Desde que o Bank of America anunciou a compra do Merrill Lynch, em setembro, empresários, governo e banqueiros brasileiros se perguntam o que será feito da operação no Brasil. Afinal, durante sua história no país, o Bank of America vendeu duas vezes seus negócios. Restou participação de 7,36% no Itaú que se transformou em 5,43% após a compra do Unibanco e que não pode ser vendida até setembro. A Merrill Lynch, por seu lado, ainda no início de 2008, sob o comando do ex-presidente John Thain, havia acabado de fazer um investimento caro no Brasil. Tirou do UBS Pactual o hoje presidente do banco no país, Alexandre Bettamio, e seu time e contratou executivos do Credit Suisse.

A resposta para a pergunta finalmente foi dada e contraria a expectativa geral. Agora que o pior da crise parece ter passado, depois de várias visitas de Bettamio à sede do Bank of America, em Charlotte, Carolina do Norte, nos Estados Unidos, para "vender" o Brasil, o banco decidiu ampliar suas atividades no país. "Também comecei descrente, pois o banco estava em situação difícil e o histórico no país jogava contra", diz Bettamio.

Sob a marca Bank of America Merrill Lynch, a ideia é criar um banco de atacado: crescer o banco de investimento mas também passar a conceder crédito corporativo, inclusive em reais. Adicionalmente, será oferecido o serviço de gestão de caixa para companhias brasileiras, uma especialidade histórica do Bank of America, e criada a área de gestão de fortunas no mercado interno.

Os planos já foram explicados ao Banco Central. Recentemente, Bettamio foi chamado a Brasília para conversar com Alexandre Tombini, diretor de normas e organização do sistema financeiro do BC, e Luiz Feltrim, chefe do departamento de organização do sistema financeiro. O Bank of America Merrill Lynch vai precisar obter uma nova licença do BC, de banco múltiplo, para poder operar com crédito e outros produtos e serviços.

Mesmo antes de comprar o Merrill Lynch, o Bank of America fornecia linhas de crédito externo para empresas brasileiras. Participava de empréstimos sindicalizados e atuava no financiamento à exportação. Segundo Bettamio, a estratégia inicial será continuar a emprestar em dólares e contabilizar o crédito no balanço do conglomerado no exterior. Depois, serão ampliados os empréstimos em reais. O banco pretende realizar empréstimos-ponte e derivativos.

Foram selecionadas 30 empresas de diversos setores e tamanhos com quem o banco pretende aprofundar seu relacionamento, diz Bettamio, que fez carreira como banqueiro de investimento e agora se vê à frente de uma instituição que também quer atuar no crédito corporativo. Ele já está selecionando cinco a seis pessoas especificamente para começar a área corporate. Trará também um executivo responsável pela área de avaliação de risco de crédito no país. Agora, o Bank of America Merrill Lynch vai precisar de um comitê de crédito no Brasil. Segundo Bettamio, o limite para o país foi ampliado em 20% na comparação com a soma do que estava no balanço da Merrill Lynch e do Bank of America.

Para dirigir a área de gestão de fortunas local já foi designado Andres De Corral, que vai contratar outros assessores financeiros e preparar o lançamentos de produtos e fundos específicos para o país, a prioridade do banco nessa área na América Latina. De Corral está há 24 anos na Merrill Lynch e era responsável pela área de vendas em gestão de fortunas para toda a América Latina.

Em abril, o banco deliberou um aumento de capital de R$ 182 milhões para o país e outros virão. Hoje, o Bank of America Merrill Lynch tem um patrimônio líquido de R$ 900 milhões e ativos de R$ 2,8 bilhões no Brasil.

Fortemente abalada pela crise internacional, a Merrill Lynch passou um período difícil no Brasil desde meados do ano passado. Logo após a contratação de Bettamio e dos novos executivos por valores milionários, veio a crise externa que deprimiu os mercados e reduziu os negócios para os bancos de investimento. Descontentes com as mudanças no banco e com a saída do ex-presidente local, Richard Rainer, e criticando a direção em Wall Street, alguns talentos da turma antiga deixaram a instituição. A crise de crédito e dos derivativos cambiais forçou o banco a renegociar com empresas clientes e gerou desgaste. Mas, agora, o banco está saneado, com um novo time mais coeso e pronto para crescer, acredita Bettamio.

Desde o início da crise em 2008 até hoje, deixaram o banco um total de 85 profissionais. Mas 69 dessas vagas voltaram a ser preenchidas. Animado com o apoio da matriz americana, Bettamio acredita que deverá contratar um total de 35 a 40 novos profissionais, incluindo nove que virão do Bank of America.

Essas contratações contemplam a área de banco de investimento, que terá mais quatro executivos, sendo dois de nível sênior. Deverão crescer a área de suporte interno, sob os cuidados de Robert Kozmann, e de pesquisa e análise, que continua sob o comando de Pedro Martins. Fabio Resegue é o responsável pela área de ações – ficou no lugar de Ricardo Lanfranchi, hoje no Barclays. Juca Andrade ficou com a área de renda fixa.

"Todas as contratações serão feitas em São Paulo e provavelmente em 2010 devemos expandir nosso espaço físico também", conta Bettamio. "É uma agenda bem positiva em andamento no fortalecimento da estrutura local", diz. O banco hoje possui 280 profissionais no banco de investimento, mesa de renda fixa (tesouraria e produtos estruturados), ações, pesquisa e suporte.

Segundo Bettamio, desde a sua entrada no banco foram realizadas transações de US$ 12 bilhões de fusões e aquisições, emissão de ações e de dívida sob a assessoria da Merrill Lynch. Sempre franco, ele admite que nos últimos seis meses foi difícil "manter a moral da equipe elevada e motivar as pessoas" com toda a crise e indefinição que cercou o banco. "Agora as coisas mudaram, porque os planos foram aprovados pelo comando do Bank of America."

Fonte: Valor Econômico / Cristiane Perini Lucchesi e Vanessa Adachi