A crise já chegou ao Brasil e seus efeitos poderão ser graves. É prudente a postura pessimista na análise, para se entender suas dimensões e seus efeitos, bem como o otimismo na ação para envidar todos os esforços para desviar o país das possibilidades desse cenário indesejável. Não será o otimismo da análise que nos afastará dos problemas, mas sim o pleno reconhecimento da gravidade do problema e uma ação corajosa de enfrentamento cotidiano e coordenado.

Não se conhece exatamente o tamanho da crise, pois sua base está no sistema financeiro paralelo, sem regulação, que promoveu uma alavancagem financeira, porém fictícia, da economia real. Há um longo ajuste pela frente em que a recessão é o mecanismo conhecido pelo mercado para resolver esse problema. A festa acabou com
gravíssimas consequências para a produção, para os Estados e para a população. Os prejuízos poderão ser incalculáveis e o mercado financeiro não enfrentará sozinho esse problema.

O Brasil corre sérios riscos de ter os mesmos efeitos sobre a economia real, apesar de não estar no centro da crise. Com uma economia interna forte, hoje o país está integrado ao mercado internacional e as relações comerciais desempenham papel relevante na estratégia de crescimento. O freio na economia mundial já traz graves efeitos à nossa realidade: a redução do crédito, que já foi sentida internamente; os efeitos sobre as exportações são visíveis, com possíveis reflexos no balanço de pagamentos; os estoques aumentaram e os pedidos rarearam. Os sinais de desemprego já aparecem, com demissões nas grandes empresas.

E será pior, se houver queda na renda, pois criará dificuldades para as famílias honrarem o crediário, o que acarretará inadimplência e efeitos para as empresas e o sistema financeiro. O resultado poderá ser a redução do ritmo do crescimento econômico ou a recessão, à semelhança do que já ocorre nos países centrais.

O Brasil tem sido teimoso e cresce há dezenas de trimestres continuadamente acima do PIB potencial. Recuperou-se a relação saudável entre crescimento e desenvolvimento, ainda que insuficiente diante do enorme déficit social aqui presente. As desigualdades se reduziram lentamente, a renda dos mais pobres cresceu e parte do
contingente de excluídos passou a participar do mercado consumidor. As empresas voltaram a ter projetos de investimento e a curva dos lucros acelerou. A demanda por trabalho retornou, as ocupações cresceram, com maior formalização nas relações de trabalho. A partir do crédito para o investimento, consumo, agricultura familiar e habitação, as empresas e famílias puderam recuperar a visão prática de futuro e de planejamento.

As políticas de renda, em especial o bolsa família, e de valorização do salário mínimo, a vigorosa geração de empregos e os resultados conquistados pelos sindicatos nas negociações coletivas fizeram crescer a massa de rendimentos disponível. Criou-se um ciclo de revitalização do mercado interno, onde o consumo das famílias e os investimentos públicos e privados formaram a base do nosso crescimento econômico recente.

Vamos perder tudo isso? Temos chance de construir caminhos alternativos para transitar pela crise, absorvendo seus efeitos e conduzindo o país por um caminho que mantenha um nível razoável de crescimento? A resposta é sim, há alternativas, cuja base política é uma ação corajosa e vigorosa de coordenação e articulação que mobilize os agentes econômicos para objetivos e metas bem definidos, e ações constantemente avaliadas. Missão do Estado, tarefa de governo.

O ponto de partida é considerar que a superação das mazelas pode ser uma estratégia de transição durante este período crítico. As carências de infra-estrutura, habitação, saneamento e transporte, bases para o crescimento econômico, podem dar racionalidade produtiva ao investimento público e privado ao fazer obras necessárias a um novo estágio de desenvolvimento. Tudo o que for feito neste sentido tem utilidade estratégica no curto e no longo prazo.

O desafio é a continuidade do crescimento, com a meta de, no mínimo, um aumento do PIB de 3,5% – o que, diante da crise, não será pouca coisa. Para isso, é necessária a manutenção de taxas positivas de investimento produtivo, público e privado. Por outro lado, o acesso ao crédito no mundo ficou e permanecerá mais difícil e o custo do capital vai aumentar. Aqui reside um desafio para as políticas públicas de crédito.

Deve-se aproveitar nossa nova solidez econômica para atrair capitais, bem como articular ações de aporte ao crédito, com forte participação do BNDES, dos bancos públicos e a colaboração decisiva do sistema financeiro nacional.

Sustentar a demanda interna de consumo é tão importante quanto viabilizar o investimento. Nessa perspectiva, a manutenção da renda por meio do emprego é fundamental, bem como as políticas de transferência de renda e de valorização do salário mínimo. A chance de esta renda ser usada para consumo é alta e serve para manter o vigor do mercado interno, sendo, ao mesmo tempo, de alto impacto em termos de justiça social. O emprego e a renda permitirão que não ocorra inadimplência no crediário, evitando mais esse tipo de crise na economia real e mantendo a segurança para o crédito futuro.

O sucesso dessa estratégia depende da capacidade de intervenção econômica do Estado. Para isso, é essencial que se reduza o superávit primário, dando folga ao orçamento público para as inversões que as medidas exigem. A redução da taxa primária de juros é essencial para gerar conforto orçamentário e animar os agentes econômicos, sinalizando para uma ousada ação no sentido de políticas anticíclicas.

Além do incremento de políticas de proteção ao desemprego – aumento do número de parcelas do seguro desemprego e formação profissional -, há a possibilidade de adoção de medidas provisórias de ajuste tributário que facilitem a vida das empresas neste período de crise.

É fundamental que esteja clara para a sociedade a prioridade de se manter o crescimento sustentado na demanda interna, com forte intervenção econômica do Estado e decisiva ação para preservar o emprego e a renda, em especial a dos mais pobres.

Há a exigência de ação rápida na construção desse plano estratégico, pois os efeitos da crise são diversos e ocorrem em uma velocidade muito alta. O momento permite fortalecer a capacidade de diálogo social e de compromisso com o futuro. Pode-se também aprender a desenhar coletivamente novas estratégias de desenvolvimento para quando essa crise fizer parte do passado.

Artigo de Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Econômicos) e membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES)

Fonte: Contraf – CUT