Imediatamente após "virar a chave", como gosta de dizer Angel Oscar Agallano, vice-presidente do Santander, ele pergunta à sua equipe se está tudo correndo bem. A dúvida é pertinente. O dinheiro hoje é praticamente virtual. As operações correm nos computadores. Ninguém as vê. Como saber se tudo deu certo? Mas a resposta é imediata: "148 operações processadas no segundo seguinte à conversão". Sucesso!
Essa foi a maior transferência de base de dados de cartões já feita pelo Santander em todo mundo. Foi também a maior já realizada do país. Os plásticos do Real eram processados por uma empresa terceirizada, a Fidelity, e a migração foi feita em tacada única. Os dados começaram a ser carregados na quinta-feira, para no domingo acontecer a conversão final.
Além de ser bem-sucedida, a operação, que tomou sete meses, serviu também de teste. Se havia ainda alguma dúvida de como fazer a conversão das agências, tudo ficou sacramentado naquele dia: toda a base de clientes será migrada num único dia.
O Real já havia feito assim com o Sudameris, quando migrou os correntistas em operação única. O próprio Agallano já participou de processos semelhantes pelo Santander em outros países, como Argentina e Venezuela. Mas agora os números são bem maiores. São mil agências que atendem cerca de 4 milhões de clientes. Erros podem significar perda de correntistas.
"Big Bang". É assim que os executivos chamam essa operação. Será feita no terceiro trimestre do ano. Provavelmente num fim de semana. Talvez num feriado. Dessa vez não haverá senhas. Quando Agallano "virar a chave", todo o processo de integração entre dois dos maiores bancos brasileiros será colocado em xeque.
Se tudo correr como esperado, os correntistas do antigo banco holandês terão novos números de conta corrente e agência, agora nos computadores da instituição espanhola – os números antigos continuarão ativos e poderão ser usados por um tempo ainda não determinado.
Mil funcionários já estão sendo treinados para o grande dia. Eles serão alocados, um em cada agência, 15 dias antes do "big bang" e ficarão o tempo que for necessário para auxiliar funcionários e clientes para que o processo funcione da melhor forma possível.
Para o cliente, tudo se passará como se nada tivesse acontecido, tal como aconteceu na migração dos cartões de crédito, em que nem mesmo os plásticos foram trocados – serão substituídos à medida que forem vencendo. O objetivo é que o cliente seja afetado o mínimo possível, costuma dizer Fábio Barbosa, presidente da instituição, sempre que perguntado sobre o assunto.
A opção pelo sistema do Santander em detrimento do Real parecia óbvia, já que mais moderno, de 2006. Agallano, argentino que trabalha no Santander desde 1986, veio para o Brasil em 2004 com a missão de integrar a então confusa estrutura do banco espanhol, que acabara de comprar o Banespa.
Conviviam à época seis diferentes sistemas: além do próprio Banespa e Santander, estavam ainda intactas as estruturas do Geral do Comércio, do Noroeste, do Bozano, Simonsen e do Meridional. Foi desenvolvida, então, uma plataforma única para toda não só para o Brasil, como para toda América Latina, novinha em folha. "O Real terá uma renovação tecnológica em seis meses, algo que normalmente tomaria seis anos", diz.
O processo difere um pouco do que vem sendo tocado também em uma outra grande união, do Itaú com o Unibanco. No caso do maior banco privado brasileiro, as agências estão sendo convertidas uma a uma. Foram feitos alguns testes piloto com unidades bastante diferentes entre si para afinar erros e acertos. Agora, os clientes já começaram a receber novos números de conta e agência.
A comparação com o Itaú Unibanco é inevitável. São duas fusões gigantescas ocorrendo de forma simultânea. Mas a impressão é que o Santander está mais demorado. Só impressão, diz o executivo.
Desde a compra do Santander pelo Real, em 2007, até o início do processo de fusão, em agosto de 2008 se passou quase um ano sem que nada fosse alterado. O empecilho foi que a administração holandesa do extinto ABN AMRO impediu que se formasse uma administração conjunta antes de finalizado o negócio. Nem mesmo Fábio Barbosa poderia assumir a presidência do grupo espanhol no Brasil antes de o martelo ser batido.
Já no Itaú Unibanco, o processo teve início no dia seguinte ao anúncio, no fim de 2008, o que dá a impressão de processo mais acelerado. Ambos devem ser concluídos até o fim deste ano.
O Santander, hoje um dos maiores bancos do mundo, se fez por meio de compras ao redor do globo. A experiência internacional ajuda e o "big bang" será apenas a conclusão de um trabalho longo e que deve continuar mesmo depois de virar a chave. Por isso a cautela em definir a data da conversão. "Um dia a mais ou a menos num processo de dois anos não muda nada. Mas se fizermos errado, o impacto negativo é enorme", diz.
Até por conta do impacto que a mudança tem para o cliente, toda a parte visível aos correntistas, como os caixas eletrônicos e atendimento pelo site, tem recebido alterações sutis, ao longo do tempo. "Todo fim de semana alteramos alguma coisa", diz.
Os caixas eletrônicos já estão com a cara final que terão quando tudo estiver integrado. O site do Real também foi ganhando elementos aos poucos, para que o cliente se acostumasse com as novas funcionalidades. O cuidado é sempre de informar e fazer pesquisas de satisfação para avaliar como está a aceitação da clientela.
Mas uma alteração será bem visível: a morte da marca Real. A identidade visual das agências será alterada e o vermelho passará a ser visto com mais frequência. O banco também dará início a uma grande campanha publicitária para enfatizar a ideia "vamos fazer juntos", que culminará com a substituição por completo da marca Real. Quando for feito o "big bang", nem todas os pontos de atendimento estarão com a cara nova, mas o objetivo é concluir tudo neste ano.
Sai a marca, permanece a cultura. Esse pelo menos é o desejo da administração. No início da integração, foram mapeados processos e modelos que pudessem ser usados nos dois bancos. Em cada produto ou serviço, prevaleceu o que foi considerado mais apropriado para a nova instituição que aos poucos emergia da fusão.
Um ponto que impressionou os antigos funcionários do Real foi o pragmatismo e a visão de processos dos espanhóis. O Santander roda num compasso mais ágil, com menos burocracia e menos uso de papel. Já o Real trouxe a já consolidada visão de sustentabilidade, que luta para sobreviver dentro da nova instituição.
O primeiro ponto a ser totalmente unificado foi a diretoria, com pessoas dos dois bancos – o próprio presidente veio do banco comprado. Depois foram as áreas centrais, como análise de risco, recursos humanos, marketing, controladoria e compliance. Toda o setor de grandes empresas veio em terceiro lugar.
O processo já está bastante avançado também nos caixa eletrônicos, como 97% das operações já sendo feita nos dois bancos. O call-center começa a ser unificados em alguns pontos, mas o atendimento ainda é separado.
Todas as ações são planejadas dentro do chamado Escritório de Coordenação, comandado por Agallano. A área começou com doze pessoas, de diferentes áreas dos dois bancos. Hoje, são 110, mas Agallano ressalta que os 52 mil funcionários trabalham para que a integração ocorra.
No início, a previsão do Santander era de que os gastos somassem algo perto de R$ 1 bilhão, em dois anos de trabalho. Tudo corre dentro do esperado, mas alguns processos se mostram mais rápidos e os ganhos de sinergia apurados até agora somam R$ 1,1 bilhão, mais do que os R$ 800 milhões previstos para esse ponto do processo. Até 2011, são esperados ganhos acumulados de R$ 2,4 bilhões.
Concluídas essas etapas, os esforços se voltam para o "big bang". Agallano já definiu até como será a disposição das pessoas na sala de comando onde o processo será conduzido. Serão dois anos condensados em um único dia. Por isso muitos testes estão sendo feitos. Sempre calmo e demonstrando total controle sobre tudo o que apresenta, ele brinca apenas quando é perguntado sobre o que fará quando terminar a integração: "Estaremos prontos para comprar outro banco", diz, entre risos.
Fonte: Valor Econômico