“(…) Não transformem a casa do meu Pai num mercado” (Jesus, na Bíblia, em João, 2, 16) – Nossa geração está perdida: precisamos agora corrigir os rumos da história para salvar a próxima. Como nossos netos estudarão nosso tempo? Como a pior vergonha da história; a que nada soube fazer para proteger o Cerrado, o Pantanal, a Amazônia[1]; a que não deu conta de cuidar dos pobres durante a pandemia da COVID-19; a que fracassou e levou a civilização ao caos.

 E onde estavam as instituições a proteger o Brasil? Vendendo(-se) na frente do “Templo do Senhor”[2].

 O Supremo Tribunal Federal (STF) mostrou mais uma vez que não serve para nada que seja útil ao povo brasileiro, no entanto, o servir ao Mercado, à economia, aos ricos. São os vendilhões do Templo – de hoje em dia.

 Essa semana (1º/10/2020) sagrou-se a vergonha entreguista (não-garantista) da Corte Superior: autorizar a venda das refinarias da Petrobras, a maior empresa – patrimônio do povo – brasileira, sem que para isso se exija a autorização do Congresso Nacional. Isto é, uma pessoa apenas do Governo Federal (o Paulo Guedes, o Bolsonaro, ou qualquer um que esteja na função deles, no futuro) poderá decidir – sozinho – se as maiores riquezas nacionais da Petrobras poderão – ou não – ser entregues aos empresários estrangeiros (tipo Shell, Texaco etc.). A decisão é de uma “cabeça” e não dos representantes formais do povo. Isso é um crime de lesa pátria cometido, caramba!, pelo Poder Judiciário, que deveria defender a sociedade e não traí-la.

Saibamos (a injustiça). Mais de 70% dos alimentos que comemos são produzidos pela Agricultura Familiar. Isto é, pequenas propriedades de gente pobre que, unidas, colocam comida na mesa de aproximadamente 150 milhões de pessoas. E é comida de verdade; não um monte de agrotóxico a nos envenenar.

O chamado Agronegócio praticamente não gera comida para nós, e a irrisória quantidade de alimento é cheia de veneno (câncer e outras doenças). O que produz o Agronegócio vai para o estrangeiro. É vendido para outros países. Porém, os grandes recursos do Governo Federal e dos bancos públicos não servem para os pequenos (que, unidos, alimentam os brasileiros), mas quase todos estes bilhões em financiamentos servem para os latifundiários, produtores-destruidores da Natureza, das Águas, os donos da soja, do milho, do feijão e do algodão que irão para o exterior, em sua maioria e que, ao povo mesmo, nada sobrará/servirá, tampouco o dinheiro do lucro.

Para piorar tudo isso, o Agronegócio está acabando com as nossas florestas, e quais decisões o STF tem tomado para proteger o Meio Ambiente: nenhuma. Estes homens do “Agro é Pop”, com apoio do Ministro do Meio Ambiente, do Exército, e dos vários órgãos do Governo, estão “passando a boiada” nas normas, e queimando todos os biomas brasileiros. Os julgamentos na Suprema Corte são uma farsa – para fingir algo bom, e, pelas costas do povo, atender aos interesses desses ricaços.

Estamos no meio da maior pandemia (crise sanitária) já vista por qualquer homem ou mulher viva neste momento no Planeta. O Governo vai acabar com o Auxílio Emergencial de 600 reais. Milhões poderão morrer de fome. (Pense!)

Cadê o Direito Emergente? Cadê a excepcionalidade nos julgamentos, dadas as tragédias? Não existe protocolo institucional quando a catástrofe reveste uma Nação. A excepcionalidade é a regra. Todavia, o Ativismo Judicial no Brasil somente serve às castas podres dos herdeiros da Colonização; jamais ao serviço pátrio; jamais à maioria vulnerabilizada [pelas elites].

A conclusão que chego: nosso STF não passa do Conselho do Sinédrio que julgou Jesus Cristo há dois mil anos atrás. O que se condenava não era um crime; mas a esperança! O que se condenava não era um criminoso; mas uma sociedade – pobre, jogada à sorte – que tinha no Nazareno o simbolismo da ressignificação civilizatória frente à Colonização Romana (o Imperador Tibério governava o mundo naquela época, e mandava na Judéia).

Todavia, Roma permitia o luxo (e luxúria) das altas castas tradicionais da sociedade judaica daquela época. Para isso, a dor, a tortura, o sugar do sangue e do suor do povo hebreu – não tinham limites. Não importava aos Sacerdotes, ao Rei Herodes e aos demais “nobres” palacianos, aos fariseus e todos os ricos da Judeia e da Galileia se o povo era esfoliado, contanto que eles continuassem a comer bem, dormir bem e terem seus privilégios mantidos.

Jesus denunciou as injustiças (embora suas metáforas remetessem ao outro reino, o De Deus). Contrariou as regras (leis injustas). Fez fissura na sociedade de castas ao demonstrar didaticamente que a semântica hipócrita dos doutores da lei aprisionava a mente e os corpos das pessoas de sua época. Entretanto, mexeu com algo que não se podia (pode) mexer: com os privilégios das classes dominantes. Era hora de julgá-lo e tentar depositar no limbo da história qualquer legado que ele, Jseus, pudesse deixar. Sua morte talvez cumprisse esse papel de silenciamento da denúncia.

Um Sinédrio foi convocado de emergência. Contudo, precisava ser na madrugada daquela Páscoa do ano, tipo, zero da humanidade. Na calada da noite, todos entorpecidos pelo sono, resta mais fácil a farsa. Liderado pelo Sumo Sacerdote, José Caifás, que era como (comparando hoje em dia) a soma do Presidente do STF e do Presidente do Congresso Nacional ao mesmo tempo. Este tinha o poder de coordenar a votação das leis e dos julgamentos. O julgamento naquele Conselho seguiu os protocolos, como estes que vemos hoje no uso da técnica e da verborragia como sendo estas a própria dimensão da Justiça, que não o é.

Caifás e aquele Sinédrio (Conselho) eram – são – a grande farsa histórica feita para a manutenção de seus próprios demônios de luxuria e soberba. Todavia, conseguiram, parcialmente o que desejavam. Forjaram ao extremo o evento judicante e, por fórceps, inventando crimes e escondendo “provas”, condenaram Jesus à morte… para morrer também as esperanças do povo que aguardava uma nova ordem social e cultural, além de econômica e estrutural.

Em 2020, o Sinédrio brasileiro é chancelado pelo STF. Suas excelências, a maioria dos ministros da Corte são discípulos dos hipócritas saduceus[3]. E também são os únicos que têm na história da humanidade o orgulho de seguirem a cartilha de Caifás: a falácia instrumental, capaz de deixar, ao menos num tempo sincrônico, tudo exatamente igual – para o bem dos poderosos. Lamentável!

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[1] Vide o desastre ambiental (ecocídio) que acontece no Oeste da Bahia, na saída de Brasília pela BR 020, indo ali para o município de Luís Eduardo Magalhães (LEM), Barreiras etc. Tudo está virando um grande deserto. Se você passar de carro por esta Rodovia, chega a andar por 100, 200 km consecutivos sem enxergar uma árvore de pé. E por azar nosso, é ali nas entre-chapadas Diamantina e dos Veadeiros (esta última em Goiás) que temos o chamado “berço das águas” (as principais nascentes dos maiores rios do Brasil). Dúvidas: faça sua própria pesquisa na internet.

Vide as chamas na Amazônia e Pantanal, destruindo tudo. Não é fruto do Clima, mas do Crime dos produtores de monocultura para exportação – com chancela dos poderosos.

[2] Analogia para pensar como se compartam as Instituições da República.

[2] Uma espécie de agremiação, como um partido político, uma escola de pensamento, um segmento da sociedade da época.

Outros grupos, ou formação de sociedades eram os zelotes (que defendiam a luta armada contra Roma), e os fariseus (que primavam pelo cumprimento da Lei – Pentateuco – como pureza extrema, ou puritanismo).

Fonte: Brasil 247 / Marconi Moura de Lima*

(*) Professor, escritor. Graduado em Letras pela Universidade de Brasília (UnB) e Pós-graduado em Direito Público pela Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus. Foi Secretário de Educação e Cultura em Cidade Ocidental. Leciona no curso de Agroecologia na Universidade Estadual de Goiás (UEG), e teima discutir questões de um novo arranjo civilizatório brasileiro.