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Valor Econômico Quase 30 anos depois de sua fundação, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) terá, pela primeira vez em sua história, um presidente bancário. Atual tesoureiro da entidade e ex-caixa do Bradesco, Vagner Freitas, 45 anos, tem apoio da corrente majoritária da central e deve ser eleito presidente no 11 º Congresso Nacional da CUT, de 9 a 13 de julho.

Ex-presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), Freitas vê apenas os bancos públicos cumprindo o papel "de auxiliar o desenvolvimento do Brasil" e promete apertar o cerco contra o setor financeiro. Segue a linha da presidente Dilma Rousseff, eleita pelo PT – partido do qual se diz um "militante crítico" – e cobra dos bancos privados mais financiamento ao crescimento do país e a redução do spread bancário.

Ele defende que o Brasil aproveite o momento econômico para aumentar os direitos dos trabalhadores e quer implantar o contrato nacional para todas as categorias – hoje só os bancários e petroleiros têm o benefício, que garante o mesmo salário e benefícios, independentemente da empresa em que trabalhe. Isso combateria inclusive a guerra fiscal, diz.

Freitas assumirá no lugar de Artur Henrique, que deixa o cargo depois de dois mandatos e seis anos. Ele comandará a maior central sindical do país e a quinta do mundo, com 2,2 mil sindicatos filiados, que representam 38% dos trabalhadores sindicalizados brasileiros. Será o primeiro presidente da entidade eleito após o governo do ex-sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva, fundador da CUT e do PT, e seu mandato coincidirá com o da presidente Dilma Rousseff, que não tem uma relação tão fluida quanto a do antecessor com o movimento sindical.

Em entrevista ao Valor, a primeira depois de lançada sua candidatura, o futuro presidente da CUT faz poucas cobranças ao governo e atribui à central a responsabilidade de movimentar a pauta trabalhista no país. Diz entender que Dilma é pressionada por "forças conservadoras" e que há uma disputa entre os partidos da base aliada por espaço e pela sucessão presidencial. Por isso, afirma, o movimento sindical precisa ir às ruas e dar sustentação ao governo para aprovar mudanças estruturais.

Valor: Confirmada sua eleição, o senhor será o primeiro presidente da CUT que veio do ramo financeiro. O que isso muda para a central?

Vagner Freitas: Ter um bancário como presidente da maior central sindical do Brasil vai enfatizar mais o pensamento de que o setor financeiro tem de ser voltado para o crescimento e desenvolvimento do país, e não para a lucratividade das seis famílias que comandam os bancos brasileiros.

É um debate que mexe com toda a sociedade brasileira. O empresariado deveria se mobilizar e fazer propostas sérias de reforma tributária. Tributa-se muito mais a indústria, que produz, do que o setor financeiro, que faz intermediação de capital. É o setor que mais lucra no Brasil, mas o que menos dá contrapartidas. Esse debate, não tenha dúvida, vem à tona com a nossa eleição.

Valor: O governo tenta reduzir, por meio do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal, o spread bancário (diferença entre o que o banco paga para obter o dinheiro e o que cobra para emprestar). É esse o caminho?

Freitas: Não são só o BB e a CEF que tem que fazer politica pública. Mas são os bancos públicos que estão financiando a produção e o crescimento, enquanto os privados ganham com a rotatividade fácil. Há cada vez mais bancos brasileiros ranqueados como os principais do mundo. O Bradesco e o Itaú ganham outro Bradesco e outro Itaú a cada quatro anos. E qual é a contrapartida disso para o Brasil? O que trouxe de ganho para a população ter o Itaú e o Bradesco entre os 50 maiores do mundo? Isso é importante só para os donos dos bancos.

Valor: Qual a proposta da CUT para mudar isso?

Freitas: Queremos a regulamentação do artigo 192 da Constituição Federal, sobre a atuação dos bancos e setor financeiro no Brasil. Queremos alterá-lo para que o setor financeiro seja voltado para o interesse da sociedade. Só com o BB, a Caixa, BNDES, Banco do Nordeste, o da Amazônia e outros de fomento, o Brasil já teve uma atuação altamente diferente do mercado mundial em 2008, que permitiu passar bem pela crise econômica. Se tivéssemos um setor financeiro todo direcionado para isso, teríamos facilidade para enfrentar a crise e teríamos ainda mais desenvolvimento no país.

Valor: Essa será a principal pauta da central na sua gestão?

Freitas: Já temos um ramo inteirinho na CUT que trata do setor financeiro, então esse não será o único tema da central. O que precisamos é aproveitar o momento econômico do Brasil para obter ganhos e conquistas perenes para a classe trabalhadora. É preciso avançar nos direitos trabalhistas, aprovar no Congresso a redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais sem redução do salário, construir uma nova estrutura sindical e expandir o contrato nacional de trabalho para várias categorias.

Valor: Como é esse contrato?

Freitas: O trabalhador bancário, seja de banco público ou privado, na avenida Paulista – que é o principal centro financeiro do Brasil – ou no interior da Amazônia, tem sempre o mesmo contrato de trabalho, que garante que, se ele é transferido para o interior de São Paulo, vai com a mesma condição e remuneração que teria na capital. É diferente, por exemplo, de setores como a indústria, em que o trabalhador tem que negociar sua remuneração e benefícios em cada montadora e cujas benesses dependem de sindicatos extraordinários, como o dos Metalúrgicos do ABC.

Valor: Mas esse tipo de contrato aumentaria os custos das empresas. Como fazer o setor industrial aceitar o contrato nacional?

Freitas: Além dos bancários, apenas os petroleiros, que trabalham para uma única empresa, a Petrobras, tem contratos nacionais. É claro que isso existe porque também interessa aos banqueiros ter muitas agências e pontos de atendimento em todo o país. É uma lógica diferente da indústria, onde a mão de obra fica concentrada nas montadoras. Mas achamos que é possível construir acordos nacionais respeitando as características de cada segmento.

Isso ajudaria a combater a guerra fiscal que os Estados fazem para atrair montadoras, utilizando como principal ativo, além dos incentivos fiscais, o valor da mão de obra desvalorizada em locais que não sejam os do centro. A indústria pede várias isenções, ajuda do governo. Eles querem os benefícios? Tudo bem, concordamos, mas precisa ter como contrapartida modernizar também a contratação.

Valor: A indústria brasileira enfrenta problemas com as importações e perde espaço no PIB [Produto Interno Bruto]. Dá para exigir contrapartidas agora?

Freitas: A fatia da indústria no PIB diminuiu no mundo todo, não apenas no Brasil. Pela própria característica do capitalismo financeiro, outros setores da economia crescem mais. O desenvolvimento brasileiro não pode ser só de números, avaliado pelo PIB.

Outros países que cresceram e sucatearam seu parque industrial, como Estados Unidos e México, hoje não conseguem ser competitivos porque dependem da volatilidade do capitalismo financeiro. O Brasil não pode ser isso. Entendemos que alguns setores da indústria brasileira estão em crise e que o governo tem que adotar medidas para auxiliá-los, mas queremos discutir as contrapartidas sociais, como o contrato nacional de trabalho.

Valor: O senhor deve ser o primeiro presidente da CUT eleito no pós-Lula. A relação é diferente do que era com a presidente Dilma Rousseff?

Freitas: É a continuidade da gestão. Não poderíamos exigir que a presidente Dilma fizesse um governo idêntico ao do presidente Lula, até pelo carisma dele. Ela vem de outra origem, tem olhar mais técnico. O que mudou é a base de sustentação, que cria mais dificuldades para governar.

O acordo para ter partidos importantes [como aliados] faz com que o governo seja disputado o tempo todo, e a base aliada já olha para sucessão presidencial e apresenta suas candidaturas. É completamente diferente ter, por exemplo, o Zé Alencar de vice e o Michel Temer de vice. A perspectiva política deles é diferente. A presidenta Dilma tem que negociar muito mais para fazer transformações importantes. Nós, da CUT, entendemos isso.

Valor: Mas a relação do sindicalismo com o governo é diferente também. É recorrente a reclamação de que os trabalhadores não são chamados a opinar nos projetos.

Freitas: Para a CUT, independente de quem seja o governante de plantão, o avanço da classe trabalhadora só vem com organização da própria categoria para reivindicar e convencer o empresariado e o governo dos avanços que precisamos ter. A presidenta é pressionada por setores conservadores, que são fortes.

Quando o presidente era o Lula, muitas das demandas sindicais vinham da própria vontade dele. Agora temos que fazer nosso papel, pressionar, organizar movimentos públicos de massa, dar sustentação para a presidenta realizar as mudanças necessárias dentro do projeto para o qual este governo foi eleito.

Valor: Na época do mensalão, a CUT dizia que sairia às ruas para defender o governo Lula. Faria o mesmo por Dilma, se o Congresso reagir à faxina?

Freitas: Não há duvida nenhuma. É muito mais do que defender presidente ou partido político. É defender politica de governo, de Estado, que seja de interesses dos trabalhadores. Fazemos a análise de que esse governo poderia ter realizado bem mais. Entretanto, pelas atuais condições, faz muito mais do que os anteriores. Temos hoje um governo com compromisso com os trabalhadores, mas não é garantido que será assim para sempre. As eleições são de quatro em quatro anos e pode ocorrer a volta do modelo que o Brasil derrotou nas últimas eleições. Não temos saudades do passado. E se, para o passado não voltar, tivermos que sair às ruas, faremos.

Valor: Mas conquistas importantes para a classe trabalhadora, como o fim da inflação, ocorreram no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

Freitas: O fim da inflação foi importante para reduzir o arrocho salarial. Mas, se fosse feita a vontade do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, não haveria nenhum direito social. Ele propôs no Congresso, através do seu partido, a extinção dos direitos da CLT [Consolidação das Leis do Trabalho] e que cada trabalhador negociasse individualmente com seu patrão.

A política econômica do governo Lula também é semelhante, não igual, a do Fernando Henrique. O presidente Lula promoveu investimento no mercado interno e fortaleceu instituições como a Caixa, Petrobras e BB – que teriam sido privatizadas se o eleito em 2002 fosse o [ex-governador de São Paulo pelo PSDB, José] Serra. Se Lula não tivesse sido eleito, a trajetória que apontada era nociva para os trabalhadores.

Valor: De que forma?

Freitas: Aquele governo pregava o neoliberalismo, em que o mercado regula nossas vidas e que é desnecessário o diálogo social. Havia uma deliberada campanha contra a organização sindical e contra a participação da sociedade. Foi um momento em que o movimento sindical ficou acuado. A agenda não era para ter mais direitos, mas para garantir os que já existiam. Hoje vivemos outro período, em que é mais difícil fazer movimento sindical, mas que prefiro: temos que convencer o governo para atender e dar cada vez mais direitos para a classe trabalhadora.

Valor: O PSDB, filiou sindicalistas e quer lançá-los candidatos a vereador em todo o país, como forma de enfrentar as bases do PT e da CUT. Como o senhor vê essa movimentação?

Freitas: O PSDB está montando, na verdade, um braço sindical. O partido nunca se preocupou com trabalhador, isso não é da origem deles. Parte de nós, sindicalistas, formou um partido porque entendíamos que não somos representados pelos partidos tradicionais.

O PSDB quer fazer o contrário. Perceberam que o movimento social tem força para eleger um metalúrgico e depois uma mulher que lutou contra a ditadura. Que os sindicatos podem ir às ruas para impedir o impeachment do presidente Lula quando quiseram derrubá-lo. E que o PSDB cada vez tem menos condição de discutir com a sociedade seu projeto político, que é diferente do modelo que é hoje vitorioso no Brasil.

Eles querem um antídoto para isso, querem controlar o movimento sindical para as pretensões políticas do partido. Mas parece que não sabem que sindicato é espaço do trabalhador, e eles são o patrão.

Valor: No primeiro ano de governo Dilma, não houve reajuste para os servidores públicos devido ao contingenciamento de gastos. Se ocorrer de novo este ano, a CUT vai estimular as greves?

Freitas: Não temos nenhuma concordância com a visão de relacionarem gasto público diretamente com salário de servidor, sempre com a proposta de demitir ou cortar salário. A sociedade brasileira tem que tomar cuidado porque boa parte dessa discussão é estimulada por quem quer privatizar serviços importantes, como educação, saúde e segurança. É o que ocorreu no Chile e na Argentina.

Valor: Mas a CUT vai fazer greve para pressionar o governo?

Freitas: Os professores já estão fazendo greves no país inteiro, por conta do piso nacional de Educação. Não concordamos com qualquer tipo de arrocho salarial do setor público. Investimento é importante, mas não entendemos que o problema seja a folha de pagamento. Queremos valorizar o profissional do setor público, com melhores condições de trabalho e salário, para prestar um melhor serviço para a sociedade, e se for preciso greve para isso, faremos.

Valor: A CUT lançou uma campanha contra o imposto sindical. Logo em seguida, as outras cinco centrais se juntaram para defender o imposto. Isso não acirra a divisão no movimento?

Freitas: A nossa campanha não é contra as outras centrais, e muito menos contra os trabalhadores que elas representam. Há momentos de ter unidade de atuação, como na campanha vitoriosa pela valorização do salário mínimo. Mas vamos defender o formato de organização sindical para a qual a CUT foi criada, com liberdade e autonomia sindical. Queremos debater se a sociedade concorda com mais de 20 mil sindicatos no Brasil, com parcela deles apenas de gaveta. Se não fizermos a discussão, acaba criando um descrédito para todos os sindicatos.

Valor: Sindicatos dentro da própria CUT são favoráveis ao imposto.

Freitas: A sustentação do movimento sindical não pode ser feita por fórmulas que sejam contra a vontade do trabalhador, ou não acabam os sindicatos de gaveta. Fique claro que a CUT defende uma outra forma de contribuição para o lugar do imposto. Nossa proposta é construir uma contribuição em cima do resultado da negociação coletiva ou de confronto jurídico, e que seja do mesmo tamanho, ou até maior, que o imposto sindical, porque sem contribuição os sindicatos não existem.

Valor: As outras centrais reclamam que, quando era para pedir apoio para Dilma na eleição de 2010, a CUT pregou a unidade. Agora, vira as costas para elas. O senhor não teme que a presidente perca apoio para a reeleição?

Freitas: Espero que os companheiros não tenham apoiado a presidenta Dilma só para ter imposto sindical. Se era por esse motivo, nem precisavam [tê-la apoiado], porque o imposto sindical já existia. O que é preciso entender é que, se não tivéssemos divergências, não teríamos fundado a CUT e militaríamos nas outras centrais que já existiam. O interesse de todas as centrais sindicais é o desenvolvimento do país, e nisso concordamos. Mas temos que ter o direito de defender os princípios que criaram a CUT.

Valor: O senhor cita muito o ex-presidente Lula. Falou com ele sobre a eleição?

Freitas: Não falei. O presidente Lula é um ícone para os dirigentes sindicais da minha geração. Sou do Sapopemba [bairro da Zona Leste de São Paulo], e cresci alimentado pelo novo sindicalismo. Ele não tem intervenção direta na CUT, mas, como metalúrgico aposentado e integrante da nossa corrente política na central, espero que ele esteja no nosso Congresso, como delegado a nos apoiar.

Fonte: Raphael Di Cunto – Valor Econômico

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