As contradições ficam mais evidenciadas diante da proximidade de discussão do relatório do deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA), previsto para ser iniciada na próxima semana (foi apresentado na última quinta-feira). E, também, diante das críticas feitas esta semana por técnicos diversos do setor, durante reunião na própria comissão.
Uma delas, a representante do Coletivo Nacional dos Eletricitários Fabíola Lateno Antezona questionou o fato de o que estar sendo debatido ser a privatização em si e não um modelo energético efetivo para o país.
“Nós, do Coletivo, sempre vimos a Eletrobras como uma entidade dentro do modelo do setor elétrico. E as consultas públicas, debates e audiências que estão sendo tratadas aqui terminam mostrando a Eletrobras como sendo o sistema elétrico e ponto. Sabemos que o que está em jogo é bem mais que isso, que temos de debater o modelo de setor elétrico que se quer para o futuro”, criticou.
Fabíola contou que no ano passado, a Consulta Pública 32, do Ministério de Minas e Energia, definiu princípios do novo modelo num processo curto e com pouco espaço para opiniões externas.
“Foram 30 dias o prazo que se teve para definir esse novo modelo, enquanto na década de 1990 a mesma discussão durava anos”, disse. De acordo com a técnica, “tudo o que a gente entende de setor elétrico está sendo mudado”. Segundo ela, o modelo atual prevê universalização, unicidade tarifária e garantia de suprimento.
Fins de subsídios sociais
“O documento (o mais atual do governo sobre o sistema, referente à Consulta Pública) apresenta princípios como eficiência, do ponto de vista da locação do custo; equidade, apontando fim de subsídios no setor elétrico; e sustentabilidade de um marco normativo, como se a energia estivesse sendo tratada apenas do ponto de vista comercial, quando se sabe da importância e necessidade da universalização de energia pública”, afirmou.
“Por tudo o que já vimos e já lemos, o que está sendo feito é uma revisão de cunho ideológico, segundo a qual a energia deixa de ser um suprimento, um serviço, um bem público neste país, para passar a ser mercadoria, passar a atuar no mercado livre”, explicou.
Também o representante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), o engenheiro eletricista e professor da Universidade Federal de Mato Grosso Dorival Gonçalves Júnior disse que não vê como se pensar na privatização da Eletrobras se não se pensar antes na geopolítica. “Vamos ficar diretamente atrelados a algum outro país e isto é muito sério”, alertou.
De acordo com Gonçalves Júnior, a grande questão é saber se o Estado é incompetente para gerir, é menos eficiente ou mais deficiente. “Temos que ver o que está em jogo com a proposta de privatização, pensar em anseios políticos, sociais e econômicos”, frisou.
“Vivemos num país cujas características juntas são privilegiadas pela energia, seja hidrelétrica, térmica ou solar. Conforme dados que recebemos, somente ontem, o Brasil tinha nos seus reservatórios 160 dias de água. Como é que nós, com uma matriz de eletricidade dessa qualidade, estamos pensando em vender?”, questionou.
O representante do MAB ressaltou ainda que o Brasil possui uma tarifa de energia elétrica que, com a privatização, vai aumentar sobremaneira e colocará os brasileiros numa situação difícil. “É por isso que digo que antes de qualquer debate, precisamos discutir o futuro na eletricidade no Brasil. Se não pensarmos nisso agora, entraremos numa situação difícil, da qual não vejo como vamos sair”, acrescentou.
Para o presidente em exercício da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), José Mauro Ferreira Coelho, órgão vinculado ao governo, o plano decenal de expansão de energia formado por estudos da entidade mostra crescimento econômico do país e necessidade de energia para suprir essas futuras demandas.
Segundo ele o cenário macroeconômico do setor que tem sido feito pela equipe mostra que, enquanto em 2017 o Brasil teve uma capacidade instalada por fonte de 148 gigawatts, a previsão para 2026 é de que haverá no país um crescimento que levará à necessidade de 213 gigawatts.
Ferreira Coelho deu a entender que esse aumento é preocupante, porque acontecerá juntamente com a previsão de redução de fontes hídricas. Disse que há dificuldade de construção de novas hidrelétricas pelo fato de a matriz para a construção destas usinas ser a Amazônia e existirem vários problemas de licenciamento ambiental na área.
“Claro que nós vemos uma ruptura da geração de energia elétrica de modo geral, vemos o consumidor preocupado com a energia elétrica. Mas quero dizer aqui que temos acompanhado muito de perto isso e que nossos estudos estão levando estas questões em consideração”, afirmou.
Ausência da base do governo
Apesar da tentativa de justificativa do presidente da EPE, o deputado Glauber Braga, que concordou com os dois primeiros palestrantes, chamou a atenção para o fato de o relator da comissão, com o argumento de marcar presença em outras reuniões, ter se retirado várias vezes da audiência e dos integrantes da base do governo pouco terem participado da discussão.
“No Senado já se dá como certa a privatização da Eletrobras. O ministro Moreira Franco disse que não poderia vir aqui porque não tinha agenda, mas teve agenda para participar de palestra sobre o tema na Federação do Comércio do Rio de Janeiro. Há uma articulação para que essa tramitação seja logo encerrada, mas não permitiremos que isto aconteça”, afirmou.
Braga ainda denunciou a proibição, por parte da presidência da Eletrobras, de divulgar o termo de contrato celebrado sem licitação com o banco BTG Pactual para reestruturação da estatal. “Não vamos deixar isso assim e nem deixaremos essa privatização ser aprovada”, ameaçou.
Outro a reclamar da proposta, o deputado Paulão (PT-AL) disse que se a Eletrobras for desestatizada, nenhuma empresa irá assumir programas sociais como o “Luz para Todos”. “Desta forma, dificilmente a energia elétrica chegará às áreas mais pobres do Brasil”, acrescentou.
O parlamentar afirmou que a privatização é rejeitada pela sociedade, como um processo que lesa a pátria. “Privatizar a Eletrobras significa romper uma soberania energética e nacional. E os países que comprarão o controle da empresa não abrem mão das suas soberanias”, ressaltou o deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP). De acordo com ele, vários integrantes da base aliada do presidente Michel Temer são contrários ao projeto.