A crise econômico-financeira mundial, que marca nossa época, impõe aos fundos de pensão brasileiros um grande desafio no que se refere à sustentação do crescimento econômico, já que eles se constituem em gestores de significativos montantes de poupança previdenciária. A profunda turbulência dos mercados e o forte impacto nas estruturas produtivas alteram o ritmo de crescimento da economia global e do Brasil, em particular.

Nas economias centrais, os ativos dos fundos de pensão têm sofrido forte desvalorização. Por exemplo, nos países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) houve, até outubro de 2008, uma desvalorização de nada menos que 20% dos ativos totais dos fundos de pensão.

Por aqui, felizmente, a realidade é distinta. Não há paraísos, porém o resultado foi infinitamente melhor. Estimativas iniciais indicam que, na média, o desempenho do segmento em 2008 ficou ao redor de -1% (um por cento negativo). É fácil imaginar o que estaríamos vivendo caso passássemos por um impacto como o ocorrido no mercado internacional. Ressalte-se que o Brasil está muito melhor do que países como Estados Unidos (-21,5%), Canadá (-21%), Japão (-17,6%), Holanda (-16,1%), Inglaterra (-13,3%), Suíça (-10,2%) e Alemanha (-7,1%).

E por que aqui o impacto não foi nas mesmas dimensões dos outros mercados? Podemos apontar quatro pontos: 1) o segmento obteve nos anos anteriores excelentes resultados que permitiram formar um colchão protetor para os períodos de "vacas magras"; 2) o setor está submetido a uma rígida regulação e fiscalização, construída a partir das Leis Complementares 108 e 109 de 2001 e pela intensificação de normas disciplinares a partir de 2003; 3) antes da crise foram feitos os ajustes de prudência recomendados, com revisões em tábuas de expectativas de vida e em metas atuariais; e 4) o setor beneficiou-se da maturidade de seus participantes, os quais negociaram ajustes de planos de benefício e entenderam a natureza do risco inserida em contratos previdenciários. Essa evolução foi fruto de intensas negociações corporativas e diferencia a nossa realidade da americana, por exemplo.

Podemos dizer que hoje em dia o setor possui uma regulação mais rígida do que o próprio setor bancário. Mas ainda há o anseio por uma entidade autônoma, que cumpra o papel hoje atribuído à Secretaria de Previdência Complementar Fechada, com maior agilidade para suprir as necessidades do sistema de previdência complementar, que deverá surgir com a aprovação da chamada "Previc", já em tramitação no Congresso.

Nesses termos, as fases pretéritas de usos e abusos, a baixa centralidade política de que o segmento era alvo e a própria convivência com períodos tumultuados impuseram ajustes forçados para proteger o setor. O padrão de governança de hoje, com destaque inclusive para os fundos vinculados a empresas públicas, é marcado por gestões paritárias e por um consolidado padrão de regras administrativas.

Lamentavelmente, essa realidade ainda é desconhecida de muitos, especialmente para alguns "formadores de opinião" e por parcelas da mídia que insistem em levantar reflexões estreitas, assentadas em ilações sobre as relações políticas de dirigentes e a gestão das entidades. As avaliações costumam desembocar em insinuações e suspeitas, já que o setor gere elevado montante de recursos. Tratam o presente olhando exclusivamente o passado, quando, por várias vezes, o segmento esteve em páginas políticas e até policiais. A conclusão obtusa parece ser a de que "se assim foi no passado, por que não pode ser agora?".

Por essa ótica perde-se o foco relevante de debater a importância estratégica que o setor representa para a economia brasileira, especialmente em momento tão delicado como o atual. A profunda revolução no padrão de governança das empresas brasileiras médias e grandes não pode ser bem explicada sem a presença dos fundos de pensão, inclusive com o enfrentamento histórico de gestores em arranjos societários incômodos. A revisão de propostas e normas para a organização do mercado de capitais, idem. A melhoria e segurança de aposentadorias de milhões de brasileiros e a promoção da cultura previdenciária, também. E mais: o volume significativo de recursos destinados a toda a economia nacional, com geração de renda, emprego e tributos, está muito acima do que possam imaginar aqueles que optam por uma análise superficial e macartista. Aliás, uma postura no mínimo curiosa, posto que essas mesmas vozes são as que se rejubilavam com a vinda dos investidores internacionais dispostos a aplicar parte de seus recursos em nosso país assim que galgamos o reconhecimento de investment grade, num tempo recente e que hoje nos parece tão distante.

Para se ter uma ideia dessa importância na geração de funding para o desenvolvimento nacional, registre-se que apenas Funcef e Petros estão destinando nada menos que R$ 5 bilhões a novos projetos, com destaque para a infraestrutura. O setor como um todo tinha, em outubro último, um montante de R$ 120 bilhões aplicados no mercado acionário ou participando diretamente de empresas, contribuindo para se fortalecerem no mercado nacional e internacional.

Estamos em meio a um furacão. O governo federal tem adotado uma série de medidas ousadas para proteger nossa economia e nossos trabalhadores. Há um reconhecimento amplo de que, apesar dos efeitos da crise, temos tudo para sairmos melhor do que os países centrais e os emergentes.

Neste contexto, há necessidade de um esforço coletivo para construir soluções que preservem as conquistas obtidas a duras penas nos anos recentes. A atenuação dos desdobramentos negativos oriundos desse inusitado cenário dependerá de investimentos públicos e privados. Somos um país com carência de poupança doméstica e, até recentemente, boa parte dela era destinada a financiar o passivo nacional. A realidade vivida determina o redirecionamento dos escassos recursos existentes para investimentos que tenham alto potencial multiplicador de renda.

E, pelo tamanho e perfil de investidores de longo prazo, os fundos de pensão continuarão sendo atores importantes neste novo desenho de nossa economia, independente dos pequenos ruídos que porventura surjam, frutos de oscilações da ambiência política.

Guilherme Lacerda, presidente da Fundação dos Economiários Federais (Funcef), é economista com mestrado pela USP e doutorado pela Unicamp.

Wagner Pinheiro, presidente da Fundação Petrobras de Seguridade Social (Petros), é economista formado pela Unicamp, com especialização em Administração e Gestão.

Fonte: Valor Econômico / Guilherme Lacerda e Wagner Pinheiro de Oliveira