Realizado pela Anapar nos dias 27 e 28 de maio, com o tema “A previdência complementar e a retomada do crescimento”, o encontro reforçou o papel da entidade como representante dos interesses dos trabalhadores com fundos de pensão e planos de saúde de autogestão
O 22º Congresso Nacional dos Participantes de Fundos de Pensão e de Beneficiários de Planos de Saúde de Autogestão, realizado pela Anapar nos dias 27 e 28 de maio, com o tema “A previdência complementar e a retomada do crescimento”, contou com a audiência de cerca de 350 pessoas nos dois dias, que reforçaram o papel da entidade como representante dos interesses dos trabalhadores com fundos de pensão e planos de saúde de autogestão.
O primeiro debate do Congresso, que celebrou os 20 anos da Anapar, trouxe como tema os impactos da pandemia na previdência complementar no Brasil e no mundo, com Cláudia Ricaldoni e Xander den Uyl, integrante do fundo de pensão holandês ABP voltado para funcionários públicos, que reúne 2,9 milhões de participantes e beneficiários, com 3,9 mil empregados e patrimônio de 505 bilhões de euros.
Xander falou da preocupação ambiental e de direitos humanos nos investimentos, e a pressão dos participantes do fundo em relação ao isso, citando como exemplo que não há mais interesse em investimentos em energia fóssil e uma grande preocupação com a Amazon, em função de denúncias trabalhistas. Em relação aos impactos da pandemia, a ABP diversificou os investimentos tanto em termos geográficos como em termos de duração, já que um fundo de pensão tem a vantagem de ser um investidor de longo prazo. Há acompanhamento dos setores mais impactados para redirecionar os investimentos e, neste momento, com a pandemia, a indústria e o setor energético têm sido uns dos mais afetados, de acordo com ele – o objetivo é aplicar os ativos em empresas que sobreviverão à crise tão fortes ou até mais fortes do que antes.
Cláudia Ricaldoni, diretora da Anapar e integrante do Conselho Deliberativo da Forluz, falou sobre os investimentos de longo prazo e os impactos da crise econômica nos fundos de pensão. Ela também criticou a política econômica neoliberal do governo Bolsonaro. “O que vimos depois de 2015 foi a crise política, que alimentou a crise econômica. A situação foi se agravando e muitas entidades não fizeram o ‘dever de casa’. Passamos a viver uma crise econômica no País, inclusive com a criminalização de dirigentes”, disse. “Não estou dizendo que não possa ter havido desvio, mas o que aconteceu foi a criminalização de um modelo de investimento, deixando os gestores em pânico. Então, a opção dos gestores foi comprar títulos públicos ainda que não remunerasse de forma adequada os planos, mas isso estamos falando desde antes da crise”, explicou.
Segundo ela, a forma encontrada pelas patrocinadoras se defenderem com o agravamento da crise foi transferir o ônus para os participantes, inclusive sem respeitar contratos. Para ela, a crise que vinha em 2015 foi potencializada com a pandemia e o desemprego, o que fez com que as patrocinadoras tivessem dificuldades em honrar os compromissos com as fundações, sendo que muitas começaram a utilizar saldos não resgatados para pagamento de contribuição normal.
Soluções para retomada da economia – O sociólogo e ex-diretor técnico do Dieese Clemente Ganz, convidado para falar sobre “Empregos para a retomada da economia brasileira”, comentou os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na própria quinta-feira, 27. Ele estima que cerca de 11 a 12 milhões de brasileiros não estão procurando efetivamente uma oportunidade de trabalho. “Isso significa que nós temos um desemprego oculto na economia e que provavelmente essa taxa de desemprego deve estar se aproximando de 25%. É a maior taxa de desemprego da nossa história”, explicou.
Um dos lados perversos da pandemia foi o aumento da informalidade, pois o posto de trabalho formal simplesmente deixou de existir. As pessoas que eram ocupadas na economia formal foram para desocupação e a inatividade. “É o pior resultado possível e significa a nossa falência econômica”, disse o sociólogo.
A falta de medidas econômicas para micro e pequenas empresas também é uma preocupação grande para a economia brasileira. Ganz falou que as empresas estão fechando e muitas delas nem chegaram a comunicar o seu encerramento. Segundo o sociólogo, isso traz consequências irrecuperáveis do ponto de vista econômico.
O economista e ex-presidente da Petros Henrique Jäger também participou do debate no 22º Congresso da Anapar, falando sobre “Investimentos para a retomada da economia brasileira”. Jäger destacou que durante a pandemia vários países adotaram medidas de proteção ao emprego e que o Brasil foi na contramão, adotando medidas de flexibilização e de precarização das relações de trabalho.
Um dos principais objetivos do presidente Bolsonaro e do ministro da Economia, Paulo Guedes, é privatizar o máximo de empresas públicas possível. No entanto, existe uma necessidade urgente que o governo apresente um plano de retomada da economia. Para Jäger, o governo tem uma incapacidade de formulação e de dialogar com médio e longo prazo. “A não ser com o discurso de que a dinâmica vai ser dada pela iniciativa privada e temos que privatizar.”
Saúde de autogestão – A sindicalista Maria Auxiliadora Godói, representante da CUT Nacional na Câmara de Saúde Suplementar, e o advogado José Luiz Toro, consultor jurídico da União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde (Unidas), trataram sobre representatividade dos trabalhadores e necessidade de tratamento diferenciado para as autogestões, no último debate do primeiro dia do congresso.
Maria Aparecida Godói relatou as mesmas dificuldades que os trabalhadores enfrentam em fóruns como o Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC), por exemplo. Na Câmara de Saúde Suplementar (CAMSS), os trabalhadores estão representados por três centrais sindicais. A instância é composta por, além das centrais, 17 entidades da sociedade civil, três ministérios, Ministério Público Federal, seis entidades ligadas à saúde suplementar, quatro de defesa do consumidor e duas entidades que representam pessoas com deficiência e outras patologias.
Maria Aparecida, ligada ao SindSaúde/SP, lamentou que a participação dos trabalhadores seja cada vez mais restrita, destacando o decreto presidencial que extinguiu ou reformulou 700 conselhos ou fóruns de controle social. Na Câmara de Saúde Suplementar, os problemas mais comuns para os trabalhadores são que as questões não são discutidas, são apenas trazidas para aprovação, e que há intervenção de grupos econômicos nas decisões. Além disso, segundo ela, questões técnicas não são discutidas com os trabalhadores.
Um exemplo sintomático de como os trabalhadores não são levados em consideração: as centrais sindicais fizeram levantamento dos maiores problemas enfrentados por eles durante o último ano, na área da saúde, em relação à pandemia, e nenhum dos temas foi tratado no âmbito da Câmara. A Anapar, que trabalha para ter assento na CAMSS, para representar os beneficiários de planos de saúde de autogestão, têm larga experiência de resistir a este tratamento dado aos trabalhadores, pois não é diferente do que ocorre nos embates travados no CNPC. Nossas propostas apresentadas em abril de 2020 para minimizar os impactos da pandemia nos fundos de pensão e na vida dos participantes também não foram levadas adiante pelo colegiado. No entanto, o posicionamento dos trabalhadores é resistir e marcar posição sempre, conforme destacou Maria Aparecida Godói.
José Luiz Toro, da Unidas, defendeu garantias econômico-financeiras diferenciadas para as autogestões em saúde, que são entidades sem fins lucrativos, além de revisão do conceito de autogestão e tratamento legal diferenciado. O advogado defendeu ainda a possibilidade de ampliação do grau de parentesco por afinidade, a regulamentação do conceito de grupo econômico para a formação de patrocinadores ou mantenedores, a possibilidade de autogestão constituída por associações e a prorrogação do prazo da CGPAR 23.
Toro afirmou que, apesar de a Anapar e a Unidas terem pontos divergentes, há pontos convergentes importantes que as duas entidades defendem e que poderiam unir forças para defender os interesses comuns dos usuários e dos instituidores. Ele apoiou, também um encontro entre as entidades do Grupo de Saúde coordenado pela Anapar e a Unidas, que deve ser viabilizado em breve.
Desafios de representatividade e o futuro – No segundo dia de debates do 22º Congresso Nacional dos Participantes de Fundos de Pensão e dos Beneficiários dos Planos de Saúde de Autogestão, representantes da Anapar abordaram os desafios postos pelos fundos de pensão, bem como de seu potencial para uma futura retomada do crescimento econômico.
Antonio Bráulio de Carvalho, presidente da entidade, destacou como os fundos de pensão foram peças fundamentais – “como indutor do processo de desenvolvimento do País” – no financiamento de obras de infraestrutura que dinamizaram a economia brasileira, inclusive do ponto de vista da geração de empregos. “Este está ligado que tipo de Estado queremos construir. E como nós podemos contribuir para isso”, afirmou.
Este papel, entretanto, se encontra em risco. Segundo Carvalho, há um processo que “tenta eliminar a participação dos trabalhadores” na gestão dos fundos, o que limita a possibilidade de que opções de investimento de longo prazo se viabilizem. O presidente da Anapar destacou também o processo de iniciativas legislativas que tentam, em tese, harmonizar a regulação dos fundos com a chamada Reforma da Previdência, aprovada em 2019.
“Não há nenhuma harmonização para beneficiar os fundos de pensão, mas sim as entidades abertas [previdência privada comercial], para transferir os recursos dos participantes. Quando falam em harmonização, não se pensa que benefício terá o participante [dos fundos]”, afirmou. Sem o enfoque no direito dos participantes dos fundos, defende Carvalho, não há possibilidade de crescimento econômico combinado com desenvolvimento social.
Marcel Barros, vice-presidente da Anapar e representante dos participantes e assistidos no Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC), ressaltou os desafios políticos que cercam a defesa dos direitos dos participantes.
“Nós recebemos um legado. Se a gente existe direito a descanso semanal remunerado, isso foi fruto de lutas de muitas pessoas. Isso não cai do céu. o preço da paz é a eterna vigilância”, iniciou Barros, que apontou que há uma ofensiva contra os direitos de participantes que, muitas vezes, se dá de forma velada.
Enquanto os objetivos do governo e das direções de empresas são explicitados – enfraquecer os fundos de pensão – a forma como isto vem sendo feita nem sempre é clara, nem seus objetivos. Um exemplo dado por Barros foi uma portaria que, entre outras coisas, alterava o mecanismo de cálculo de benefícios dos fundos.
“Fala-se abertamente em tirar patrocínio dos programas de Previdência. Uma das coisas que [a portaria] dizia que não devia mais constar nos regulamentos é o índice de correção. Mas o benefício será corroído, se não houver correção”, explicou. O objetivo, assim, de enfraquecer os fundos é principalmente fortalecer os planos privados.
“Passa por muito mais do que uma simples mobilização, mas entender o que está acontecendo, quais são os interesses implícitos. Quem é que nos ataca? Não tenham dúvidas que os grandes portais [de comunicação] defendem certos interesses”, defendeu, ao lembrar da cobertura jornalística que ataca as direções de fundos de pensão e preserva as entidades ligadas a bancos privados.
O advogado João Paulo de Souza, representante dos participantes e assistidos na Câmara de Recursos da Previdência Complementar (CRPC), falou sobre processo administrativo sancionador e ato regular de gestão, apresentando as competências da Previc, CNPC e CRPC, conceituando ato regular de gestão e destacando que não são atos regular de gestão, dever de diligência, hipóteses de atos regulares de gestão e processo administrativo sancionador.
Ele deu como exemplo, para esclarecer o que significa um ato regular de gestão, um investimento que não performa como o esperado, se o gestor tiver seguido todos os trâmites da governança, não pode ser entendido como um ato de má gestão, mas que em muitos casos tem sido entendido como tal. Mais uma vez ficou evidenciado a dificuldade de os participantes estarem sempre em minoria nos órgãos de normatização e controle.
O 22º Congresso Nacional dos Participantes de Fundos de Pensão e dos Beneficiários de Planos de Saúde de Autogestão teve o patrocínio da Associação dos Eletricitários Aposentados e Pensionistas da Cemig e Subsidiárias (Aea-MG), da Afubesp, da Anfip, da Contraf-CUT, da Cooperfort, da Fenapas, da Fenae, da Real Grandeza, do Sindicato dos Bancários de Brasília e do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região
*Com Reconta Aí
Fonte: Anapar