"Iniciou a contagem regressiva para o fim do reinado do sistema financeiro sobre os governos", afirma o professor João Antonio Felício, secretário de Relações Internacionais da Central Única dos Trabalhadores (CUT), em entrevista ao Portal do Mundo do Trabalho em que sublinha o papel dos movimentos sindical e social para esta tomada de consciência, que desemboca em mobilizações.
Nesta entrevista, João Felício fala sobre o papel desempenhado no último período pela Confederação Sindical Internacional (CSI) e pela Confederação Sindical dos Trabalhadores e Trabalhadoras das Américas (CSA), avalia o êxito das mobilizações no Primeiro de Maio e se solidariza com as recentes medidas de nacionalização do patrimônio público adotadas por Bolívia e Argentina.
Confira a íntegra da entrevista:
Não é de hoje que o movimento sindical denuncia a política de arrocho fiscal, também chamada por alguns de "austericídio", por mesclar austeridade e genocídio. Qual a saída?
O equívoco e o descaminho destas políticas neoliberais vêm sendo denunciados desde o início pela CSI, pela CSA e por outras organizações sindicais, antes mesmo de estourar a crise. O fato é que o socorro dado ao sistema financeiro estrangulou os estados nacionais. Infelizmente esta é a situação da Europa, que perpassa as eleições e volta à baila agora no pleito da França.
A porta da entrada da crise está no controle fiscal, no corte de recursos estratégicos do Orçamento para satisfazer os interesses do sistema financeiro e dos especuladores, no assalto ao Estado público para a ganância da agiotagem. A saída da crise não se resolve com uma falsa austeridade, que só vale para os trabalhadores e para os pobres, enquanto se traduz em farta generosidade para os 1% mais ricos, como denunciou novamente o "Ocupar o Wall Strett" no 1º de Maio dos Estados Unidos. Na Europa, os neoliberais estão aproveitando a crise para fazer a reforma trabalhista, como na Espanha, onde retiram direitos e o poder dos Sindicatos, a fim de reduzir a resistência popular, torná-la inócua. Felizmente, no Brasil e na quase totalidade da América Latina vamos por um caminho oposto.
De que forma as reduções recentes das taxas de juros e o próprio pronunciamento da presidenta Dilma em relação aos abusos do sistema financeiro privado contribuem para esta estratégia nacional-desenvolvimentista?
Se existe uma unanimidade mundial é a condenação aos abusos do sistema financeiro, a consciência de que há necessidade de diminuir o poder dos bancos sobre os governos. Podemos dizer que estamos em contagem regressiva para o reinado do sistema financeiro. Para isso, muito tem contribuído a ação dos movimentos sindical e social, que sempre alertaram contra os descaminhos dessa política. Nesse sentido, vale destacar o acerto do governo brasileiro em fazer o enfrentamento.
Reivindicamos há muito tempo que os bancos públicos deveriam ser utilizados como instrumento de fomento à produção, de desenvolvimento, de crescimento econômico. Sem dúvida a redução dos juros pelo Banco do Brasil e pela Caixa Econômica Federal é a melhor notícia que tivemos nos últimos anos. Este é um desejo mundial. A população acordou para a necessidade de medidas que coíbam os abusos a que temos sido submetidos para beneficiar meia dúzia de especuladores. Até por isso esta agenda fará parte do debate do C-20 dos ministros de Trabalho que acontecerá nos próximos dias 16 e 17 em Guadalajara, no México.
Embora o governo brasileiro tenha reduzido os juros, a taxa permanece ainda como a mais alta do mundo e convivemos com um absurdo superávit primário, que nada mais é do que uma reserva de recursos públicos do Orçamento para os bancos. Qual a proposta da CUT?
Defendemos a redução do superávit primário e a manutenção dos investimentos públicos, que avaliamos como estratégicos para o fortalecimento do mercado interno, cada vez mais fundamental para reduzir os impactos negativos da crise dos países capitalistas centrais. Para avaliar a importância da redução dos juros, basta ver que mesmo uma pequena diminuição já foi suficiente para provocar a elevação do dólar internamente, cujo patamar estava inviabilizando a indústria brasileira ao estimular as importações e, consequentemente, aumentar a desindustrialização e o desemprego.
Agora, defendemos como um dos pontos chaves para elevar a competitividade da indústria brasileira a inovação tecnológica, que dialoga com a nossa proposta de maiores investimentos em educação, ciência e tecnologia nacional. Também é preciso um controle de tarifas para proteger o produto nacional, e portanto o salário e o emprego, quando este perder a competitividade. É preciso fortalecer o protagonismo do Estado, seu caráter indutor do desenvolvimento e da justiça social.
Em vez disso, os neoliberais sucatearam o patrimônio público, privatizaram, arrocharam salários e acabaram com o emprego…
Sabidamente os processos de privatização foram fraudulentos e corruptos. Quem já leu o livro a Privataria Tucana sabe que o Brasil de FHC e a Argentina de Menem foram dilapidados. Que empresas históricas foram entregues ao capital privado nacional e internacional com métodos pouco recomendáveis por gente que enriqueceu da noite para o dia.
O que está ocorrendo agora na Argentina e na Bolívia, com a recuperação do patrimônio nacional e a forte presença do Estado na economia é uma resposta aos desmandos que ocorreram. Vejo com perplexidade que o governo espanhol questione as medidas soberanas adotadas, pois nada mais são do que uma legítima retomada do que lhes foi roubado.
Nós, como classe trabalhadora, defendemos os direitos de todos os trabalhadores, brasileiros, argentinos, bolivianos ou espanhóis, em qualquer conflito com o capital. Já demonstramos isso inúmeras vezes ao defender os direitos dos trabalhadores da Petrobrás, de qualquer nacionalidade, seja na Bolívia ou em Angola. Afinal, como disse o velho Marx, "a classe operária é internacional".
Antecipando-se às comemorações do 1º de Maio, a CUT-SP e a CUT Nacional realizaram um Seminário Internacional na capital paulista. Como foi?
Acredito que ao anteciparmos as comemorações do Dia do Trabalhador com uma atividade internacional, fortalecemos o nível de organização e consciência da classe. Nos anos anteriores o tema central foi a América Latina e a África, agora foram os BRICs. É uma iniciativa que investe no aumento da compreensão de que é preciso construir relações solidárias e complementares entre nossos países e povos. O formato do 1º de Maio em São Paulo envolveu política, cultura e gastronomia, ampliando o leque, envolvendo a sociedade.
É uma ideia que precisa ser aperfeiçoada, mas que está no caminho correto. Num dia de protesto, somamos atividades de cultura e lazer, e elevamos a voz em defesa da redução dos juros e da jornada de trabalho, em favor do desenvolvimento sustentável, com distribuição de renda e valorização do trabalho.
Qual sua avaliação do 2º Congresso da Confederação Sindical dos Trabalhadores e Trabalhadoras das Américas (CSA), realizado recentemente em Foz do Iguaçu?
Foi um dos melhores congressos internacionais que participei, muito bem organizado e com um rico processo de preparação, que ajudou enormemente para oxigenar o debate político com seminários regionais que envolveram o conjunto das entidades filiadas. Por isso tivemos resoluções adequadas, avançadas e progressistas, que expressam o sentimento e a compreensão da base, seja em relação à necessidade da democratização da comunicação e da garantia da liberdade de expressão, com o enfrentamento à ditadura da mídia, ou à necessidade da reforma agrária e do fortalecimento da agricultura familiar, para por fim à imensa concentração fundiária. Resultado deste amadurecimento político, a CUT também avançou na sua representação dentro da CSA.
O companheiro Rafael Freire permanece no Secretariado, que foi reeleito por ter demonstrado ao longo dos últimos quatro anos muita unidade e solidariedade, consensuando posições e dirimindo divergências. Além disso, conquistamos dois cargos no Conselho, que passam a ser ocupados pelo companheiro Artur Henrique e por mim.
Fonte: Leonardo Severo – CUT