“Gostaria de manifestar meu apoio à Lei Áurea, por mais que o agronegócio considere que ela traz prejuízos à competitividade do país. Pode parecer pouco patriótico, mas temos que manter a dignidade e a coerência esperada em uma democracia”, ironiza Leonardo Sakamoto, jornalista e conselheiro do Fundo das Nações Unidas para Formas Contemporâneas de Escravidão. Sakamoto argumenta que as reformas trabalhista e da Previdência, capitaneadas pelo presidente Michel Temer (PMDB), dificultam o combate ao trabalho escravo no país.

“Vejo há anos trabalhadores sem liberdade de deixar seu local de trabalho, em condições tão degradantes que são obrigados a tomar água suja, caçar sua comida e trabalhar debaixo de chuvas amazônicas durante horas com dengue e malária. Isso porque, caso contrário, apanham dos patrões (…) Nos últimos anos, a Justiça tem libertado esses trabalhadores. Agora, com a reforma trabalhista do Temer, o patrão pode sair impune. A lei abre brechas para isso”, avalia o jornalista, que atua no combate ao trabalho escravo desde 1999.

“Temos que pensar que esse governo só sobrevive enquanto estiver aprovando reformas que interessam ao grande capital financeiro”, afirma Sakamoto. De acordo com essa lógica, Temer agora deve passar por sua prova de fogo, já que as reformas pendentes estão suspensas após a divulgação de áudio que mostra o presidente dando aval para o empresário Joesley Batista comprar o silêncio do deputado cassado Eduardo Cunha.

Entretanto, um ponto crítico da reforma trabalhista apresentado pelo jornalista é a questão da terceirização ampla, que já foi aprovada. A Lei 13.429 passou às pressas pelo Congresso, entrando em vigor em 31 de março último. “Esse projeto é de 1998. Ele tinha sido barrado, estava arquivado desde a época do Fernando Henrique Cardoso. Mas esse governo (Temer) desengavetou para ser mais rápido”, diz.

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Foto: Lucas Duarte

A questão central da lei é autorizar a terceirização em qualquer setor da empresa, incluindo a chamada atividade fim. Antes de tal dispositivo, apenas a atividade-meio poderia passar para outra empresa. “Essas empresas terceiras, menores, podem ser utilizadas por grandes empresas para se eximirem da responsabilidade por seus trabalhadores. Incluindo em situação de trabalho escravo”, afirma Sakamoto.

“O trabalhador terceirizado é colocado em segundo plano diante dos efetivados na empresa principal. Não possuem os mesmos direitos ou a mesma jornada. Diante destes problemas, deputados propuseram acrescentar instrumentos de proteção nesta reforma, mas elas não foram aprovadas”, aponta. “Grandes empresas tendem a concentrar todos os ganhos, enquanto pequenas empresas concentram todos os empregados. Se essa empresa falir, o trabalhador fica na mão, sem FGTS e sem ter com quem reclamar. Chegaram a propor a possibilidade de o trabalhador reclamar com as duas empresas ao mesmo tempo. O que a base parlamentar de Temer disse? ‘Nem que a vaca tussa’”, completa o jornalista.

Diante desse cenário, as reformas, como explica Sakamoto, completam a retirada de direitos dos trabalhadores. “Ainda tem parte da reforma trabalhista tramitando no Congresso. A reforma geral. Elas reduzem a proteção à saúde e à dignidade do trabalhador. Eles querem aumentar a jornada de trabalho, ultrapassando o limite do corpo do trabalhador. Propostas como a troca de parte da remuneração pela entrega de casa e comida. A suspensão de finais de semana por 18 dias, a suspensão de férias. Os trabalhadores estarão nas mãos do patrão. Poderia falar um dia inteiro sobre um milhão de desgraças que esse governo quer aprovar.”

O jornalista lamentou os retrocessos propostos pela agenda de Temer. “Já é difícil combater o trabalho escravo com as atuais leis. Há anos tentamos e conseguimos aprovar leis para combater essas situações. Mais de 50 mil pessoas foram resgatadas desde 1995, quando o governo passou a combater esse tipo de crime (…) Todos sabemos que o que houve no dia 13 de maio de 1988, mais do que a abolição, foi a mudança no método de exploração dos mais pobres e mais negros, que continuam como sub cidadãos, cidadãos de segunda classe (…) Mas acredito que a Lei Imperial 3353 de 1888 segue atual e que os custos da liberdade e da dignidade não são os principais motivos pelos quais nossa economia segue lenta”, conclui o jornalista.

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