A redução agressiva dos juros é um dos grandes trunfos de que dispõem o Banco Central (BC) e o governo para combater os efeitos da crise sobre o Brasil, avalia a esmagadora maioria dos analistas. Acelerar o investimento público e promover desonerações tributárias também são iniciativas bem-vistas, mas há dúvidas quanto ao espaço fiscal disponível para isso – e, no caso do aumento das inversões, existe incerteza quanto à capacidade do Executivo de intensificar o ritmo das obras.

Das medidas já adotadas, o corte do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) dos automóveis foi a que mostrou os resultados mais claros até agora – em janeiro, as vendas de veículos aumentaram com força em relação a dezembro. Outras iniciativas não foram bem-sucedidas, como as voltadas para destravar o crédito, ou ainda não tiveram tempo para produzir efeitos sobre a economia, como a elevação do orçamento de 2009 e 2010 do BNDES em R$ 100 bilhões.

O economista-chefe da corretora Convenção, Fernando Montero, diz que o Brasil tem hoje duas grandes distorções: os juros astronômicos e o nível dos gastos públicos. Para ele, é preferível corrigir o primeiro problema, reduzindo a taxa Selic, do que elevar as despesas do governo, já bastante altas.

O economista David Kupfer, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), vê um amplo espaço para baixar a Selic. Ele lembra que, desde o agravamento da crise, em setembro, o BC só reduziu a taxa em 1 ponto percentual, para 12,75% ao ano. "Isso mostra que falta ousadia para o BC."

Em resumo, tanto um economista mais ortodoxo como Montero quanto um mais desenvolvimentista como Kupfer veem a possibilidade de quedas mais fortes da Selic. A diferença de diagnóstico é quanto ao que fazer com a política fiscal. Montero acha, como o ex-diretor do BC Ilan Goldfajn, que o governo deve ser comedido nos gastos públicos, ou vai tirar a margem de manobra do BC para diminuir a Selic. "O Brasil é um dos poucos países do mundo com espaço considerável para agir no lado monetário", reforça Goldfajn, hoje sócio da Ciano Investimentos.

Já economistas como Kupfer e Fernando Sarti, da Unicamp, defendem uma combinação de medidas fiscais e monetárias para combater a crise. Eles aplaudem o aumento de 12% do salário mínimo, que vai injetar R$ 22 bilhões na economia. "É uma medida importante de estímulo à demanda, num momento em que há aumento de desemprego e, com isso, perda de renda", afirma Sarti.

O ex-presidente do BC Gustavo Loyola, sócio da Tendências Consultoria Integrada, considera o aumento exagerado. "Isso causa um ônus muito elevado para a Previdência", afirma ele. Dois terços dos benefícios do INSS são atrelados ao salário mínimo.

Uma das medidas mais importantes anunciadas até o momento foi a elevação do orçamento do BNDES em R$ 100 bilhões. Sarti e Kupfer elogiam a iniciativa, por reiterar o compromisso do governo com o crescimento. Para o professor da Unicamp, ela é positiva por concentrar os recursos num banco com capacidade de selecionar projetos de investimento com "agilidade e qualidade".

Goldfajn e Loyola, por sua vez, veem a medida com desconfiança. O primeiro lembra que há um subsídio aí – dado pela diferença entre o custo do Tesouro na operação, a Selic, e o que o BNDES vai pagar pelos recursos. Loyola tem preocupação quanto aos critérios que serão usados nos empréstimos. Para Montero, é outra medida que pode tirar espaço da redução da Selic. Ao aumentar a presença na economia do crédito direcionado (como os empréstimos do BNDES), feitos com base na Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), diminui a margem para a queda do juro básico, diz.

O aumento do investimento público na crise é bem-vindo pelos dois grupos de economistas. O governo tem prometido que fará isso por meio da intensificação do ritmo do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Kupfer ressalta que as inversões em infra-estrutura são um "importante dinamizador da demanda". Ele tem dúvidas, porém, quanto à capacidade de o governo acelerar a velocidade de execução da obras. O ortodoxo Goldfajn também gosta da ideia de elevar investimentos, mas tem outra preocupação em mente: "De onde vai sair o dinheiro? Haverá cortes de gastos correntes?"

A desoneração tributária também é uma opção que os analistas recomendam ao governo. Kupfer acha que a redução dos tributos sobre o investimento é uma boa alternativa. Uma questão é se existe espaço para isso, dado que haverá queda de receitas e o governo já contratou elevados aumentos de despesas, observa Montero. A redução do IPI para automóveis é encarada mais como uma medida de impacto temporário, que estimulou o consumo e serviu para a indústria desovar os estoques. Não deve ser algo permanente.

Em estudos no governo, o pacote de incentivo à construção de 500 mil casas populares é uma medida considerada inteligente. "É um vetor de demanda fundamental, num setor que emprega muito", diz Sarti. Loyola acha a iniciativa positiva, dada à importância do segmento. "Mas é necessário que seja algo focado e transparente."

Promovidas pelo BC desde o começo do agravamento da crise, as reduções dos depósitos compulsórios dos bancos são avaliadas como muito positivas. O problema é que elas ainda não destravaram o crédito, como diz Sarti. Para ele, é fundamental redobrar os esforços para reduzir os spreads (a diferença entre o que o banco paga para captar recursos e o que cobra para emprestar), fazendo os bancos públicos baixarem as taxas.

Loyola apoia a queda dos compulsórios, mas não acha que o governo deve obrigar os bancos públicos a reduzir os spreads, em um momento de aumento do risco na economia. "Isso pode gerar uma safra de operações de crédito de qualidade ruim." A queda da Selic, segundo ele, é uma das formas de induzir a redução dos juros, ainda que o efeito não seja imediato.

Fonte: Valor Econômico