O LEITOR conhece, acredito, a minha "marcação" com a turma da bufunfa. A implicância não é nada gratuita. A crise atual mostra, de maneira escandalosamente clara, o potencial destrutivo dos bufunfeiros em escala global.
Aqui no FMI, desde outubro, passamos grande parte do tempo tentando recolher os cacos e destroços da devastação produzida por esse pessoal.
A crise é de uma violência espantosa. Poucos foram capazes de antecipar a sua intensidade e seu alcance. Mas estava claro, havia bastante tempo, que a hipertrofia do sistema financeiro constituía um dos grandes problemas da economia brasileira e internacional. Nas décadas recentes, aumentou muito o peso dos bancos e de outras instituições financeiras. Os fluxos financeiros, especialmente internacionais, cresceram exponencialmente. A dimensão financeira da atividade econômica adquiriu proporções gigantescas.
Cresceu, também, o poder político da turma da bufunfa. Dizia Nelson Rodrigues: "Dinheiro compra tudo -até amor verdadeiro". Governos, parlamentares, tribunais, mídia, universidades, economistas etc. -todos sofreram, em maior ou menor grau, a influência avassaladora dos bufunfeiros.
Em termos doutrinários, a bufunfa tem forte inclinação pelo "fundamentalismo de mercado", isto é, pela visão de que os agentes privados devem operar livremente com pouca ou nenhuma interferência do Estado. Só se admite a intervenção estatal em momentos de crise, para salvar os bufunfeiros dos próprios abusos e excessos. Aí a palavra de ordem passa a ser: socialização dos prejuízos. As dívidas públicas nos países mais afetados pela crise estão aumentando rapidamente como consequência, por um lado, dos imensos pacotes de resgate do sistema financeiro, e, por outro, dos custos fiscais diretos e indiretos da recessão produzida pelo colapso da especulação bufunfeira.
Até a eclosão da crise, prevaleceu a ideia de que a regulação não podia sufocar o dinamismo do mercado e as "inovações financeiras". As políticas financeiras dos principais países foram extraordinariamente omissas. Houve uma "chocante abdicação de responsabilidade", escreveu o megaespeculador George Soros, em livro publicado no ano passado.
Hoje, há certo consenso (pelo menos aparente) de que a regulação precisa ser reforçada e ampliada, de que deve haver mais supervisão dos fluxos internacionais e da atuação de bancos e outras instituições em diferentes mercados e países. Em retrospecto, percebe-se que a "inovação financeira" tem muito de artificial.
Proliferaram operações complexas, pouco transparentes, que os reguladores não conseguiam acompanhar. O benefício dessas operações para o financiamento da produção e do investimento é questionável.
Não raro, a chamada inovação financeira é um artifício para contornar a regulação governamental.
E o potencial de instabilidade do sistema superou as expectativas.
Apesar disso tudo e da dimensão da crise, a turma da bufunfa continua poderosa. Está se fingindo de morta, esperando a tempestade passar. Nos bastidores, procura não só ampliar a socialização dos prejuízos como obstruir qualquer tentativa de mudar de forma mais profunda o marco regulatório.
Mas os abusos foram tantos e tão grandes que dificilmente se conseguirá voltar ao "status quo ante". Os bufunfeiros terão de ser enquadrados (enjaulados, em alguns casos) e reduzidos a uma proporção mais modesta. Os sistemas financeiros que emergirão da crise terão de ser menores, menos sofisticados e submetidos a controles mais rigorosos e abrangentes.
*PAULO NOGUEIRA BATISTA JR., 53, é diretor-executivo no FMI, representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago).
Fonte: Folha de São Paulo / Paulo Nogueira Batista Jr.