"Esses investimentos vão precisar de capital privado e do capital de longo prazo. Isso vai oferecer uma boa oportunidade para os fundos de pensão se associarem ao crescimento do país, buscando, obviamente, estruturas adequadas", disse Rosa.
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Os desafios dos fundos, segundo Sérgio Rosa
Cristiano Romero – VALOR
A Previ, o fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, acumulou, nos últimos dez anos, rentabilidade de 553,35%. O resultado ficou bem acima da meta atuarial acumulada no mesmo período – 303,2% – e, o mais importante, da variação da taxa básica de juros (Selic) – 345,77%. Os números não dão espaço para dúvida: a Previ, o maior fundo de pensão da América Latina, com patrimônio de quase R$ 150 bilhões (US$ 83 bilhões), foi muito bem administrada do ano 2000 para cá.
Num país de cultura ainda inflacionária e onde o governo paga juros elevados para se financiar no mercado, a Previ foi além. Poderia ter se contentado com a aplicação em títulos públicos, o que já teria lhe assegurado, no período mencionado, rentabilidade superior à da meta atuarial. O fundo optou, no entanto, pela ousadia. Seu segredo talvez esteja no fato de acreditar na revolução silenciosa em curso na economia brasileira.
Na segunda metade dos anos 90, a Previ apostou nas privatizações. Não o fez sem controvérsia. Acordos de parceria mal negociados com gestores e empresas e suspeitas, inclusive, de corrupção marcaram aquele período e obrigaram o fundo a gastar boa parte de sua energia, nos anos seguintes, na rearrumação da casa. Foi difícil, mas, uma vez mais, os números mostram que a Previ superou aqueles problemas.
Investir em renda fixa continua sendo atrativo, afinal, a taxa de juros, embora tenha caído a quase 1/3 de onde estava há dez anos, segue bastante alta. A tendência, no entanto, é de queda nos próximos anos – seja qual for o governo que assumir em 2011, um dos primeiros itens da agenda será retomar a austeridade fiscal abandonada nesta fase final da gestão Lula, o que, certamente, colocará os juros novamente em rota de queda.
Diante disso, o que o futuro próximo reserva para os fundos de pensão? Sérgio Rosa, que depois de oito anos entregará no próximo dia 31 a presidência da Previ a seu sucessor, Ricardo Flores, vê no setor de infraestrutura boas oportunidades de investimento. De fato, estão programadas aplicações de centenas de bilhões de reais nos setores petrolífero, de transporte rodoviário, urbano e ferroviário, de saneamento e, possivelmente, se este ou o próximo governo deixar, no de aeroportos.
"Esses investimentos vão precisar de capital privado e do capital de longo prazo. Isso vai oferecer uma boa oportunidade para os fundos de pensão se associarem ao crescimento do país, buscando, obviamente, estruturas adequadas", disse Rosa a esta coluna. O grande desafio dos fundos, explicou, será se preparar para o novo momento da economia brasileira.
Com o crescimento acelerado do Produto Interno Bruto (PIB), haverá uma nova safra de empresas abrindo capital para levantar recursos e financiar sua expansão. Uma parte delas vai fazer isso via endividamento, outra via reforço da estrutura de capital. Muitas, principalmente as de menor porte, precisarão de apoio antes mesmo de ir à bolsa, e reside aí um papel importante a ser desempenhado pelas fundações de previdência.
"Talvez as empresas necessitem do suporte de um investidor especializado em contribuir na preparação para chegar à bolsa. Já fazemos isso hoje indiretamente por meio dos fundos de private equity (participação acionária), que têm como foco identificar projetos em maturação e procurar reforço de capital para contribuir no aperfeiçoamento dos projetos", observou Rosa.
Esse é o tipo de investimento que exige esforço, conhecimento, profissionalização do gestor de um fundo de pensão, afinal, a empresa na qual se investe muitas vezes é apenas um projeto. A Previ, além de aplicar por meio de fundos de private equity, investe em projetos próprios. É o caso, por exemplo, da Invepar, criada no ano 2000 para investir em concessões rodoviárias – hoje, a empresa, na qual a Previ tem 53% do capital e como sócios a OAS, a Petros (fundo da Petrobras) e a Funcef (da Caixa Econômica Federal), é concessionária da Linha Amarela e do metrô do Rio, entre outros investimentos.
"Ainda temos no Brasil uma cultura muito forte de inflação e juros altos, o que sempre estabeleceu um patamar elevado de rentabilidade com baixo risco e baixo esforço. Comprar títulos do governo exige poucas competências especializadas do ponto de vista de investimento de longo prazo. Essa cultura é forte inclusive em todos os modelos de análise de carteira, nos modelos de análise de risco-retorno", explicou Rosa.
O risco de um fundo de pensão é distinto daquele com que trabalha o mercado financeiro, pressionado pela liquidez de curto prazo. "A maior parte dos fundos ainda se apoia demais nas medidas, instrumentos e ferramentas do mercado financeiro, portanto, eles ainda não constituíram uma maneira própria para apoiar seus programas de investimento. Esse é um desafio de metodologia, de conceito, de compreensão da formação de uma carteira de longo prazo", acrescentou o executivo.
Rosa lembra que os fundos estão migrando dos planos de benefício definido para os de contribuição definida. Isto significa que a fixação de uma meta atuarial, como existe hoje (em geral, entre 5% e 6% ao ano, mais inflação), está perdendo importância. Os segurados de um fundo de pensão receberão, de aposentadoria, um benefício decorrente do desempenho das estratégias de investimento de sua fundação. Por causa disso, eles deverão acompanhar mais de perto a gestão dos fundos e exigir maior sofisticação na aplicação dos recursos.
O presidente da Previ acha, também, que o mercado financeiro precisa se sofisticar mais para oferecer produtos atrativos aos fundos. "No caso da Previ, temos capacidade de acessar mais diretamente as oportunidades de investimento. No caso dos fundos menores, eles precisam contar com o apoio da indústria financeira por meio de fundos diferenciados", ponderou Sérgio Rosa. "O mercado financeiro brasileiro que trabalha em parceria com os fundos de pensão vai ter que se sofisticar, oferecendo produtos que façam a ligação entre os fundos e a economia em desenvolvimento."
Cristiano Romero é editor-executivo e escreve às quartas-feiras.
Fonte: Valor Econômico