Grupo Americanas deve quase R$ 1 bilhão a pequenas e médias empresas. Muitas podem encerrar suas atividades, afirma diretor técnico do Dieese

O Grupo Americanas emprega mais de 100 mil trabalhadores e trabalhadoras no Brasil – cerca de 44 mil são diretos e cerca de 56 mil indiretos. Todos correm risco de extinção após a descoberta do rombo na contabilidade da empresa, que soma mais de R$ 43 bilhões, em especial os indiretos, em sua maioria trabalhadores contratados por pequenas e médias empresas.

Do total do rombo, as Americanas devem R$ 875 milhões a micro, pequenas e médias empresas, setores que mais empregam no país. Só para micros e pequenas empresas, o grupo deve cerca de R$ 109 milhões, segundo dados levantados pelo Estadão com base na lista de credores das Americanas.

Na lista de credores envolvidos no processo de recuperação judicial das Americanas tem milhares de milhares de empresas, o que indica que o número de trabalhadores demitidos pode ser ainda maior já que os fornecedores também têm seus próprios fornecedores para poderem produzir, alerta boletim técnico elaborado pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

“São mais de sete mil fornecedores [das Americanas], 44 mil trabalhadores direitos e quatro vezes mais na cadeia indireta”, explica Fausto Augusto Junior, diretor-técnico do Dieese.

Em seu podcast semanal, Fausto taça um panorama do caso, suas origens e consequências para a economia do Brasil, como um todo. Ele explica que para além da eventual perda de postos de trabalho, as empresas fornecedoras podem desaparecer e, paralelamente, como reação, o sistema financeiro deve endurecer regras de crédito para o conjunto da sociedade, aumentando juros, o que tem impacto em toda a economia.

“Vários fornecedores vão ficar um período grande sem receber e temos credores diversos. São empresas pequenas e médias, que muitas vezes a dívida devida pelas Americanas é maior até o que o capital dessa empresa”, diz Fausto complementando que a dívida pode significar o encerramento dessas empresas.

Ouça o a análise de Fausto Augusto Junior:

Preservar empregos e direitos é prioridade

Por isso, ele reforça, há prioridades no caso e uma delas é preservar os empregos e direitos dos trabalhadores. Os trabalhadores, ele diz, são parte fundamental na garantia dos direitos.

“É preciso preservar a empresa, garantir os empregos e punir os responsáveis. Os lucros dessas fortunas precisam entrar nessa conta”, diz o diretor do Dieese a respeito dos controladores – o grupo 3G formado pelos bilionários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira.  Fausto Augusto Junior aponta como obstáculo a separação entre pessoa física e pessoa jurídica e afirma que o embate será definir se houve ou não fraude.

“Aí tem como ‘ir pra cima’ para garantir o pagamento aos trabalhadores e fornecedores”, ele diz sobre responsabilizar, de forma pessoal, os sócios da empresa.

Enquanto corre o processo, ele reforça, é preciso garantir recursos para, no mínimo, pagar verbas rescisórias. “É preciso preservar os empregos, mas a garantia mínima é essa”, diz.

Para a CUT e demais centrais sindicais, este é ponto de prioridade máxima. “Nas Americanas os erros foram cometidos por pessoas, que devem ser investigadas e punidas, mas preservando a atuação da empresa, que gera empregos, dos quais dependem milhares de trabalhadores”, disse o presidente da CUT, Sérgio Nobre, em entrevista ao PortalCUT.

Fornecedores

Segundo a base levantada pelo Dieese, a lista de credores das Americanas inclui diversos setores qu vão de materiais escolares, livros, plásticos, alimentos a, em especial, tecnologia. Uma das empresas do setor de eletrônicos listada como credora é a Ingram Micro Brasil, que distribui produtos a marca JBL, conhecida por vender fones de ouvido, caixas de som e similares, é classificada como pequena empresa, mas o valor devido a ela chega a R$ 26,4 milhões.

De acordo com fornecedores ouvidos pelo Estadão, o impacto já começa a ser sentido já que a maior parte dessas empresas se concentra em atividades varejistas. Os impactos vão da redução de operações à demissão de trabalhadores. Passam também pela busca de alternativas como empréstimos bancários para tentar equilibrar as contas, impactadas pela suspensão dos pagamentos das Americanas, com a recuperação judicial.

Aumento dos juros no sistema financeiro

Outro dos efeitos do escândalo nas Americanas se dará nas operações financeiras. Linhas financiamento podem ter regras endurecidas pelos bancos. Na avaliação de Fausto Augusto Jr, os juros podem subir.

Os bancos são grandes credores das Americanas. Ao todo, o grupo deve R$ 15,1 bilhões para o sistema financeiro. O rombo, portanto, impacta no balanço das instituições, entre elas o Santander, o Itau-Unibanco e a Caixa Federal.

“Uma redução do lucro dos grandes bancos aumenta exposição e o risco e significa que o sistema reage. Estamos falando de juros mais altos e credito mais difícil e isso impacta em todas as outras empresas – maiores e menores – que buscam credito”, explica Fausto ressaltando que o sistema financeiro, em si, é estável porque não permite muitas perdas.

“Um dos grandes problemas é passarmos a ter um setor financeiro mais restritivo em crédito principalmente para empresas semelhantes às Americanas porque isso impactará em todo o sistema de financiamento no Brasil”, pontua o diretor do Dieese.

Opinião técnica

Em seu podcast, Fausto Augusto Junior afirma ainda que o capital financeiro circula dinheiro que muitas vezes está apenas nos balanços e essas transações têm o objetivo de garantir crédito mais barato e a redução de impostos e além de colocar em risco a credibilidades da própria empresa, afeta, do ponto de vista financeiro, outras empresas similares.

Por isso ele estima que o sistema financeiro – os bancos – serão mais duros com o crédito e com os juros, que já estão alto no país. A taxa Selic, definida pelo hoje independente Banco Central e que serve de parâmetro para todas as transações financeiras está em 13,75%.

Perfil dos credores

Na sexta-feira foi atualizada a lista de credores das Lojas Americanas. Já são 9.713 entre pessoas físicas e empresas.

Segundo a lista, são 678 credores cujas dívidas se referem a créditos trabalhistas, num total de R$ 119 milhões.

Outros 8.134 nomes, cujo montante somam R$ 43,2 bilhões estão entre os créditos quirografários, cuja dívida em recuperações judiciais não têm garantia real de pagamento.

O rombo

A alegada “inconsistência” contábil, usada pelos executivos da empresa para explicar o rombo, não passou de uma catalogação fraudulenta, na qual empréstimos bancários foram registrados como contas de fornecedores, ao invés de dívida bancária.

Estas manobras contábeis se arrastaram por mais de sete anos. Vieram à tona depois dos acionistas receberem dividendos recordes. Entre janeiro e setembro de 2022, a Americanas SA pagou R$ 333 milhões aos seus investidores, enquanto outras grandes e saudáveis redes varejistas distribuíram valores significativamente inferiores. Nos anos anteriores, 2019, 2020 e 2021, a Americanas pagou respectivamente R$126 milhões, R$293 milhões e R$238 milhões de dividendos aos investidores.

Fonte: CUT