“Entre os meus defeitos não está a deslealdade e a covardia. Não traio os compromissos que assumo, os princípios que defendo ou os que lutam ao meu lado (…) Aos quase 70 anos de idade, não seria agora, após ser mãe e avó, que abdicaria dos princípios que sempre me guiaram.” As palavras são da presidenta eleita em 2014, Dilma Rousseff (PT), em pronunciamento diante do Senado Federal no dia 29 de agosto de 2016, enfrentando um plenário que votaria pela sua queda, dois dias depois.

Há um ano, Dilma defendeu sua permanência por 45 minutos, diante de parlamentares que, nas palavras dela, votariam independente dos argumentos da defesa. “Não há respeito ao devido processo legal quando julgadores afirmam que a condenação não passa de uma questão de tempo”, completou. A ex-presidenta já estava afastada do cargo desde 12 de maio daquele ano, quando o Senado aceitara a continuidade do processo, após aprovação no plenário da Câmara no dia 17 de abril.

Depois de sua intervenção, respondeu ainda a mais de 50 questionamentos, ante defensores e acusadores. Os senadores confirmariam o afastamento de Dilma, cassando seu mandato no dia 31 de agosto, por um placar de 61 votos favoráveis ao impeachment a 20 contrários.

No momento de sua defesa pessoal, a ex-presidenta apontou para caminhos que se concretizariam no governo de Michel Temer (PMDB). “O que está em jogo são as conquistas dos últimos 13 anos: os ganhos da população, das pessoas mais pobres e da classe média, a proteção às crianças, os jovens chegando às universidades e às escolas técnicas, a valorização do salário mínimo, médicos atendendo a população, realização do sonho da casa própria.”

Em nota, a representação do PT no Senado observa a confirmação das previsões. “De fato, o que se viu nesse último ano foram cortes no Bolsa Família, redução do orçamento das universidades e de programas como o Fies, a transformação do Minha Casa Minha Vida em programa para ricos e o fechamento de farmácias que vendiam remédios a preços populares. Também contrariando as promessas dos golpistas, o salário mínimo teve uma mesquinha redução de R$ 10, enquanto o desemprego atingiu cerca de 14,2 milhões de trabalhadores.”

Um mês depois, a ex-presidenta entrou com mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal.

Outro ponto de seu discurso foi a afirmação de sobre riscos à soberania nacional diante de uma possível agenda entreguista do governo posterior. “O que está em jogo é, também, a grande descoberta do Brasil, o pré-sal.” Já em outubro, o governo articulou a aprovação de um Projeto de Lei (agora Lei 4567/16) de autoria do senador José Serra (PSDB), na época ministro das Relações Exteriores de Temer, que modificou o regime de exploração do pré-sal, que, de acordo com a oposição, “abriu o caminho para a futura privatização da Petrobras”, além de promover “perda de arrecadação da União”.

O discurso de Dilma repercutiu nos maiores veículos e periódicos do mundo, que destacaram sua atitude firme diante de um tribunal que já havia tomado sua decisão antes mesmo da apresentação das provas. “Dilma fez alusão ao fato de que ela continua a ser rara entre as principais figuras políticas brasileiras: não foi acusada de enriquecer-se ilegalmente, em contraste com uma ampla gama de legisladores que procuram sua expulsão”, disse o jornal norte-americano The New York Times, que destacou a frase da ex-presidenta: “Não esperem de mim o silêncio obsequioso dos covardes”.

O jornal conservador argentino Clarín apresentou uma cobertura sem julgamentos de méritos, dando destaque às acusações de Dilma de ser vítima de um golpe, e que todo o processo teve início em razão de a petista não ter cedido à chantagens do ex-presidente da Câmara e ex-deputado, cassado, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que hoje cumpre pena em regime fechado por crimes de corrupção. “Ele queria que eu dissesse que o meu partido votaria a seu favor na Comissão de Ética e eu neguei”, disse Dilma em fala destacada pelo periódico.

“Arquitetaram a minha destituição, independentemente da existência de quaisquer fatos que pudessem justificá-la perante nossa Constituição”, disse a ex-presidenta. “Encontraram, na pessoa de Eduardo Cunha o vértice da sua aliança golpista. Articularam e viabilizaram a perda da maioria parlamentar do governo. Situações foram criadas, com apoio escancarado de setores da mídia, param construir o clima político necessário para a desconstituição do resultado eleitoral de 2014. Todos sabem que este processo de impeachment foi aberto por uma chantagem explícita do ex-presidente da Câmara”, completou.

Um mês depois, em 29 de setembro, Dilma entrou com mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF), contestando a legalidade do julgamento político, sem provas de crime, e pedindo a sua anulação. Sorteado para analisar a ação, o ministro Alexandre de Moraes não se declarou suspeito para a tarefa – embora tenha se beneficiado da deposição de Dilma quando seu partido, o PSDB, derrotado nas urnas, passou a fazer parte do governo.

Moares ocupou o Ministério da Justiça antes de ser indicado para substituir Teori Zavascki no STF. Teori, relator dos processos da Lava Jato na Corte, morreu em 19 de janeiro deste ano em acidente aéreo de causas até hoje não explicadas. Alexandre mantém o mandado de Dilma em sua gaveta há 11 meses.

 

Foto: Lula Marques / AGPTPor 45 minutos, Dilma defendeu o seu mandato diante de senadores que a cassariam ‘de qualquer jeito’