Mais de 17 mil magistrados e quase 13 mil procuradores do Ministério Público Federal recebem auxílio-moradia desde setembro de 2014, segundo reportagem do site Contas Abertas. Entre os juízes, muitos têm imóvel próprio na cidade em que trabalham, alguns têm mais de um imóvel registrado em seu nome, como mostraram reportagens do jornal Folha de S. Paulo na semana passada.

Entre os beneficiados com imóvel próprio está o juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba, que tem um apartamento de mais de 250m2 bem perto do tribunal onde trabalha. Tem também o juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, cuja esposa também recebe o auxílio-moradia, apesar de resolução do CNJ proibir a remuneração a casais que morem sob o mesmo teto.

Em São Paulo, dos 2.275 juízes que atuam na Justiça estadual, federal, do trabalho e militar na cidade, 680 recebem R$ 4.378 mensais de auxílio-moradia. Deste total, 43% têm ao menos um imóvel no município e 215 têm mais de uma propriedade registradas em seu nome.

O recordista, segundo levantamento realizado neste domingo (4) pelo jornal Folha de S. Paulo, é o desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, José Antonio de Paula Santos Neto, que possui 60 imóveis e recebe o benefício. Suas propriedades estão distribuídas em bairros valorizadas da capital, como Bela Vista, Perdizes e Pacaembu.

À reportagem da Folha, o juiz, que tem salário de R$ 30.471,11, disse que considera inadequado o recebimento do auxílio-moradia, mas justificou a prática alegando que os demais juízes que têm imóveis próprios também recebem o benefício. Além disso, ele também alegou que o recebimento da verba é uma forma encontrada para driblar a falta de reajuste nos salários dos juízes.

É a mesma desculpa usada por Moro e Bretas, entre outros. Mas mesmo juízes beneficiários consideram o benefício “imoral e antiético”. Esse é o caso do juiz Celso Fernando Karsburg, do Tribunal Regional do Trabalho da 4.ª Região, que, segundo o Contas Abertas, abriu mão do benefício de R$ 4,4 mil mensais por considerar o pagamento “imoral” e “antiético”. Depois dele, que publicou artigo em um jornal regional no início de outubro explicando seu ponto de vista, outros dois desembargadores gaúchos também negaram o auxílio.

Não é o que pensa o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), que em 2014 concedeu liminar favorável à extensão do benefício a toda a categoria. Para ele, receber auxílio-moradia não é condenável. Mais de dois anos e meio depois, decisões liminares – provisórias – de Fux já custaram aproximadamente R$ 4,5 bilhões aos cofres públicos.

Entre os quase 18 mil membros do Judiciário que desfrutam do benefício, que é isento de imposto de renda, está a filha de Fux, a desembargadora Marianna Fux, da Justiça Federal do Rio de Janeiro, proprietária de dois apartamentos no Leblon, na zona sul carioca, um dos metros quadrados mais caros do Brasil.

92% dos brasileiros ganham menos do que o valor do auxílio-moradia dos juízes

O valor máximo do benefício é de R$ 4.377,73, número que supera o salário de 92% da população brasileira, tendo como referência o ano de 2018, segundo levantamento do Brasil de Fato.

Para Rafael Custódio, da ONG Conectas, a disparidade social brasileira deve ser levada em conta neste debate sobre o auxílio-moradia do Judiciário. “O Brasil é um país notoriamente desigual. Dentro dessa desigualdade, há um déficit habitacional histórico. O auxílio-moradia se trata de desvio de dinheiro público, que poderia estar sendo aplicado em política habitacional, mas a casta judicial resolve pegar um quinhão do orçamento público para o próprio benefício”, diz.