Em relação ao mesmo mês de 2015, variação do estoque de crédito teve queda de 8,9% no comércio
A retração de 8,3% no volume de concessões de crédito nos primeiros oito meses deste ano, após recuo de 3,6% em 2015, mostra que a recuperação da economia será mais demorada do que sugere o otimismo da mídia. A pesquisa trimestral de condições de crédito divulgada em setembro pelo Banco Central anuncia um acúmulo de dificuldades. As concessões para pessoas jurídicas recuaram 13,9% e o crédito direcionado, que abrange financiamento imobiliário e apoio a investimentos, caiu 21,1%.
Rafael Cagnin, economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), sustenta que a contração é ainda maior quando considerado apenas o financiamento a investimentos, que vem basicamente dos lucros retidos e de operações junto ao BNDES. No ano passado, o banco desembolsou 136 bilhões de reais, 28% a menos do que no ano anterior. No primeiro semestre de 2016, o total foi de 40 bilhões, 42% menor do que no mesmo período de 2015.
Empresas de todos os setores enfrentam dificuldades no fluxo de caixa. “Menos por falta de liquidez do que por aversão a riscos, os bancos fecharam a porta com força”, protesta Fábio Pina, economista da Fecomercio. Quem passa pela peneira paga juros calculados pelo Bacen em 33%, na média. Principalmente para as pequenas e médias empresas, diz Pina, o custo do capital de giro aproxima-se daquele do crédito ao consumidor.
O estrangulamento é sistêmico e atinge todos os setores. Hiroyuki Sato, diretor-executivo de Assuntos Tributários, Relações Trabalhistas e Financiamentos da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), estima que financiamentos de curto prazo para o setor de bens de capital custem entre 30% e 50%.
Uma sondagem da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica apontou que 45% das empresas do setor buscaram esse tipo de crédito em agosto, mas 42% tiveram dificuldade em obtê-lo.
No setor de serviços, a situação não é melhor. “Com vendas 30% menores, recorremos cada vez mais a financiamentos de curto prazo. Temos faturas vencidas há um ano ainda não quitadas”, conta Francisco Camargo, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Software.
As restrições de crédito dificultam ainda mais a recuperação. “Para as pequenas e médias indústrias investirem em tecnologia, precisamos financiá-las. É o momento de maior necessidade de crédito”, diz.
A queda do consumo e o maior risco de falência das empresas aumentam as exigências para aprovação do crédito e elevam as taxas de juro. Segundo dados da Boa Vista SCPC, a demanda de crédito dos consumidores diminuiu 6,2% nos 12 meses anteriores a setembro.
No BNDES, o número de consultas caiu 31% em junho deste ano, em comparação ao mesmo mês em 2015. “O rigor dos bancos na concessão de crédito atingiu também os repasses do banco público. Em máquinas e equipamentos, a demanda caiu porque as instituições financeiras aumentaram as exigências de garantias”, destaca Sato, da Abimaq.
O crédito imobiliário do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) caiu 46% entre janeiro e agosto. No mesmo período, o saldo de depósitos na caderneta de poupança diminuiu 40%. “O FGTS foi o que segurou alguma liquidez para o crédito direcionado. Em 2012, representava um terço do volume do SBPE, mas hoje equivale aos da caderneta de poupança”, calcula José Carlos Martins, presidente da Câmara Brasileira da Indústria de Construção (CBIC).
Nos 12 meses anteriores a agosto, os financiamentos com recursos de caderneta de poupança estacionaram em 50 bilhões de reais. “A preocupação é de que o FGTS sofre duplamente com o desemprego, nos depósitos e nos saques”, chama a atenção Luiz Fernando Moura, diretor da Associação Brasileira das Incorporadoras (Abrainc).
Na segunda-feira 10, a Caixa Econômica Federal divulgou a disponibilidade de 34 bilhões de reais para financiamento imobiliário até o fim do ano, com elevação da oferta total para 93 bilhões neste ano. O vice-presidente de Habitação da Caixa, Nelson Antônio de Souza, reconhece, entretanto, que o desafio agora é encontrar demanda.
Segundo Moura, da Abrainc, não há tempo nem viabilidade para usar os recursos adicionais neste ano. “Crédito não é só disponibilidade, é condição. As taxas são muito elevadas para financiamento de longo prazo, não há confiança em relação ao emprego e a expectativa de manter a renda.
A inadimplência das empresas é superior à das pessoas físicas, destaca Flávio Calife, economista da Boa Vista. No crédito ao consumidor, a retomada da demanda depende basicamente do mercado de trabalho. Entre as pessoas jurídicas, as concessões estão muito atreladas à expectativa de receita.
“Muito se discute sobre a oferta de financiamento, mas a grande pergunta é que demanda teremos”, reforça Nicolas Tingas, economista da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi). “Não são apenas os agentes financeiros que buscam identificar os bons tomadores. Muitos profissionais da indústria de bens especulam sobre os segmentos de clientes mais propensos a gastar ou investir.”
Focar nos nichos com apetite de crédito para minimizar a retração do setor é uma estratégia da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). Após a queda acumulada de 17% no ano, o setor de máquinas agrícolas teve crescimento de 22% em setembro.
“A recuperação dos preços das commodities deu fôlego a esse segmento e nossa preocupação é que o programa Moderfrota, do BNDES, voltado para agricultores, se esgote antes do fim do ano”, diz Antônio Megale, presidente da entidade. Em abril, o Moderforta atingiu 4 bilhões de reais, acima da previsão inicial de 3,7 bilhões. Outro potencial de recuperação está nas vendas externas, que aumentaram 13% em setembro, em comparação ao mesmo mês do ano passado.
Essa oportunidade implica, entretanto, maior demanda das linhas de financiamento à exportação. Outro pleito refere-se às dificuldades de capital de giro na cadeia de suprimento. “É nossa grande preocupação. Discutimos com a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil linhas de apoio aos fornecedores”, destaca Megale.
“Há setores em que a crise conjuntural implica rupturas nas cadeias industriais. A pressão por rever contratos e reajustar margens coloca em xeque relações estáveis”, alerta Cagnin, do Iedi. Além da deterioração das condições de crédito, ajustes açodados agravam a crise de liquidez na indústria.
Entre os complicadores, o economista destaca a redução do crédito do Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras, o Reintegra, de 1% no ano passado para 0,1%.
Um dos pleitos da Abimaq, destaca Hiroyuki Sato, é o refinanciamento de débitos tributários. “Sem um programa de recuperação fiscal para regularizar a situação do contribuinte, permaneceremos em um ciclo vicioso que aprofunda a queda de produção e emprego”, argumenta.
Além das restrições que deterioram a capacidade industrial, a mão pesada da política monetária bate com força nos preços dos bens comercializáveis, que concentram o ônus do controle inflacionário no setor produtivo.