Seis meses de crise foram suficientes para mudar o perfil do crédito. A forte expansão das carteiras dos últimos anos, feita com taxas de juros em queda e prazos mais longos, perdeu força e os bancos voltaram a oferecer linhas mais caras e curtas.
Para as empresas, o prazo médio do capital de giro, em janeiro, bateu em 384 dias, recuo de 21% (104 dias) em relação ao patamar de janeiro do ano passado. Nesse mesmo período, os juros subiram 7,4 pontos percentuais, sendo 3,2 desde o agravamento da crise dos mercados globais, em setembro, para 36,8% ao ano (prefixada).
Para as famílias, as linhas mais longas e baratas continuam desacelerando. O saldo para financiamento de veículos (incluindo leasing) está praticamente no mesmo patamar desde setembro (queda de 0,2%) e o prazo para compra do usado voltou a cair, de 51 para 48 meses, em fevereiro (dados da Assovesp).
Já as concessões mensais de empréstimos consignados caíram 14,1%, em janeiro, em comparação com o mesmo mês do ano anterior (10,16% em relação a setembro de 2008).
Enquanto está mais difícil acessar recursos com prestações longas, o aumento da inadimplência faz com que as pessoas recorram a linhas de auxílio rápido para cobrir o orçamento familiar. O uso do cheque especial, cujas taxas estão em 170% ao ano, avançou 9% em relação a janeiro do ano passado. O giro mensal do rotativo do cartão de crédito cresceu 43,7% nesse período (23,7% desde setembro), puxado pelas compras de Natal.
A participação dessas duas modalidades no total de concessões mensais, que vinha recuando nos últimos anos – chegou a representar 54% do total -, voltou a subir. Em janeiro respondeu por 66% dos recursos destinado às pessoas físicas.
Essa mudança estrutural, tanto para consumidores quanto para empresas, se deve à postura mais conservadora dos bancos em meio às incertezas. Com menos recursos no mercado externo, que garantiam o funding mais longo, as instituições preferem reduzir a oferta, se valendo de prazos mais curtos, spreads mais altos e maior rigor na concessão. Optam, também, por manter recursos em caixa para evitar problemas de liquidez.
Esse novo contexto surgiu de uma forma muito rápida, desde a quebra do banco americano Lehman Brothers, em 15 de setembro de 2008. Seis meses depois, o estoque de crédito no Brasil, que até meados de 2008 vinha crescendo a taxas superiores a 30%, permanece praticamente no mesmo patamar – o crédito com recursos livres para pessoas físicas cresceu em termos anuais 2,5%. Para empresas, o avanço anualizado foi de 12,8%.
"Antes da crise, o crédito para empresas crescia 35% em bases anuais. O simples fato de sair de 35% para zero é um baque muito grande para as empresas", analisa Júlio Gomes de Almeida, professor da Unicamp e ex-secretário de política econômica do Ministério da Fazenda.
Por conta do cenário adverso, Almeida espera um crescimento quase "vegetativo" para o crédito, não maior do que 5% nesse ano. "É importante analisar que o crédito hoje é mesmo de quatro meses atrás, mas tem mais gente disputando os mesmo recursos. Quando a empresa não encontra crédito, não fica parada, ela empurra para o fornecedor ou para o cliente, quando pode fazer isso, ou reduz o nível de atividade."
Duas medidas poderiam ser tomadas, segundo ele, para amenizar a situação. A primeira seria uma redução mais acentuada da Selic, na reunião do Copom que começa hoje, para reduzir o custo de atratividade de não emprestar. Além disso, deveria haver uma alguma vinculação entre a liberação dos compulsórios por parte do Banco Central e o empréstimo de recurso para a população.
Parte da desaceleração se deve ainda ao menor apetite dos bancos médios, que atendiam as empresas de pequeno e médio porte, e das financeiras, no caso das famílias. Até mesmo os varejistas reduziram a oferta, seja porque está mais difícil para o comércio fazer a ponte com o crédito bancário, hoje escasso, seja porque a inadimplência em alta reduziu a atratividade dessas operações.
Há também uma clara substituição dos bancos comerciais pelo BNDES na concessão de empréstimos. Enquanto o saldo de operações com recursos livres cresceu 4,1%, desde setembro, as operações feitas diretamente pelo banco de desenvolvimento (sem repasse) avançaram 18,3%.
Da mesma forma, os bancos públicos têm atuado para tentar minimizar esses efeitos. O estoque de empréstimos dessas instituições avançou 8,2% no período, enquanto os privados cresceram 2,7% e os estrangeiros, 3,5%. Antônio Sérgio de Carvalho Rocha, gerente executivo da diretoria de micro e pequenas empresas do Banco do Brasil, destaca que na instituição não houve redução de prazo, carência ou aumento de exigências.
Fonte: Valor Econômico / Fernando Travaglini