Aposentados, recebedores de benefícios sociais e trabalhadores ativos, que compõem a parcela mais pobre da sociedade, serão sacrificados ainda mais no caso de reeleição de Bolsonaro, alerta o economista Eduardo Fagnani, professor da Unicamp
O ministro da Economia, Paulo Guedes, que conta com a recondução para o cargo, pretende acabar com a correção do valor do salário mínimo e da aposentadoria pela inflação passada, o que significa retomar uma prática da ditadura militar. O projeto joga no lixo um dos principais avanços da Constituição de 1988, que vinculou os benefícios previdenciários e sociais ao salário mínimo, alerta Fagnani na entrevista a seguir.
CartaCapital: Qual é o problema maior desse plano?
Eduardo Fagnani: Esta eleição é entre a ditadura e a democracia e o Bolsonaro já está apontando o caminho ditatorial. Por exemplo, quando ele quer mudar a composição do STF reeditando o Ato Institucional número 2 do período militar. Na questão da Previdência, é a mesma coisa. Quando você deixa de considerar o salário mínimo como base de referência para o reajuste das aposentadorias, está reeditando uma política da ditadura.
CC: Qual política?
EF: A Constituição de 1988 avançou em duas coisas importantes em relação à Previdência. A primeira foi a inclusão do trabalhador rural e a segunda, estabelecer que nenhum benefício pode ser inferior ao salário mínimo.
CC: Por que manter esse critério é importante?
EF: Porque os trabalhadores têm maior capacidade de se mobilizar pelo reajuste do salário mínimo, possuem maior poder de barganha do que os aposentados. O que acontecia antes? Não existia essa vinculação. E o que a ditadura fazia de modo recorrente? Reajustava as aposentadorias abaixo da inflação. Entre 1980 e 1984, quando teve crise cambial e inflação, o poder de compra dos aposentados foi reduzido em mais de 50%. Inclusive uma das mudanças proporcionadas pela Constituição de 1988 foi a recomposição da perda salarial ocorrida nesse período.
CC: Como ocorreu tamanha erosão do poder de compra das aposentadorias?
EF: Na ditadura, entre 1984 e 1985, mais da metade dos benefícios era inferior ao salário mínimo. O que a Constituição fez? Impediu que o benefício seja inferior ao salário mínimo. O piso passa a ser o salário mínimo. Ao planejar a desvinculação dos benefícios do salário mínimo, Guedes reedita mais uma política da ditadura.
CC: Quem são os prejudicados?
EF: Isso não afeta apenas os benefícios da Previdência Rural e Urbana. Prejudica também o auxílio desemprego e o Benefício de Prestação Continuada. Guedes ajudou a ditadura de Pinochet e suas medidas se espelham em políticas ditatoriais.
CC: Segundo o projeto de Guedes, o reajuste passaria a ser a partir de uma meta de inflação.
EF: Ele pretende reeditar aquela famosa política do arrocho salarial implantada com o golpe de 1964. O governo fazia uma previsão de inflação, que seria a base para o reajuste dos salários. Acontece que essa previsão era sempre inferior à inflação real. Por conta dessa manipulação, todos os anos o governo corroía o poder de compra dos salários. É que explica o fato de nas décadas de 1960 e 1970 o Brasil ter crescido como a China, mas com uma concentração brutal da renda.
Assim funcionou o arrocho salarial, e é basicamente o que vai acontecer, se o plano de Guedes for aprovado. Haverá uma profunda corrosão do poder de compra do aposentado rural, do aposentado urbano, dos beneficiários do seguro-desemprego e dos mais de 6 milhões de famílias que recebem o Benefício de Prestação Continuada e que tem renda familiar de até um quarto do salário mínimo.
CC: Quantas pessoas serão afetadas no total?
EF: Cerca de 45 milhões de pessoas sofrerão uma substancial perda pela corrosão do valor real desses benefícios sociais, que hoje tem um papel fundamental para mitigar a desigualdade.
CC: Como é a composição desse total?
EF: São cerca de 25 milhões de beneficiários da Previdência Urbana, 12 milhões da Previdência Rural, 6 do BPC, sem contar o seguro-desemprego.
CC: Sem contar as dezenas de milhões de trabalhadores ativos que serão afetados pelo arrocho.
EF: Sem dúvida. Além da Previdência, do seguro-desemprego, do Benefício de Prestação Continuada, vai afetar também mais de 30 milhões de pessoas que o salário mínimo.
CC: A medida pretendida por Guedes prejudicará, portanto, um total aproximado de 75 milhões de pessoas.
EF: Sim. São exatamente os mais pobres. A reedição do arrocho salarial vale também para os trabalhadores ativos que recebem salário mínimo. E quando arrocha o salário mínimo, comprime também os benefícios da Previdência.
Fonte: Carta Capital / Carlos Drummond