Empregados da Caixa denunciam metas abusivas, más condições de trabalho e falta de respeito – Enquanto os empregados da Caixa Econômica Federal se desdobram para dar conta das filas e de metas inatingíveis em plena pandemia, o presidente do banco, Pedro Guimarães, viaja pelo país posando para fotos, promovendo aglomerações e fazendo chamadas de vídeo para o presidente Bolsonaro. Nesta sexta-feira (22), ele cumpriu agenda em João Pessoa, na Paraíba, onde se encontrou com o prefeito Cícero Lucena e visitou agências da Caixa. A limpeza foi reforçada nas unidades e os gestores convocados para dar as boas-vindas ao presidente e sua comitiva. Enquanto isso, dois empregados lotados em unidades da Capital seguem na UTI lutando contra a Covid-19. Ano passado, um empregado infectado pelo Coronavírus morreu e dezenas foram contaminados em todo o país.

Na agência Trincheiras, no centro da cidade, Pedro Guimarães abraçou clientes e posou para fotos, descumprindo as recomendações de distanciamento social. “Ele adora os holofotes e faz de conta que está tudo às mil maravilhas. Até parece que o empregado Caixa é imune a essa doença. Como justificar que após dez meses de pandemia, parte dos colegas da linha de frente não tenha guichês com vidros protetores para evitar o contato direto com o cliente? Como explicar que os protocolos foram modificados de tal maneira que inviabilizaram o fechamento de agências para higienização e isolamento das pessoas que tiveram contato com colegas infectados? A impressão que dá é a de que estamos num barco à deriva à espera de uma bússola que nunca chegará”, desabafou uma empregada.

“Eles querem mostrar uma realidade que não existe. Os empregados estão fartos dessa gestão que não respeita a gente, que não se importa com as nossas vidas. Não adianta limpar as agências e mandar os gerentes colocarem terno e gravata para mascarar o que acontece de fato. Estamos exaustos, sobrecarregados e doentes”, disse outra empregada.

No final do ano passado, o próprio Pedro fez questão de divulgar os números do auxílio emergencial: 535 milhões de pagamentos para 67,9 milhões de pessoas. Uma operação que somou R$ 298 bilhões e muitos transtornos para clientes e empregados. No início do isolamento, com apenas 30% dos empregados nas agências (o resto foi para home office), o governo insistiu em concentrar o pagamento do auxílio na Caixa. O resultado foi desastroso:  pessoas se amontoando do lado de fora das agências porque o Caixa Tem (aplicativo criado para pagar o auxílio) não funcionava, clientes xingando os empregados, sistemas inconsistentes, funcionários contaminados pelo coronavírus. O orgulho de trabalhar na Caixa cedeu lugar à angústia, ao medo e à tristeza.

“Enquanto a maioria dos profissionais estava se resguardando do coronavírus, nós trabalhávamos com a equipe reduzida e sem a segurança que precisávamos para ficar cara a cara com esse vírus. Fomos chamados de ‘heróis de crachá’, mas nosso sentimento é de que nossa vida não tem valor algum para a empresa a qual nos dedicamos. O orgulho de ajudar o povo brasileiro no momento mais difícil da história perdeu lugar para o medo e a exaustão física e emocional. Antes, eu sentia orgulho de trabalhar na Caixa, hoje só sinto tristeza”, disse uma empregada que atua na linha de frente.

Além do auxílio emergencial, o banco lançou o Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda (BEm) e antecipou o pagamento do Pis e do FGTS. Somados a outros benefícios sociais, os pagamentos resultaram em mais de 120 milhões de pessoas atendidas em menos de nove meses. Pedro Guimarães se orgulha desses números, mas ignora as consequências trazidas pela demanda criada pelo governo.  “Atender mais da metade da população foi um trabalho hercúleo feito pelos empregados da Caixa, que encararam a missão mesmo com todos os receios da pandemia e as péssimas condições de trabalho. Os trabalhadores estão esgotados, doentes e com jornadas estafantes. E para piorar, não têm o devido reconhecimento e valorização por parte da direção do banco, que continua assediando e cobrando metas desumanas”, disse Fabiana Uehara, coordenadora da Comissão Executiva de Empregados da Caixa (CEE/Caixa) e secretária de Cultura da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT).

Desde o lançamento do auxílio emergencial, a CEE/Caixa, a Contraf-CUT e a Fenae defenderam a distribuição do pagamento entre os outros bancos, mas o governo ignorou.  “No início do pagamento do auxílio emergencial defendemos que as operações fossem descentralizadas devido ao volume gigantesco do socorro à população. No entanto, não fomos atendidos. Nesta gestão, o diálogo com a direção do banco é muito difícil. O pagamento não foi descentralizado porque os bancos privados não querem os pobres dentro de suas agências, ao contrário da Caixa, que sempre esteve de portas abertas para esse público, aliás, desde que acolhia as poupanças das pessoas escravizadas para compra da liberdade”, disse Sérgio Takemoto, presidente da Fenae.

Metas abusivas

No início da pandemia, somente os serviços essenciais eram realizados, com foco no pagamento do auxílio emergencial e outros benefícios sociais. Mas isso durou pouco e a prioridade passou a ser o lucro. A ordem é correr atrás de negócios, bater as metas inatingíveis (que triplicaram na pandemia, segundo os empregados) e deixar as agências no “azul” (isso só é possível se a unidade atingir, no mínimo, 100% das metas).

“Enquanto poucos funcionários tentam atender centenas de clientes, um número maior se reúne em salas fechadas para tentar bater metas em plena pandemia. Respeito, reconhecimento e zelo por nossa vida? Zero! Essa é a certeza que temos a cada minuto dessa pandemia, inclusive nas intermináveis horas extras que somos obrigados a fazer para dar conta de todos os clientes que esperam por horas em filas imensas”, disse uma empregada.

“A palavra sozinha, no contexto em que vivemos, causa assombro. No momento em que o mundo mais precisou de união e solidariedade, a direção da Caixa lançou seus empregados numa operação de guerra, sem o mínimo de estrutura, para enfrentar algo desconhecido, com risco de morte. Levaremos anos para superar os momentos de pânico e tensão pelos quais passamos. A conta, mais cedo ou mais tarde, chegará”, disse outro empregado.

Protesto

Na capital paraibana, Guimarães foi recepcionado com protesto organizado pelo Sindicato dos Bancários da Paraíba a partir das demandas da categoria. Dois carros de som seguiram a comitiva do presidente com o seguinte recado: “Presidente Pedro Guimarães, sabemos de sua intenção de vender a Caixa Econômica para atender o plano privatista de Paulo Guedes e Bolsonaro, mas os empregados da Caixa e o povo não vão permitir este abuso. A Caixa é uma empresa de 160 anos, sólida e lucrativa. Pertence ao povo brasileiro e precisa continuar inteira e 100% pública. Enquanto o senhor fica viajando e posando para fotos, milhares de pessoas são atendidas pelos empregados da Caixa. Muitos foram contaminados pela Covid-19. Aqui em João Pessoa perdemos um colega e outros dois estão na UTI lutando pela vida. Chega de metas abusivas, de GDP, de falta de empregados! Chega de reestruturação, de falta de testes, de ameaça de privatização! Menos empregados e menos agências significam mais filas e o povo está cansado. Nós exigimos respeito!”.

“Ainda tentamos abrir um canal de diálogo com o presidente da Caixa para repassar as demandas dos empregados que se sentem traídos e desprestigiados por sua gestão. Mas ele não só se recusou a nos receber, como cancelou a visita a uma das agências quando soube do protesto. Isso não nos impediu de levar o recado da base até ele. Descobrimos onde ele estava e fomos até lá com o carro de som”, disse Lindonjhonson Almeida, presidente do sindicato.

Home Office

Por causa da pandemia, os empregados que pertencem ao grupo de risco seguem trabalhando em home office e apesar de não estarem na linha de frente, sofrem pressão diária para atingir metas e dar conta dos atendimentos online. “Além do Interaxa (ferramenta de atendimento online), somos pressionados para bater metas com números cada vez maiores. Isso tudo num ambiente improvisado, sem mobiliário nem equipamentos adequados”, disse um empregado.

Enquanto outros bancos já assinaram acordo para regulamentar o trabalho remoto, a Caixa se esquiva de negociar com as entidades que representam os empregados para tratar do assunto.  “Muita gente acredita que estamos na boa pelo fato de trabalharmos em casa, mas sofremos pressão também. Ao final de cada dia, somos obrigados a informar nossa produção, dizer o que vendemos, o que fizemos. Temos que nos preocupar, ao mesmo tempo, com o cumprimento de metas e o atendimento aos clientes. No Interaxa, atendemos até cinco pessoas ao mesmo tempo sobre assuntos variados e se cada atendimento desses ultrapassar 20 minutos, a agência é penalizada. Conheço colegas que não aguentaram a pressão e decidiram se desligar no último PDV”, relatou outro empregado.

Ameaça de privatização

Além de não serem reconhecidos, os empregados da Caixa convivem com as ameaças constantes de privatização. Para Takemoto, é preciso preservar o papel social do banco 100% público do Brasil, valorizar o trabalho dos bancários e mostrar que a população corre o risco de perder este patrimônio. “O objetivo real desse governo é fatiar a empresa, privatizando subsidiárias estratégicas e rentáveis para o país, como o banco digital, a Caixa Seguridade e o setor de cartões. Se não fosse a Caixa, não haveria atendimento ao auxílio emergencial nem habitação popular, nem outras políticas e ações públicas financiadas pelo banco, como mobilidade urbana, saúde e saneamento básico”, enfatizou.