemplo no Brasil, como uma legislação que protege jovens de investidas como forçar essas pessoas a ‘terapias de conversão’, popularmente chamada de cura gay, pelos extremistas. “Como se fosse uma doença”, disse o embaixador.

“Creio que basta que haja uma decisão favorável na Suprema Corte do Brasil, para que se torne jurisprudência”, disse. (Conheça mais ações de proteção a LGBTQIA+ na França, abaixo.)

Resposta positiva ao objetivo do encontro, Berthon afirmou que a troca de experiências, via organizações e via diplomacia oficial, são caminhos que reforçam a luta por direitos das pessoas LGBTQIA+, inclusive em âmbito mundial.

“Podemos e devemos usar a cooperação internacional para permitir que os direitos avancem. A França tem voz em países, como os Bálcãs, que querem integrar a União Europeia. Já o Brasil tem voz forte na África e no Oriente Médio, e isso pode ser benéfico para se obter direitos”, afirmou o embaixador.

Em vários países africanos, do Oriente Médio e nos Bálcãs (região composta por Albânia, Grécia, parte da Turquia na Europa, Romênia, Bulgária), a homossexualidade é criminalizada. Em alguns países até mesmo com castigos, surras públicas, castração química e pena de morte, caso do Irã, Líbia, Nigéria, Emirados Árabes, entre outros.

CNDH

Marina Bermamm ressaltou a importância do avanço da cooperação internacional entre os países, além da importância da participação da sociedade civil na pauta LGBTQIA+.

“Acreditamos que essa cooperação internacional deve ser construída também com diálogo a partir com a sociedade civil.  É uma pauta transversal porque passa também pela defesa da democracia, pelo acesso à terra, ao território e também a uma vida em um ambiente livre de assédio, preconceito e violência”, disse Marina.

O CNDH está preparando um documento sobre o tema, com todas as experiências e demandas relatadas, que será entregue à Embaixada da França.

Violência

Membro da Comissão Permanente de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres, da População LGBTQIA+ do CNDH e da liga LGBTQIA+, Gleison Oliveira relatou que o Conselho recebe variadas denúncias envolvendo a população e atua de maneira incisiva para proteger e defender os direitos humanos.

“Pela 14ª vez o Brasil foi o país que mais mata um de nós, apaga um de nós, com requintes de crueldade. As coisas [no Brasil] não estão boas, mas estão melhorando. Passamos quatro anos com medo, com a população LGBTQIA+ marcada e ameaçada diariamente pelo próprio presidente”, disse Gleison.

Ele, claramente, se referiu ao governo de Jair Bolsonaro (PL), período em que não somente essa população, mas os demais segmentos vulnerabilizados sofreram com o aumento do discurso de ódio e suas consequências, como a violência e a deterioração de políticas públicas relacionadas.

Gleison ainda reforçou que o CNDH também recebe denúncias de casos como transfobia e homicídios de pessoas trans brasileiras em países europeus e, por isso, destacou a importância da interlocução com o embaixador.

LGBTQIA+ na CUT

A recém criação de uma secretaria especial para o tema foi enaltecida por Valmir Siqueira, o professor Val, que desde a realização do 14º Congresso Nacional da CUT (Concut), em 2023, foi nomeado secretário nacional LGBTQIA+ da Central.

Ao embaixador da ONU, Val afirmou que o trabalho agora, na CUT, é de ampliação da representatividade e luta coma criação de secretarias estaduais e mais coletivos LGBTQIA+.

“A CUT, em sua história, participa do movimento LGBTQIA+, trabalhando com formação e informação dos dirigentes. Já fizemos vários cursos e outras ações como o Almanaque LGBTQIA+. Nossa luta é para que tenhamos um reconhecimento do trabalho da comunidade. Não existe legislação que nos contemple”, disse o dirigente, referindo-se a direitos trabalhistas aos quais essa população não tem acesso, como a extensão de planos de saúde a cônjuges, entre vários outros.

Valmir Siqueira ainda ressaltou que a CUT luta pela criminalização da LGBTfobia em todos os seus aspectos, não somente na violência.

Projetos

O dirigente da CUT falou também sobre o projeto Pride, desenvolvido pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) com apoio da CUT, que presta assistência, formação e acolhimento a pessoas trans. “Temos dificuldade de dar o passo adiante que é arrumar o emprego para essas pessoas”, afirmou.

As pessoas trans, em especial mulheres trans, são as que mais sofrem com o preconceito e a discriminação no mercado de trabalho.

Derrotar o fascismo

“Falamos que derrotamos o Bolsonaro, mas não derrotamos o bolsonarismo”, lembrou Anderson Pirota, dirigente do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região e membro do Conselho Estadual dos Direitos da População LGBT de São Paulo.

“O ódio utiliza terreno fértil onde nossa população sofre ‘intoxicação’ que vem das redes”, afirmou o dirigente, em referência ao discurso de intolerância e ódio, propagado pela extrema direita, que resulta em aumento de violência contra LGBTQIA+. Sobre este ponto, o secretário de Economia Solidária da CUT, membro do CNDH e anfitrião do evento, Admirson Ferro Medeiros, o Greg, ressaltou a importância de se regularem as plataformas de mídia no Brasil.

Pirota ressaltou também o papel que a pauta LGBTQIA+ tem nas relações de trabalho um ponto importante de luta. “Nos cabe lembrar que nossa cidadania só estará completa quando nossa carteira [de trabalho] estiver assinada. É fundamental ter política de emprego para essa população. Podemos ter a lei que for, mas será completa quando houver ação de emprego e renda”, disse.

Ele trouxe ao encontro a experiência de luta da categoria bancária, que tem em sua Convenção Coletiva de Trabalho cláusulas específicas, entre elas a coparticipação no plano de saúde, uso do nome social no crachá e canais corporativos. “Mas isso não foi de graça. Fomos organizar os trabalhadores, o que não foi fácil porque muitos já estão aliciados pelo que o patrão diz. Coube a nós buscar uma retórica que dialogasse com esses trabalhadores”, disse Pirota.

Pessoas trans em foco

Fabian Algarte, coordenador nacional da Área de Homens Trans e Transmasculinidades na Aliança Nacional LGBTI+, disse ao embaixador que o conselho tem feito um levantamento estatístico junto ao IBGE sobre as pessoas trans. “Temos feito esse trabalho para tirar da invisibilidade essa população, e uma das maiores dificuldades é a falta de dados sobre quantos somos e onde estamos”, disse.

Os dados, ele explica, ajudam a mapear as principais violências, apontar as demandas e construir soluções. Além de direitos, empregabilidade, uma delas, ele disse, é em relação à saúde.

“A garantia para poder existir na máquina da saúde. Não temos só questões específicas. Somos sujeitos de direito. E temos direito de usar todo o Sistema Único de Saúde, inclusive no que diz respeito à saúde integral. Isso é uma prioridade”, afirmou Fabian.

Sobre o trabalho do Conselho, ele afirmou que ‘é um trabalho para se levar muito para frente’, referindo-se à elaboração de ações. “Estamos em construção de vários projetos e de vários processos, acolhendo não só as denúncias pessoais, mas dos coletivos regionais, locais, municipais e dialogando com as ações internacionais de direitos da população LGBT”, pontou Fabian.

Ele ainda citou importantes ações a serem realizadas no futuro próximo no Brasil, como a 4ª Conferência dos Direitos LGBTQIA+, em 2025.

No campo

Com 40 anos de história, o MST tem em sua trajetória a luta pela terra, pela reforma agrária. Há cerca de 10 anos, o movimento criou um coletivo específico LGBQTIA+ a partir do princípio de que essa população também faz parte da construção de justiça social no campo.

“Não dá pra fazer a luta pela terra com preconceito. Nesses 40 anos do MST, somos o coletivo mais novo, com 10 anos de existência. Esse espaço tem sido ferramenta de trabalho, com estudos, escutas de histórias e para pensar qual nosso direito dentro desse campo que a gente planta o alimento livre de agro, mas ainda tem relação humanas adoecidas”, disse Flavia Tereza, integrante do coletivo.

Jovens e crianças

Entre as mazelas sofridas pela população LGBTQIA+, uma é impactante porque atinge crianças e jovens. A rejeição na família e em ambientes sociais, como a escola, tem consequências graves. Trata-se de um segmento propenso ao abandono, e essas pessoas precisam de acolhimento.

Estudo feito pela Fiocruz aponta que crianças e adolescentes LGBTQIA+ têm entre duas e sete vezes mais probabilidade de ter pensamentos suicidas, bem como tentam mais suicídios que seus pessoas heterossexuais da mesma faixa etária.

“A vulnerabilidade do grupo LGBTQIA+ pode ser explicada pela exclusão social, violação dos direitos humanos, solidão e diversas violências (psicológica, moral, física) a que está submetido”, destaca o estudo.

Colaboração mútua

Jorge Moura, representante do Conselho Estadual de São Paulo de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe), falou sobre as dificuldades de reconhecimento das demandas da população LGBTQIA+ pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e ressaltou que o encontro foi uma oportunidade para dar visibilidade à luta pelo segmento.

Ações na França

Berthon trouxe ao conhecimento do CNDH e entidades que participaram do encontro outras ações desenvolvidas nas França.

Uma delas é a formação de agentes públicos das forças de segurança do país. Tal medida combate a violência praticada pelo Estado contra essa população. E, segundo o embaixador, deverá se estender a outros setores como a saúde pública.

Ele falou também sobre experiências positivas privadas, mas com apoio do poder público, de acolhimento como o Refugeé, presente em 10 cidades francesas, que ajuda o público jovem de 15 a 30 anos, além de migrantes estrangeiros em situação de vulnerabilidade.

FontePortal da CUT.