O médico sanitarista Gonzalo Vecina defendeu a importância do fortalecimento do SUS e dos investimentos em ciência e tecnologia
O Encontro Nacional de Saúde do Banco do Brasil, realizado neste sábado, 27 de novembro, começou a debater os projetos e saúde no Brasil, o Sistema Único de Saúde e seu papel durante a pandemia da Covid-19 e o enfretamento do movimento sindical aos ataques do governo federal aos planos de saúde dos trabalhadores de estatais, como a Casso, dos funcionários do Banco do Brasil.
O médico sanitarista Gonzalo Vecina Neto, fundador da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e professor da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP) abriu os debates no painel “O SUS na pandemia e os desafios da saúde pública e suplementar pós-pandemia’.
Gonçalo alertou que não é possível falar em “fim da pandemia”, mas que estamos no meio da crise sanitária. E criticou a prioridade dada no mundo à economia dos mercados.
“A bolsa cai, o dólar sobe e toda atenção é dada aos mercados no mundo. Desse jeito não vamos sair dessa crise. É preciso distribuir vacina para o mundo. Os países mais ricos precisam ajudar na vacinação dos países mais pobres. O mundo está todo conectado, não dá para falar da África do Sul e não falar em nosso país isoladamente”, disse citando a nova cepa que atinge o país africano e os riscos dela se espalhar no planeta.
“Tomara que essa nova cepa não seja resistente as vacinas”, acrescenta. O especialista criticou o fato de, no Brasil, durante a pandemia, empresários terem comprado vacinas para serem imunizados, furando a fila do calendário de imunização do SUS.
“Temos 600 mil mortos e achamos que estamos no fim. Se der moleza vamos ter mais 600 mil mortos, caso haja uma variante resistente às vacinas”, alertou.
Atenção primária
Gonzalo disse que falta um projeto unificado do SUS, da iniciativa privada e dos sistemas públicos de estados, municípios e do governo federal. Destacou ainda a importância da valorização da medicina preventiva.
“Há uma diferença entre curar e cuidar. Nós temos desprezado o cuidar. As pessoas chegam a unidade de saúde e querem ser ouvidas. É preciso estabelecer a assistência primária, que segundo o médico, começou a ser desmontada pelo então ministro da Saúde do Governo Bolsonaro, Luiz Henrique Mandetta. A Atenção Primária à Saúde (APS) é o primeiro nível de atenção em saúde e se caracteriza por um conjunto de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo, que abrange a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação, a redução de danos e a manutenção da saúde com o objetivo de desenvolver uma atenção integral que impacte positivamente na situação de saúde das coletividades.
Falhas na pandemia
Gonzalo disse que, durante o pico da crise da Covid-19 no Brasil, muitas mortes foram causadas não pelo vírus, mas por falhas no sistema de saúde. “Não tem cabimento ter o que temos. Uma parte das mortes não ocorreu por causa do vírus, mas por causa de uma medicina porca que temos, como a falta de oxigênio. UPA não foi feita para atender estes casos, morreu muita gente porque não tínhamos UTI e pessoas em estados graves foram tratadas em lugar que não foi feito para estes casos, como é o caso das UPAs”, disse.
Destacou a importância da conscientização de o tratamento preventivo estar relacionado à rotina de vida das pessoas, como criar uma agenda para atividade física.
“Cliente é um nome ruim, é preciso chamar de cidadão e entender que é ele que vai construir responsabilidade pela sua própria saúde”, declarou. Alertou ainda para a falta de investimentos no sistema público de saúde.
“Falta dinheiro no SUS. Em 2019 foram gastos R$4 mil per capita no setor privado e no SUS, R$1.200. O SUS é fantástico, de onde veio a vacinação, segurança alimentar com a vigilância sanitária e 95% dos transplantes são feitas pelo SUS. Todos temos que lutar pelo sistema único. Os planos privados precisam ser uma discussão da diferença sobre ter sofisticação ou não, mas não de ter o acesso à saúde”, explica.
Encerrou sua participação destacando a importância do investimento em ciência e tecnologia. “Numa crise sanitária como essa, ficamos dependendo de importar da China medicamentos, insumo e vacinas. O Butatã, a Fiocruz e indústrias privadas têm condições de produzir vacinas, mas é preciso uma política pública para isso”, conclui o sanitarista.
A médica Lígia Bahia, pesquisadora em saúde pública e professora do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da UFRJ, também afirmou que a pandemia está longe de ser vencida.
“Não estamos num pós-pandemia, mas sim numa crise sanitária ainda aberta no mundo. A China declarou as vacinas que produz como bem público, mas esta expectativa de que teríamos um mundo mais solidário não se confirmou”, disse.
A professora considera haver também “uma certa arrogância da ciência” destacando que não se pode desprezar os movimentos negacionistas de direita.
“Vimos o que aconteceu na eleição do Chile, um país com movimentos populares muito fortes e deu no que deu no primeiro turno”, declarou referindo-se a vitória da extrema direita.
“No Brasil em 2022 não vai ser céu de brigadeiro. Há um grupo de direita que se fortaleceu no mundo inteiro na pandemia”, acrescenta.
Lígia disse que a chamada globalização não pode ocorrer à custa de vidas e que é preciso haver uma regulação da fuga de capitais e criticou investimentos públicos no setor privado. .
“Houve um grande aporte de dinheiro para saúde em 2020, mas a rede pública não se fortaleceu, foram comprados leitos privados. Há interesses privados nesta partilha do dinheiro público”, criticou, ressaltando que a discussão hoje é de “qual tipo de plano privado ter” e não o de como assistir os brasileiros que dependem exclusivamente do SUS.
“Não queremos fazer tantos transplantes de rins, mas tratar antes como prevenção”, afirma, criticando o dinheiro para o setor privado realizar o procedimento que praticamente hoje é feito pelo SUS.
“O Brasil mata pessoas de suicídio, muitos casos por péssimas condições de trabalho, assédio moral”, alerta para a necessidade de o país rever as políticas da saúde no trabalho. A OMS (Organização Mundial de Saúde) alerta que o suicídio é a terceira maior causa de mortes de jovens de 15 a 29 anos, no Brasil.
Criticou ainda a falta de uma política ambiental que debata os efeitos da poluição e do uso indiscriminados de agrotóxicos para a saúde dos brasileiros.
“Há cânceres que são resultantes de exposição à poluição ambiental e aos agrotóxicos. Estas empresas não estão preocupadas com a saúde das pessoas. Os planos privados não ofereceram sequer testes da covid, que é extremamente barato”, afirma.
Destacou a guinada nos países desenvolvidos que estão vendo a importância no investimento de um sistema público de saúde após a experiência da pandemia.
“A Inglaterra tem o Boris Jonhson, mas aprovou lei de financiamento progressivo do sistema público de de saúde. O presidente dos EUA, Joe Biden fala em implementar uma política pública de saúde, ninguém está falando em privatizar no mundo e no Brasil um editorial na Folha de São Paulo disse que temos de ter mais planos de saúde privado. É como a história da Maria Antonieta, o povo não tem pão deem brioche. Vê se na Alemanha, na Inglaterra tem isso?”, criticou.
Sequelas da Covid-19
A presidenta da Contraf-CUT (Confederação dos Trabalhadores do Ramo Financeiro) Juvandia Moreira demonstrou, na abertura do encontro, uma preocupação com as sequelas da Covid-19 na categoria.
“Temos visto vários bancários que têm reclamado de problemas de saúde com as sequelas da covid. Na pesquisa que realizamos, quase 79% dos bancários dizem ter sofrido alguma sequela do vírus. Precisamos depois desta pesquisa negociar banco a banco e perguntarmos o que será feito em relação aos impactos das sequelas na rotina de trabalho, temos que acompanhar esta situação”, disse.
A sindicalista disse que a Contraf-CUT está negociando com a Fenaban sobre os cuidados necessários em relação ao retorno ao trabalho presencial de pessoas com comorbidade, que mesmo tendo sido vacinado precisam de cuidados.
Fonte: Seeb-RJ