O Santander deflagrou, sem qualquer diálogo com o movimento sindical, uma ofensiva neste mês de agosto para comprar o direito de complementação dos aposentados do ex-Banco Meridional do Brasil, sucessor do antigo Sulbrasileiro, constituído a partir de três bancos (Província, Banmércio e Sulbanco), que tinham caixas assistenciais (DAB, CACIBAN e IAS).

A iniciativa do banco pegou de surpresa e preocupação as entidades sindicais e representativas. Nos últimos dias, a Contraf-CUT, federações e sindicatos conversaram com vários aposentados, receberam documentos e pediram estudos técnicos e jurídicos, buscando esclarecer os fatos e apresentar orientações aos colegas atingidos.

Tentativa de quitar direitos

Tudo começou no último dia 5, quando o banco espanhol promoveu uma reunião em Porto Alegre, com a participação de cerca de 200 aposentados. Lá foi entregue um “kit” para cada um deles, explicando as mudanças e apresentando duas opções. Os ausentes receberam o material pelo correio.

Uma das opções é a “extinção e liquidação do benefício previdenciário e manutenção dos benefícios assistenciais”. O banco informa o valor que cada aposentado receberia em caso de vender os seus direitos.

O prazo para exercer essa opção vai até 30 de setembro. Quem possuir ação judicial contra o banco deverá também formalizar um acordo judicial até 15 de setembro, visando à extinção definitiva das ações em andamento e a plena quitação dos direitos junto ao Santander e à respectiva caixinha. Além disso, deverá ainda formalizar um termo de transação extrajudicial, que tenha por objeto a extinção e liquidação do benefício de previdência, com a correspondente quitação.

“Trata-se da compra do direito de complementação de aposentadoria de cerca de 1 mil colegas, todos bastante idosos, onde o Santander tenta se livrar do pagamento dos benefícios que completam a renda mensal de cada aposentado e, ao mesmo tempo, liquidar parte do seu enorme passivo trabalhista, pois quase todos possuem ações judiciais, muitas em última instância”, afirma Juberlei Bacelo, diretor da Fetrafi-RS.

“É claro que estamos diante de uma decisão pessoal e individual de cada aposentado, mas é preciso dizer que todo aquele que fizer essa opção estará vendendo os seus direitos, abrindo mão do pagamento mensal de sua complementação de aposentadoria. Assim passará a receber somente o benefício do INSS, não terá mais vínculo com o banco e a caixinha e sequer poderá recorrer à Justiça”, alerta Paulo Stekel, diretor do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre.

Outra opção: novo plano no Banesprev

A outra opção proposta pelo banco é a “manutenção dos benefícios previdenciários”, que passarão a ser pagos pelo Banesprev e os benefícios assistenciais continuam sob a gestão da área de Recursos Humanos do Santander, à luz de novos regulamentos, uma vez que foi assinado em 10 de fevereiro deste ano um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) junto à Superintendência Nacional de Previdência Complementar (PREVIC) entre o banco e as caixinhas, como forma de reorganizar os atuais benefícios previdenciários e assistenciais.

O TAC foi firmado após o Santander, na condição de sucessor do Meridional, ter sido notificado em 22 de julho de 2010 pela fiscalização da PREVIC. O banco vinha atuando como patrocinador e administrador de caixas assistenciais sem autorização legal, através de complementação de aposentadoria e pensão. Em 2011, as caixinhas tinham mais de 1.100 participantes, com centenas de ações judiciais.

O banco informa que quem optar por continuar recebendo o benefício previdenciário na forma atual será transferido para um plano de aposentadoria a ser implantado no Banesprev. O regulamento prevê que os benefícios previdenciários serão reajustados pelo índice dos bancários.

Mas atenção: quem optar declara “estar ciente e concordar” com a extinção da relação jurídica com o Santander e a respectiva caixinha e com os termos da nova proposta de regulamento do plano de previdência, a ser administrado pelo Banesprev, que ainda será submetido e aprovado pela PREVIC, tendo o Santander a condição de patrocinador.

“O Banesprev é um fundo de pensão com representantes eleitos em suas instâncias, como diretoria, conselhos deliberativo e fiscal, comitê de investimentos e comitê gestor para cada plano existente. Possui inclusive assembleia anual de prestação de contas e aprovação de orçamento e custeio e que tem poder de veto quanto às alterações de regulamentos. No entanto, o banco deseja excluir a participação destes novos participantes do fórum das assembleias, o que é inaceitável”, ressalta Walter Oliveira, secretário-geral da Afubesp, coordenador do Comitê Gestor do Plano II do Banesprev e conselheiro da Anapar/Regional São Paulo.

Dúvidas, incertezas e armadilhas

Nos documentos entregues aos aposentados, o banco avisa que quem não se manifestar até 30 de setembro “será presumida a sua opção pela continuidade de recebimento da renda mensal do seu benefício de renda complementar, por meio do Banesprev, e dos demais benefícios assistenciais, através do Santander”.

Segundo o banco, isso resultará na sua inscrição no plano de aposentadoria administrado pelo Banesprev, na concordância com a proposta de novo regulamento do referido plano e também com os termos do regulamento dos benefícios assistenciais.

Além disso, o banco afirma que isso implicará “na extinção da sua relação jurídica” com o Santander e a respectiva caixinha, “até então vigentes e em quaisquer outros instrumentos que formalizem as obrigações do Santander e da caixinha de pagar benefícios previdenciários e assistenciais”.

“O banco tenta romper a relação jurídica que hoje possui com os aposentados do Meridional. Em outras palavras, quer se livrar das suas obrigações trabalhistas e ainda fugir de novas ações judiciais para cobrar direitos não cumpridos”, alerta Carlos Cordeiro, presidente da Contraf-CUT.

“O Santander quer também se livrar das obrigações previstas no edital de privatização do Meridional, onde consta a necessidade de patrocinar as caixinhas e honrar o pagamento dos benefícios previdenciários e assistenciais dos aposentados”, alerta Ernani Mundstock, aposentado do Meridional.

“Para migrar esses aposentados ao Banesprev, há um cronograma a ser cumprido no TAC assinado, onde a fase de alteração do estatuto do fundo de pensão deverá estar finalizada até o final deste ano, com concordância dos atuais participantes, inclusive com previsão de plebiscito. Estranhamos a forma sem transparência adotada pelo banco, que ao invés de garantir o direito de participação igual para todos, prefere o confronto com decisões autoritárias, além de tentar romper princípios básicos universais da previdência, com a compra de direitos de pessoas idosas”, salienta Walter Oliveira.

“Essa tentativa de quitar direitos dos aposentados do Meridional, através de um processo unilateral e nebuloso, sem qualquer negociação com o movimento sindical, abre um perigoso precedente, uma vez que o banco possui aposentados de outros bancos adquiridos e em número bem maior, que igualmente recebem complementações de aposentadoria”, enfatiza Ademir Wiederkehr, secretário de Imprensa da Contraf-CUT.

Orientações jurídicas

O assessor jurídico da Anapar e da Fetrafi-RS, Ricardo Só de Castro, observa que “neste processo todo de modificação que está sendo proposto pelo Santander, a partir de uma determinação da PREVIC, órgão que fiscaliza o setor de previdência complementar no Brasil, há uma omissão de informações muito importante aos beneficiários das chamadas caixinhas do ex-Meridional”.

“Considero fundamental neste momento dizer aos aposentados que estão sendo destinatários dessas propostas de alteração que o que estão propondo a eles é uma modificação no regime jurídico que regula os seus direitos assistenciais e previdenciários. Se hoje incidem regras e princípios norteadores da relação de trabalho, pois são direitos decorrentes diretamente do contrato de trabalho, a partir da adesão ao novo plano previdenciário do Banesprev, que passaria a ser responsável pela administração e pagamento das complementações de aposentadoria, os aposentados passarão a ter uma nova relação jurídica estabelecida somente com o fundo de pensão através de um contrato previdenciário”, alerta o advogado.

Ricardo enfatiza que “o banco passaria a uma condição de mero patrocinador. Isso significa que a legislação que passará a reger os seus direitos será a legislação especial prevista na Lei Complementar nº 109/2001. Essa legislação autoriza, por exemplo, a retirada de patrocínio de forma unilateral e imotivada, por simples vontade do patrocinador, segundo entendimento do próprio órgão fiscalizador (PREVIC)”.

“Neste contexto, se apresenta como fundamental condição para o avanço dessas propostas, restar previsto formalmente no regulamento do novo plano uma cláusula irretratável de renúncia do patrocinador aos institutos da retirada e transferência de patrocínio, o que ofereceria maior segurança aos aposentados que vierem a aderir a esse novo plano que está sendo oferecido”, defende o especialista em Direito Previdenciário.

“Outro aspecto importante é o fato do regulamento do novo plano ainda não ter sido aprovado pela PREVIC, circunstância que coloca os aposentados em situação jurídica vulnerável, pois poderão aderir a um plano previdenciário cujas condições poderão ser alteradas pelo órgão fiscalizador antes mesmo de entrar em funcionamento”, salienta.

“Esses são alguns dos pontos que preocupam sob a ótica jurídica e que devem ser aprofundados a fim de resguardar os interesses dos aposentados das caixinhas”, conclui Ricardo.

Fonte: Contraf-CUT com Fetrafi-RS e Seeb Porto Alegre