Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) sobre o perfil do movimento sindical brasileiro questiona se os sindicatos estão preparados para a discutir uma regulação trabalhista mais baseada em contratos, ampliando o papel da negociação coletiva. Segundo o pesquisador e sociólogo André Gambier Campos, “há milhares de sindicatos no Brasil, mas muitos deles com parcas condições de promover novas formas de regulação do trabalho”.

O autor traça um histórico da estrutura sindical desde a sua origem, nos anos 1930, que sobreviveu a Estados mais autoritários e a diferentes contextos políticos, atravessando “tempos difíceis” na década de 1990 e superando desequilíbrios no período recente, quando “os sindicatos foram capazes de promover um crescente número de greves e chegar a acordos importantes na negociação coletiva, o que resultou em uma melhora significativa no bem-estar dos trabalhadores”. Mas ele questiona se essa estrutura pode “continuar a incrementar o bem-estar” agora, em um cenário de aumento da informalidade e do desemprego e redução dos salários.

“Além disso, há um crescente debate sobre o papel da negociação coletiva na regulamentação do trabalho no país”, escreve Campos. “Essa regulamentação tem sido marcadamente legislativa desde 1930. No entanto, no debate atual, há diversas ideias para promover uma regulação mais contratual, em que os sindicatos deveriam desempenhar papéis cruciais”, observa o pesquisador.

Ele lista 16.491 organizações reconhecidas no país, sendo 15.892 sindicatos, 549 federações, 43 confederações e sete centrais sindicais – destas últimas, a CGTB não é mais reconhecida formalmente, conforme a lei de 2008 que incluiu as centrais na estrutura sindical brasileira. São 11.240 entidades de trabalhadores, sendo 10.817 sindicatos, e 5.251 de empregadores.

Dos quase 11 mil sindicatos de trabalhadores, 7.896 (73,8%) estão em áreas urbanas e 2.831 (26,2%) são rurais. Daquele total, 43,4% representam trabalhadores do setor privado e metade (50,1%) tem base restrita a um município. Essa questão é considerada “fundamental” pelo autor do estudo: “Não menos que 80,4% dos sindicatos têm sua base em um município ou em um pequeno número de municípios. Portanto, a maioria dos sindicatos tem uma base local e restrita, o que é uma evidência de seus possíveis limites em representar e defender os trabalhadores”.

Ele também chama a atenção para o que classifica como “baixa” ou “mediana” densidade dessas bases, referindo-se à taxa de sindicalização, de 16,2%, o equivalente a 17,3 milhões de trabalhadores associados a alguma entidade.  “Mas esta porcentagem é apenas uma média, com vários sindicatos muito abaixo deste nível, o que provavelmente resulta em problemas na representação e na defesa dos trabalhadores, mais uma vez.” A média nacional é de 9.908 trabalhadores e 1.603 associados por sindicato.

Monopólio

Ao considerar problemas de organização e de ação, o autor fala na importância de “transformar a estrutura como um todo, alterando alguns dos seus aspectos históricos, a fim de obter sindicatos mais representativos e atuantes”. Entre essas possíveis mudanças, cita modificação das modalidades de custeio dos sindicatos, questiona o princípio da unicidade (uma só entidade por base territorial) e o “monopólio” de negociação. “Na verdade, não parece fazer qualquer sentido evitar que outras entidades agregadas (como as centrais sindicais) tenham mandato para negociar acordos coletivos mais amplos e robustos”, afirma o pesquisador do Ipea.

Campos avalia que outra mudança importante ocorreria por meio da organização nos locais de trabalho. “Historicamente, este é um assunto polêmico no Brasil, especialmente em meio aos empregadores, porém, é um tema crucial para o debate, pois ele pode favorecer a negociação de acordos coletivos mais detalhados e adaptados às demandas dos trabalhadores nas empresas.”

Ele também cita a ratificação e/ou regulamentação de convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) como forma de transformar a estrutura sindical. Cita, ente outros, a Convenção 87, sobre liberdade de associação e organização coletiva, que é vista com reserva por parte do sindicalismo brasileiro. “É relevante salientar que esta convenção não deve ser debatida sozinha, porque só é possível essa liberdade de associação e organização quando uma extensa variedade de direitos e garantias são assegurados, e alguns deles são definidos em outros documentos da OIT, como as Convenções nos 98 (direito de sindicalização e negociação coletiva), 135 (proteção a representantes dos trabalhadores), 141 (organização do trabalhador rural) e 151 (sindicalização e relações do trabalho na administração pública), por exemplo”, pondera, lembrando ainda que qualquer discussão “sobre a regulação do trabalho (legislada ou contratual) produzir qualquer resultado concreto e positivo, depende-se da existência de sindicatos representativos e atuantes”.

Fonte: Rede Brasil Atual