Bancários e trabalhadores de diversas categorias em todo país foram às ruas na última semana para unificar a luta em defesa dos empregos e direitos, da renda e o investimento com políticas públicas para conter a crise. As manifestações, reforçadas pelo 1º de Maio, dia do trabalhador, contou com atos descentralizados em todo território nacional promovidos pela Central Única dos Trabalhadores.
No HSBC, os bancários fizeram Dia Nacional de Luta denunciando o descaso do banco inglês com seus empregados e funcionários. Os do Grupo Santander foram às ruas contra as 3.300 demissões feitas pelo banco entre março de 2008 e 2009. Na Caixa, continua forte a adesão à greve dos bancários da carreira profissional, que já atinge 80% deste segmento de empregados do banco federal.
Dia do Trabalhador
Em 1º de Maio a CUT esteve ao lado dos trabalhadores realizando atos, caminhada, atividades culturais e a prestação de serviços à população, como Emissão de 1.ª via da carteira de identificação (RG), da carteira profissional, encaminhando pedidos de certidão de nascimento (daqueles que nunca tiveram esse documento), certidão de casamento e certidão de óbito.
Acompanhe abaixo a entrevista do presidente da CUT, Artur Henrique, ao jornal Valor Econômico. Ele falou sobre o Dia do Trabalhador e a postura da Central Única dos Trabalhadores frente à crise. Momento que exige politização.
Valor: A decisão da central de descentralizar a comemoração do 1º de Maio está relacionada à crise ou ao momento político?
Artur Henrique: Estamos vivendo essa época de crise e queremos aproveitar os shows para discutir a crise e as saídas da crise, a luta pelo emprego, pela renda. E o objetivo da descentralização era atingir um número maior de pessoas, principalmente daquelas que não tinham condição de vir para a avenida Paulista.
Valor: Em um ano pré-eleitoral, a central já definiu se continuará dando apoio ao PT?
Artur Henrique: Não necessariamente. O que temos consciência é que sofremos muito no governo Fernando Henrique, porque defendíamos ideias e propostas radicalmente opostas àquelas que foram implantadas no país na década de 1990. A CUT defendia um papel importante do Estado na economia e ele defendia que o Estado tinha que ser mínimo. Nós defendíamos que era preciso ter controle social sobre as empresas estatais, e ele defendeu a privatização. Nós defendíamos que era preciso respeitar os movimentos sociais e abrir canais de negociação. O governo Fernando Henrique Cardoso tratou o movimento sindical com polícia. Tivemos muitas dificuldades no governo FHC. Ao ser eleito o presidente Lula, tivemos uma mudança de relação. Não teve privatização, o Estado passou a ter um papel importante, os movimentos sociais e o movimento sindical foram respeitados como canal de negociação. O cenário mais provável para as eleições de 2010 é termos no segundo turno uma proposta de continuidade do projeto democrático popular e uma candidatura da oposição, representada pelo [José] Serra ou o Aécio Neves. O apoio ainda vai ser debatido, mas não tenho a menor dúvida de que a CUT vai orientar o voto pela continuidade do projeto democrático popular. Mas desde que aponte para mudanças.
Valor: Que tipo de mudanças?
Artur Henrique: Nós queremos avançar. Temos defendido que o próximo governo institucionalize os espaços de representação que foram conquistados no governo Lula para que se transformem em políticas de Estado e não apenas de governo. A plataforma da classe trabalhadora para as eleições de 2010 vai incluir a democracia direta, a regulamentação dos plebiscitos e referendos como instrumentos de participação. Claro que tem que ter um equilíbrio. Alguns países da América Latina estão fazendo da democracia direta instrumentos quase que corriqueiros de decisão, o que não dá para ser aplicado no Brasil pelo seu tamanho. Agora, o que não dá também é, em nome disso, ir para o lado da democracia representativa e só esperar que o Congresso resolva tudo. Questões ambientais, uso da energia nuclear, privatizações, isso deveria passar por processos de consulta popular.
Valor: A pré-candidata Dilma Roussef ainda não passou pelo crivo das centrais sindicais?
Artur Henrique: A Dilma teve uma trajetória de atuação em partidos de esquerda na luta contra a ditadura e pela democratização e depois teve uma atuação mais institucional como secretária de Energia do governo do Estado do Rio Grande do Sul e no governo Lula como ministra chefe da Casa Civil. Não é evidentemente uma sindicalista como foi o Lula, mas tem evidentemente outras qualidades. Acho que igual ao presidente Lula dificilmente vamos ter outro.
Valor: Os efeitos da crise global sobre o mercado de trabalho brasileiro surpreenderam?
Artur Henrique: Avaliamos que a crise atinge os setores de forma diferenciada na economia. Os setores que mais sofrem os impactos são aqueles voltados à exportação. A crise envolve o setor da agricultura, de commodities, de alimentação e o automobilístico. Esses são setores que necessitam medidas pontuais por parte dos governos. Por exemplo, a indústria automobilística retomou a produção a partir a redução do IPI. Agora o setor da construção retoma por conta de projetos de governo. Lógico que faltam medidas, como a redução continuada das taxas de juros e de spread bancário, e o fim do superávit primário no período da crise, a utilização dos bancos públicos como agentes de financiamento e fomento, a criação e continuidade de programas que geram emprego e renda.
Valor: E que balanço a CUT faz do seu próprio desempenho e do das demais centrais frente à crise?
Artur Henrique: Nós começamos a realizar atos de rua, mobilização, campanhas. No caso das negociações, estamos pressionando os governos. A luta para superação da crise não pode ser apenas uma luta em relação ao governo federal. Os governos estaduais também têm o seu papel e eles têm se omitido nesse debate. Continuamos com a defesa da renda, da valorização do salário mínimo. R$ 50 a mais no salário mínimo envolve 40 milhões de brasileiros e brasileiras que dependam diretamente dele. Com isso serão injetados R$ 20 bilhões a mais na economia neste ano. É um dinheiro que vai para o consumo. Temos ainda a proposta de democratização do Conselho Monetário Nacional que até agora não saiu do papel. E nas negociações com os empresários, a orientação da CUT é negociar ajuste dos salários pela inflação com aumento real.
Valor: A CUT chegou a negociar com governos estaduais redução tributária. Houve avanços?
Artur Henrique: Negociamos com o governo do Amazonas uma desoneração temporária de tributos em troca de garantia de emprego para o setor de duas rodas e de eletroeletrônicos. Estamos em negociação com os governos do Rio de Janeiro, Paraná e Minas Gerais, onde também há uma expectativa de construção de alguns acordos no sentido de ampliar esse enfrentamento da crise. Continuamos nessa briga.
Valor: O reconhecimento legal das centrais sindicais mudou o seu papel nessas negociações?
Artur Henrique: O reconhecimento trouxe um papel importante, que é debater assuntos de interesse geral da classe trabalhadora. E o aumento no número de filiados reflete na verdade o bom resultado das negociações e da situação do Brasil até setembro. Antes da crise, se tinha uma economia crescendo 5% ao ano, 1,6 milhão de novos trabalhadores com carteira assinada e o reflexo disso nas negociações salariais. Além de repor a inflação, 92% das categorias conseguiram aumentos reais. Isso teve reflexo no nível de sindicalização.
Valor: E no pós-crise?
Artur Henrique: A crise atinge os setores de forma diferenciada. Alguns estão retomando o emprego. Se a economia crescer 1% a 2% vamos ter aproximadamente 500 mil novos trabalhadores com carteira assinada. O Brasil precisa crescer 5% a 6% ao ano para gerar emprego suficiente para dar conta das pessoas que estão entrando no mercado e incluir quem já está desempregado. Outra preocupação é a alta rotatividade. Os empresários já internalizaram o custo da multa do FGTS. Em 2008, 16,5 milhão de pessoas foram contratadas e 15 milhões foram demitidas. Por isso a nossa luta em defesa da ratificação da Convenção 158 da OIT, que proíbe a demissão imotivada, e a luta pela redução da jornada sem redução de salário. São bandeiras que defendemos para minimizar os efeitos da crise.
Fonte: Contraf/CUT