Para o engenheiro civil Felipe Ferreira Araújo, diretor da Associação dos Empregados de Furnas (ASEF), uma empresa privada que só visa o lucro atuando no setor de mineração só funcionaria se o país tivesse uma fiscalização de fato, o que não é o caso do Brasil.
A Vale enxerga a manutenção de uma barragem como custo, redução de lucro. Uma estatal enxerga como responsabilidade social. Segundo o engenheiro, no caso da Eletrobras, é o fato de a empresa ser estatal que garante a segurança das barragens. Ele explica que o sistema tem quadro próprio que faz análise de ruptura – uma de suas obrigações legais – bem como plano de segurança, de ação emergencial, de dar alertas, o que não foi feito pela Vale em Brumadinho.
Felipe Araújo, que também é representante de base do Sindicato dos Engenheiros do Rio de Janeiro (SENGE-RJ), alerta ainda para o perigo que representam a diminuição da fiscalização e a concessão de novas autorizações para exploração de minérios sem estudos profundos de impactos ambientais.
“Jair Bolsonaro e seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, querem afrouxar a fiscalização. Imagine, por exemplo, privatizar a Eletrobras que tem 233 barragens e, ainda maiores”.
“O dano que um acidente provocaria seria imensurável pelo volume de água que atingiria uma cidade. Além disso, a água de uma barragem elétrica tem sedimento no fundo que vira lama, com grande potencial de destruição”, afirma o engenheiro de Furnas.
O secretário do Meio Ambiente da CUT, Daniel Gaio, concorda com a avaliação de Felipe de que a privatização é prejudicial ao país e, no caso da Vale, é a grande responsável pela destruição em Brumadinho e Mariana.Ele ressalta que a terceirização de trabalhadores, prática recorrente na iniciativa privada para aumentar os lucros e tirar direitos da classe trabalhadora, faz com que a empresa não tenha controle sobre o que ocorre em suas instalações.
“A Vale não consegue dizer nem o número exato de desaparecidos por conta do número de trabalhadores terceirizados, quanto mais ter controle na prevenção de acidentes”.
O dirigente alerta ainda para o alto número de barragens de mineração que se romperam no país. “Sob o ponto de vista ambiental já alertávamos, antes do rompimento da barragem de Mariana, que não se trata de apenas uma barragem, estamos falando de dezenas de barragens que se rompem por ano”.
Segundo Daniel Gaio, ao longo dos últimos anos, 63 barragens de dimensões bem menores romperam e isso não chegou ao conhecimento da população.
Lógica do capital privado é dividir o risco para garantir lucro de acionistas
O engenheiro de Furnas, Felipe Araújo, questiona ainda o fato da Vale apresentar como defesa o laudo de uma empresa alemã que atestou a segurança da barragem que rompeu. Para ele, essa é a lógica do capital privado, o de dividir o risco, a responsabilidade, para reduzir o risco do acionista, trazendo grande prejuízo à sociedade.
“Quando a empresa terceiriza a responsabilidade da segurança, passa a não ter controle de algo que é absolutamente estratégico. Por mais que as agências reguladoras tenham responsabilidade na fiscalização, elas não podem fiscalizar a todo instante. A empresa tem de ter responsabilidade em suas ações”.
Para o dirigente da ASEF, a Vale deve voltar ao controle estatal sob pena de acontecerem novos acidentes.
“Que a Vale é estratégica para a economia ninguém discorda, mas ela é estratégica para a segurança das pessoas porque ela tem potencial de destruir cidades, destruir vidas”.
Diante desse descontrole na fiscalização das empresas mineradoras, a CUT, segundo Daniel Gaio, está envolvida na luta contra os projetos do código de mineração e renovação que estão sendo apresentados no Congresso.
“Nossa principal agenda é junto com os movimentos sociais, rever o retrocesso ainda maior que a flexibilização do código de mineração, pode trazer, organizando ações e políticas e denunciando à sociedade os danos que esse novo código pode causar”, dia Daniel Gaio.
Veja como foi a privatização da Vale
Além de entregar a empresa para o capital privado por um valor irrisório, o governo FHC aceitou como forma de pagamento para transferir o controle acionário da estatal para empresários “títulos podres”, que nenhum país do mundo aceitava.
Na época, para convencer os deputados e senadores a aprovarem a venda da estatal, o presidente do BNDES, Luiz Carlos Mendonça de Barros, disse que o governo teria ações “golden share” – inventadas pelo governo, que dariam o direito de veto ao governo em decisões da empresa. Mas as tais ações não passaram de uma arapuca na qual os congressistas contrários à venda, caíram.
Anos depois, num programa de entrevistas na TV, Mendonça de Barros admitiu a arapuca armada no Congresso.
Confira:
Felipe Araújo conta que o governo FHC foi um dos que aderiu à onda privatizante da década de 1990, que teve início com a ex-primeira ministra da Inglaterra, Margareth Thatcher, que privatizou os transportes, a água, gás e energia. Hoje, os ingleses pedem a reestatização porque a experiência falhou em todos os sentidos. Os serviços não estão sendo prestados com qualidade e as tarifas estão caras.
“Privatizar a Vale foi um erro e Bolsonaro repetirá o erro se privatizar tudo, como seu governo quer”.
“Precisamos combater essa ideologia de privatização a todo custo porque a gente sabe que não vai dar certo, vai dar problema, pelas experiências em outros países do mundo”, diz o engenheiro.