É principalmente com estímulos ao crédito que o governo Lula vem reagindo à crise que se alastrou pelo mundo a partir de meados de setembro de 2009 para evitar uma desaceleração maior da economia brasileira.

Se forem somadas as cifras anunciadas desde estão, as medidas mais diretamente voltadas a manter ou elevar a oferta de empréstimos e financiamentos bancários às pessoas e, sobretudo, às empresas já envolvem mais de R$ 280 bilhões, segundo levantamento feito pelo Valor. Esse montante inclui a liberação de depósitos compulsórios, o orçamento reforçado do BNDES este ano, as desonerações tributárias, o pacote habitacional, e várias linhas de crédito liberadas pelos bancos oficiais, entre outras.

O impacto dessas medidas no volume ofertado ao mercado financeiro é incerto. Nem todo esse dinheiro vai virar crédito e o uso efetivo desses recursos e das medidas depende de diversas variáveis, não é simples, tanto que nem o governo calculou seu alcance. Ainda assim, a soma e a quantidade de medidas adotadas indicam a magnitude do esforço de um governo que trabalha focado em como recuperar o ritmo da expansão econômica, inclusive por razões políticas. Há pressa não só porque a situação e os agentes econômicos exigem, mas também porque o presidente Lula cobra isso com veemência de sua equipe. Ele sabe que terá menos chance de fazer seu sucessor nas eleições presidenciais de outubro de 2010, se, até lá, não houver alguma recuperação da velocidade de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Apesar do último trimestre, que já foi afetado pela crise, em 2008, o PIB aumentou 5,1%.

O governo brasileiro também vem reagindo ao terremoto sofrido pela economia global com desonerações tributárias. Nessa área, contudo, o espaço de atuação é menor pela combinação entre a rigidez do orçamento fiscal e da seguridade (mais de 85% das despesas primárias são obrigatórias e não podem ser cortadas) e pela frustração que a desaceleração na atividade econômica provocou nas expectativas iniciais de arrecadação para 2009. A redução do crescimento afetou o faturamento das empresas e, assim, a base de tributação. Somando o impacto ocorrido ainda em 2008 com o que se espera para 2009, as medidas de alívio tributário anunciadas desde setembro já implicam renúncia de R$ 13,4 bilhões, parte delas de caráter temporário. As medidas de maior impacto, entretanto, continuarão a surtir efeito também nos anos seguintes, caso das ações previstas na Medida Provisória 451, baixada em 15 de dezembro (ver quadro abaixo).

O governo decidiu fazer novas desonerações por avaliar que as políticas anteriores adotadas com este objetivo foram importantes para a aceleração vista até 2008 na expansão da economia. Esse já era o viés da política tributária antes da crise e foi mantido pelo governo, apesar da redução do espaço fiscal para programas desse tipo. As medidas que foram decididas e/ou implementadas entre o início de 2007 e setembro de 2008, por exemplo, representaram renúncia de R$ 20 bilhões por ano, sem contar o fim, a contragosto do governo, da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF).

Para poder combinar novas decisões nessa linha sem abrir mão de seus planos de investimento, o governo também respondeu à crise afrouxando sua política fiscal. Só em 2009, a redução da meta do superávit primário do setor público permitirá que União, Estados e municípios gastem e/ou abram mão de arrecadar perto de R$ 40,2 bilhões além do que poderiam na hipótese de manutenção da meta anterior. A meta consolidada para este ano caiu de 3,8% para 2,5% do PIB. Parte dessa redução permanecerá, pois refere-se à retirada do grupo Petrobras das estatísticas de necessidades de financiamento do setor público e, portanto, do esforço de geração de superávit primário da União.

A empresa e suas subsidiárias foram liberadas da obrigação de gerar superávit de 0,5% do PIB em 2009 e anos seguintes, para poder investir mais, o que lhes permitirá destinar a seus projetos de investimento, de 2009 a 2012, quantia adicional estimada em R$ 71,3 bilhões. Por ocasião do segundo aniversário do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), em fevereiro deste ano, o governo já havia informado que o grupo aumentou o valor de seus planos de investimento em R$ 110,6 bilhões para o período. O afrouxamento da meta vem para ajudar a viabilizar tal elevação.

O valor do PAC como um todo, onde se inserem parte dos projetos da Petrobras, também foi elevado, em R$ 142,2 bilhões, nesse caso até 2010, em princípio o último ano para contratação e início das respectivas obras. Embora o incremento refira-se em boa medida a projetos que já estavam na pauta do governo fora do PAC, o anúncio da ampliação do programa também foi tratado pelas autoridades como resposta à crise. Ainda que tenha sido objeto de decisão anterior, o fato é que o aumento do PAC tende a contribuir para manter a economia em crescimento, pois, com o selo do programa, mesmo antigos, os projetos nele incluídos ganham tratamento prioritário e podem sair mais rapidamente do papel.

A manutenção do fluxo de investimentos – públicos e privados dentro ou fora do PAC – é um dos principais motivos pelos quais o governo vem atuando forte no esforço para manter e, se possível, elevar a oferta de crédito. O governo avaliou que, com a reação defensiva dos bancos privados à crise de internacional de liquidez (inicialmente, eles reduziram e fecharam linhas), era necessário mobilizar os bancos públicos para suprir a demanda das empresas, com fontes antigas ou novas de recursos. Foi esse o principal pressuposto da decisão de autorizar o Tesouro Nacional a emitir títulos públicos para aportar até R$ 100 bilhões ao BNDES, embora o banco já conte com outras fontes expressivas e certas de recursos – a principal é a arrecadação federal com a contribuição das empresas ao programa PIS/Pasep (que sustenta também o seguro desemprego), da qual 40% vão obrigatoriamente para linhas de crédito da instituição.

Esses R$ 100 bilhões são prioritariamente para financiar investimentos. Mas como não há proibição, o banco também poderá usá-los, se precisar, para linhas de capital de giro, inclusive aquelas que foram criadas ou incrementas no esforço de combate à crise.

Essa é uma das variáveis que impossibilitam saber antecipadamente se a soma do valor envolvido na lista de medidas anunciadas nesse área se converterá integralmente ou não em crédito, já que elas podem ter efeito sobreposto. O efeito líquido também será inferior aos R$ 280 bilhões, na hipótese de os outros bancos públicos usarem recursos de liberação de compulsórios ou de aumento de direcionamento de depósitos à vista e de poupança rural para as linhas especiais criadas ou ampliadas por decisão do governo como parte do mesmo esforço.

A talvez impossível mensuração exata do impacto específico e líquido das medidas governamentais, no entanto, não é necessária para saber que elas estão surtindo efeito, apesar de persistência de alguns problemas localizados (os empresários da construção pesada ainda reclamam da escassez de financiamento). Pelo menos é isso que se percebe ao olhar os números das operações de crédito do sistema financeiro, cujo volume continuou a crescer como proporção do PIB no Brasil mesmo depois do estouro da crise global. Segundo o Banco Central, o estoque dessas operações fechou março de 2009 em 42,5% do PIB. No fim de agosto de 2008, equivalia a 37,6% do produto. A expansão do crédito já vinha ocorrendo. O governo já via e continua vendo a oferta de crédito para investimentos, capital de giro e consumo como fator importante de sustentação de crescimento da atividade econômica.

Outra frente na qual o governo vem concentrando suas respostas à crise é da do fluxo cambial e oferta de crédito em moeda estrangeira. O Banco Central não hesitou em dar uma guinada rápida na política cambial e retomar, ainda em setembro, os leilões de venda de dólar ao mercado na tentativa de evitar maiores ou persistentes flutuações da taxa de câmbio. Também reviu o uso de instrumentos de derivativos cambiais, voltando a oferecer operações de swap com caráter de proteção contra altas da moeda estrangeira. Tampouco houve hesitação em usar as reservas cambiais para oferecer crédito em moeda estrangeira.

Fonte: Valor Econômico / Mônica Izaguirre, de Brasília