O Brasil ingressou numa rede internacional de operações de combate a cartéis, o que deve levar ao aumento de operações de busca e apreensão de documentos na sede de filiais de multinacionais no país. A novidade propiciada por essa rede é que, agora, as multinacionais que sofrerem essas operações na Europa e nos Estados Unidos passam a correr o risco de flagrantes da Polícia Federal.

A rede funciona por contatos constantes entre as autoridades antitruste do Brasil e de outros países. A Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça iniciou, neste ano, diálogos semanais com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos – órgão responsável por investigar os cartéis naquele país. Com isso, se os americanos identificam um cartel de multinacionais, eles informam a SDE, que inicia a investigação aqui. Contatos semelhantes

estão sendo mantidos com as autoridades da Europa.

O ideal é que as operações de busca de documentos e provas do cartel ocorram simultaneamente em todos os países e esse é um dos pontos principais que são tratados nessas conversas. Por isso, as autoridades mantêm, cada uma, a própria investigação. Seguem trocando informações, relatam uma a outra o que foi descoberto em cada país e discutem as possibilidades de operações de combate ao cartel "em tempo real".

A ação simultânea evita, por exemplo, que uma multinacional recém-afetada por uma operação nos Estados Unidos tenha tempo de destruir as provas que comprovam a extensão do cartel para Europa e Brasil. "É um divisor de águas", disse Ana Paula Martinez, diretora do Departamento de Proteção e Defesa Econômica da SDE.

A primeira operação simultânea de combate a cartéis envolvendo o Brasil ocorreu em 17 de fevereiro, quando mais de 60 pessoas, entre agentes da Polícia Federal, integrantes do Ministério Público e técnicos da SDE, entraram na sede de empresas de compressores – aparelhos utilizados no resfriamento de geladeira, ar-condicionado e bebedouro. Enquanto os agentes se movimentavam no interior de São Paulo e de Santa Catarina, onde estavam localizadas as filiais de multinacionais suspeitas de cartel, autoridades europeias e americanas também invadiram as sedes dessas companhias na Alemanha, na Dinamarca, na Itália e nos Estados Unidos.

O Brasil teve um papel chave nessa operação porque boa parte dos documentos que comprovariam o cartel estavam nas filiais das empresas aqui. Isso revela uma prática recorrente em cartéis internacionais: eles procuram retirar as provas de países com tradição em punições antitruste, caso dos americanos e europeus. Daí, a necessidade de o Brasil ingressar nessa rede para que as provas sejam colhidas simultaneamente em vários países. "Queremos evitar que companhias estrangeiras incluam o Brasil em seus cartéis", afirmou Ana Paula. Para isso, essa prática de operações transnacionais contra cartéis deverá se repetir em outras ocasiões no futuro.

A diferença entre a realização de uma operação no Brasil e no exterior pode dificultar o trabalho das autoridades. Em 2007, a SDE realizou uma operação contra um cartel internacional de mangueiras marítimas – usadas para transportar petróleo e produtos derivados para navios. A operação de busca e apreensão de documentos contra as empresas foi realizada em maio nos Estados Unidos, mas apenas em agosto no Brasil.

O atraso no Brasil ocorreu porque a SDE estava negociando a forma da operação com uma das companhias que delataram o cartel, enquanto os americanos avaliaram a necessidade de desbaratá-lo imediatamente.

Já o caso do cartel das vitaminas é um exemplo das dificuldades em condenar cartéis internacionais em diversos países. O cartel foi condenado nos Estados Unidos, em maio de 1999, depois da delação de uma das empresas envolvidas. No Brasil, houve uma intensa discussão no Cade se as provas se resumiriam ao que foi coletado pelas autoridades americanas ou se reuniões ocorridas entre as companhias aqui serviriam para confirmar o cartel. Ao fim, o cartel foi condenado em abril de 2007 pelo Cade, mas as penas se limitaram às companhias internacionais (e não atingiram as filiais no Brasil).

A parceria entre o Brasil e os Estados Unidos foi elogiada por Scott Hammond, responsável pela Divisão Antitruste Criminal do Departamento de Justiça americano. Ele recomendou, num encontro da OAB daquele país – a American Bar Association – que as empresas incluam o Brasil sempre que assinarem acordos de delação de cartéis. "Empresas envolvidas na prática de cartel deveriam procurar a SDE para firmar acordos de leniência."

Para o presidente do Cade, Arthur Badin, isso mostra que o Brasil obteve o reconhecimento de outros países para intensificar essas operações simultâneas. "Esse tipo de atuação conjunta é essencial para aumentar a eficiência do combate aos cartéis internacionais", disse. Atualmente, há 11 acordos desse tipo em negociação na SDE e 300 investigações de cartéis e práticas anticompetitivas em curso. No ano passado, o Cade concluiu 134 investigações, número superior ao de 2007 (90). Em 2006, fora, encerradas 21 investigações.

Para as empresas, há pré-requisitos importantes para a delação dos cartéis. Juliana Oliveira Domingues, do L.O. Baptista Advogados Associados, adverte que a informação prestada sobre o cartel deve ser inédita e verdadeira, confirmando a infração. "Logo, as informações deverão ter credibilidade, implicando a confirmação dos dados fornecidos."

Guilherme Ribas, do Machado Associados, acredita que o papel do advogado vai mudar significativamente nesse cenário de cooperação entre a SDE e os órgãos de investigação de outros países. "O grande desafio será a cooperação, pois as legislações são distintas e no Brasil ainda não há jurisprudência farta a respeito dos efeitos da concessão da leniência", disse. Ribas adverte que nos Estados Unidos os processos são de natureza criminal, enquanto no Brasil são de natureza administrativa.

Para Eduardo Molan Gaban, do Sampaio Ferraz Advogados, um dos desafios é que as empresas cumpram os acordos em todos os países. "De nada adianta assinar acordo de leniência na Alemanha, por exemplo, e se estender ao Brasil, se aqui não houver envolvimento dos executivos ou funcionários da unidade brasileira."

Fonte: Valor Econômico / Juliano Basile, de Brasília