O brasileiro sempre foi um devedor nato, hereditário e, não raro, inadimplente. Temos todos os cacoetes e comportamentos típicos de devedor. Assim, a nossa recente condição de credor potencial do FMI (Fundo Monetário Internacional) causou certo espanto. No início, ninguém acreditou. Eu mesmo, confesso, ainda não me acostumei muito com a ideia.

Mesmo assim, já circulo aqui pelo Fundo com ares de grande potência.

Um dos grandes temas da reunião de primavera do FMI, que terminou no fim de semana passado aqui em Washington, foi justamente a mobilização de recursos para o Fundo.

Havia certa ansiedade em extrair compromissos específicos de países do G20, notadamente dos Brics (Brasil, Rússia, Índia e China). Como sempre, as velhas potências tentaram passar o trator. Queriam que definíssemos imediatamente valores e modalidades. Os Brics se reuniram à parte e combinaram de proceder com cautela, começando por um exame das condições financeiras e outros aspectos da contribuição ao financiamento do Fundo.

O Brasil já havia dado um primeiro passo antes da reunião de primavera, quando anunciou a sua concordância em participar do Plano de Transações Financeiras (PTF) do FMI. China, Índia e Rússia já participavam desse plano. O PTF é o mecanismo básico por meio do qual o Fundo financia os seus empréstimos. Os participantes do plano se dispõem a fornecer dólares e outras moedas de liquidez internacional até o limite da sua cota no FMI, obtendo em troca ativos líquidos emitidos pelo Fundo.

Agora, o que se discute é a forma que tomará uma contribuição adicional do Brasil e de outros países ao Fundo, isto é, adicional às suas cotas no organismo. Na cúpula do G20 em Londres, concordou-se que era necessário aumentar em US$ 500 bilhões os recursos do FMI em comparação com os níveis anteriores à crise. O Brasil, a China, a Rússia e a Índia indicaram que aceitavam participar desse esforço.

A questão passou a ser como e em que medida cada país faria a sua contribuição. Na reunião de primavera, os Brics adotaram um posicionamento semelhante. No seu pronunciamento, o ministro Guido Mantega estabeleceu alguns princípios que devem pautar a mobilização de recursos para o Fundo (a íntegra do discurso está na página do Ministério da Fazenda, www.fazenda.gov.br).

Por exemplo, a mobilização deve ter caráter temporário, de forma a não solapar a próxima revisão geral de cotas, a ser concluída em janeiro de 2011. É nessa revisão geral que se poderá alcançar realinhamento substancial das cotas e aumentar o poder decisório dos países em desenvolvimento no FMI. Empréstimos de prazo muito longo ou arranjos permanentes podem servir de pretexto para adiar o aumento das cotas.

Outro aspecto importante: as contribuições devem continuar a fazer parte das reservas internacionais do país, como no PTF. Ou seja, o Fundo deve fornecer em troca um ativo líquido, imediatamente conversível em moeda de liquidez internacional.

O Brasil também pode preferir destinar parte dos seus recursos aos mais pobres, contribuindo para os mecanismos do FMI que financiam empréstimos concessionais a países de baixa renda.

Em resumo, a contribuição brasileira será negociada com cuidado, sem precipitações. O Brasil é um credor novato, mas não quer ser levado de roldão.

Artigo de Paulo Nogueira Batista Jr., diretor-executivo no FMI, representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago). pnbjr@attglobal.net

Fonte: Folha de São Paulo

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