JOSEPH STIGLITZ: A maioria das previsões é que o crescimento em 2011 será mais fraco que em 2010.
Tem havido problemas com previsões?
STIGLITZ: Sempre houve. Parte do problema é que a maioria aqui é desproporcionalmente (representante) de multinacionais. Vivemos num mundo dividido, onde uma parte vai muito bem e outra vai mal. As pessoas estão se sentindo bem porque estavam muito doentes antes.
A economia mundial não está melhor?
STIGLITZ: Saiu da UTI e está agora na sala de recuperação.
Há uma mudança global, com emergentes crescendo muito mais que os ricos. Como o senhor vê a evolução disso?
STIGLITZ: Para mim, é o que há de mais estimulante. Há um novo equilíbrio do poder geopolítico, que é também fonte de incerteza e inquietação. O G-7 (grupo dos sete países mais ricos) inspirava certo conforto. Sentia-se que, em caso de problema, ele poderia ser resolvido, e os EUA exercitariam sua influência e liderança. Agora, há muito pouca confiança na liderança dos EUA.
A China não quer assumir essa liderança?
STIGLITZ: O modelo americano se mostrou falho. A influência política das instituições financeiras ainda é muito grande, e isso reduz a confiança na democracia. Acho que o respeito pelo modelo americano diminuiu.
O fato de Brasil, Índia e China estarem obtendo uma maior parte do bolo não é bom?
STIGLITZ: É muito positivo. Vai-se criar um mundo mais estável, mas o sujeito que era o líder – ou o brutamonte, conforme o prisma que se use – não está muito satisfeito (os EUA).
Quem está liderando, então?
STIGLITZ: Ninguém. Talvez seja uma boa coisa não ter líder. Mas há ansiedade por causa disso.
Isso terá impacto na economia mundial?
STIGLITZ: Indiretamente. Está claro que EUA e China estão numa guerra cambial. Não importa de que lado se esteja, não é um conflito saudável.
Mas China e EUA também não têm interesse em trocar tiros, porque um depende do outro. Isso não é positivo?
STIGLITZ: É também um sinal de que não há cooperação. Suas visões do mundo são muito diferentes. Outro exemplo de reação é que o Brasil e outros países adotaram medidas para se proteger (da guerra cambial) e estão criticando fortemente a política monetária americana. Isso não acontecia antes. Agora vocês estão dizendo: vamos comandar nossas economias e não podemos mais contar com vocês (potências) se não levarem em conta as necessidades globais.
A longo prazo, o que isso pode significar para o dólar?
STIGLITZ: Isso vai dar ímpeto para o fim do sistema de reservas dependente do dólar.
Nicolas Sarkozy, que preside o G-20 (grupo das maiores economias do planeta), disse esta semana que o dólar continuará predominante…
STIGLITZ: Líderes políticos têm essa difícil tarefa: é preciso passar de um sistema de moeda única (dólar) para um novo, mas não se quer instabilidade. Num futuro próximo, o dólar continuará predominante, mas estamos no caminho da transição.
A nova presidente do Brasil herdou uma economia superaquecida. Como o senhor vê o risco de inflação no país?
STIGLITZ: As pessoas têm de distinguir as fontes de inflação. Tem inflação importada, por exemplo, devido à alta dos preços de alimentos ou energia. Isso tem de ser levado em consideração, mas não se pode lidar com isso simplesmente através da elevação dos juros. O pobre vai sofrer com o aumento dos preços (dos alimentos). Fazê-lo perder o emprego (como consequência da alta de juros) não vai resolver o problema.
O que fazer com a economia superaquecida?
STIGLITZ: É preciso tratar nas áreas onde ela está aquecida.
O governo está taxando o fluxo de capital.
STIGLITZ: Isso faz sentido.
Como o senhor vê os emergentes a longo prazo? Na China já se fala em bolha imobiliária.
STIGLITZ: Com tanto capital entrando, há risco de bolha. A grande lição da crise é que os mercados não se autocorrijem nem são estáveis. Acho que os emergentes conseguem passar bem por isso, e o Brasil fez um bom trabalho com a estabilização da economia. Mas ainda há desemprego. A questão é como se livrar das áreas superaquecidas e, ao mesmo tempo, expandir a economia onde é necessário. O que vocês devem fazer é pegar o dinheiro (que ganham) com o alto preço das commodities e investir na parte da economia que não está superaquecida e onde há desemprego.
Fonte: O Globo / Deborah Berlinck