Crédito: Tuane Eggers – Sul21
Foi sobre esse cenário que cinco pensadores da esquerda conversaram na tarde da quarta-feira (25), durante uma coletiva à imprensa promovida pela agência Carta Maior. O economista Luiz Gonzaga Belluzzo, o alto representante do Brasil no Mercosul e ex-secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores, Samuel Pinheiro Guimarães, o diretor de redação do jornal francês Le Monde Diplomatique, Ignácio Ramonet, o professor de Ciências Econômicas da Universidade de Buenos Aires, Mario Burkún, e o sociólogo Emir Sader fizeram projeções sobre o papel da esquerda no século 21.
Partidos políticos se tornaram gestores da crise, avalia economista argentino
O professor de Ciências Econômicas da Universidade de Buenos Aires e da Universidade de La Matanza, Mario Barkún, avalia que a esquerda tem duas possibilidades no século 21: "Ou provoca uma real transformação na sociedade, ou realiza uma mutação com a sociedade".
Para o economista, é preciso haver uma profunda mudança nos partidos políticos para que se consiga promover uma transformação no sistema capitalista. "Os partidos se tornaram gestores da crise. A transformação passa pelas organizações de base", defende.
Barkún concorda que a situação não está tão agravada nos países emergentes, como Brasil, China, Índia e Rússia, mas ressalta que essas nações ainda não eliminaram os aspectos negativos do capitalismo. "Esses países vivem uma melhora do sistema, mas ainda é um capitalismo que remunera pouco e beneficia os mais ricos", critica.
"A esquerda tradicional não está em condições de propor saídas", opina Ramonet
O diretor de redação do jornal francês Le Monde Diplomatique, Ignácio Ramonet, considera que os grupos políticos tradicionais da esquerda não conseguiram conter a crise financeira na Europa e impor a autoridade do Estado sobre o mercado. Ele lembra que chamada social democracia estava no poder em países como Grécia e Espanha. "Esses governos promoveram profundos ajustes fiscais", critica.
O jornalista questiona o papel da esquerda num contexto de crescentes e violentos avanços do neoliberalismo. "A esquerda tradicional não está em condições de propor saídas. Há pessoas dispostas a lutar e reagir, mas onde está a esquerda para organizá-las?", provoca.
Ramonet não compactua da ideia de que o capitalismo está em crise. "Pelo contrário, está mais forte do que nunca", observa.Para ele, o sistema econômico e financeiro absorve e maneja os estados e governos. "O neoliberalismo deu golpes de Estado na Grécia e na Itália. As grandes empresas públicas de diversos países são atores do capitalismo, operam sem nenhuma preocupação de distribuir renda", comenta.
O jornalista francês avalia que a verdadeira crise é a falta de alternativas por parte da esquerda. "A crise é que não encontramos respostas alternativas à lógica neoliberal", conclui.
"Os governos não enfrentam o sistema bancário", aponta Belluzzo
O economista Luiz Gonzaga Belluzzo aponta que cabe aos governos controlar o sistema bancário e, com isso, dirimir os efeitos da crise financeira. "O centro nervoso do poder é o sistema bancário e financeiro, são os gestores da riqueza coletiva. Não há solução para a crise sem que avance no controle do sistema financeiro", sugere. Para o economista, os governos deveriam ter agido nesse sentido. "Não enfrentam isso, não exercem o direito de estatizar os bancos", critica.
Belluzo se denomina um "reformista radical" e considera que é preciso redimensionar o debate que polariza reformismo e revolução.
"Neoliberalismo aproveita crise para desmontar conquistas", condena embaixador
O alto representante do Brasil no Mercosul e ex-secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores, Samuel Pinheiro Guimarães, também compactua da tese de que o capitalismo não passa por uma crise e se fortalece a cada dia. O embaixador observa que os neoliberais aproveitam a suposta crise para arrancar das sociedades os direitos e garantias sociais conquistados ao longo do tempo.
"O neoliberalismo está aproveitando a crise para dar um passo adiante para desmontar as conquistas históricas da esquerda. O neoliberalismo não está em crise, está partindo para o ataque", avalia.
Para Emir Sader, América Latina se divide entre governos moderados e radicais
O sociólogo Emir Sader explica que há duas correntes de esquerda que governam a maioria dos países da América Latina: os moderados e os radicais. Ele aponta que, em comum, ambos desejam superar o modelo neoliberal e pautam-se por políticas de promoção de investimentos públicos e de prioridade à políticas sociais, não a pacotes de ajuste fiscal.
Dentre os moderados, Emir inclui o Brasil, o Uruguai e a Argentina. De acordo com o sociólogo, os governos desses países "apostam que é possível superar o neoliberalismo sem promover transformações estruturais no capitalismo".
Do outro lado, ele aponta que países como Venezuela, Equador e Bolívia pretendem se constituir como forças anticapitalistas no continente. "Esses governos entendem que sem enfrentar os temas estruturais do capitalismo, como propriedade privada e meios de produção, não conseguirão ultrapassar o modelo neoliberal", observa, acrescentando que esses países buscam construir "uma dinâmica pós-capitalista".
Fonte: Samir Oliveira – Sul21