A primeira licitação foi feita em 2005 e vencida pela CSU CardSystem, que receberia R$ 196 milhões em três anos. Em 2008, o contrato foi rescindido pela CEF, que não concordou em fazer a homologação do sistema, alegando que ele tinha vários problemas e que não era possível nem mesmo processar uma operação de compra com cartão. O caso foi parar na Justiça. Procurada ontem, a assessoria da CSU não retornou os contatos do Valor.
Uma nova tentativa foi feita no início de 2009, mas não surgiram interessados e o pregão foi suspenso antes da apresentação das propostas. O TCU continuava insistindo na necessidade de licitação e a CEF realizou ainda no primeiro semestre de 2009 um novo pregão, desta vez eletrônico. A Tata participou, mas foi desclassificada na fase de documentação. A Evermobile ganhou a licitação, mas logo à frente foi desclassificada por causa de um atestado. A quarta tentativa foi a vencida pela Indra, em novembro. "O processo licitatório já foi julgado pelo Tribunal de Contas da União, por isso a Indra não fará declarações a respeito", comentou a empresa.
No mandado de segurança apresentado pela TCS – e também em uma representação feita em janeiro ao Tribunal de Contas – o grupo indiano elenca ao menos cinco pontos que considera irregulares. Um deles diz respeito ao atestado de experiência anterior na prestação de serviços apresentado pelo consórcio liderado pela Indra. O documento foi expedido pelo Banco Cooperativo Español, que tem 98% do capital da Rural Servicios Informáticos, empresa espanhola à qual a Indra está associada no consórcio. No mandado de segurança, os advogados José Antônio Fischer Dias e Nelson de Menezes Pereira afirmam que uma empresa do mesmo grupo econômico não poderia ter dado o atestado e exemplificam com várias licitações em que isso foi proibido. "Mostra-se temerária a contratação do consórcio declarado vencedor, pois a empresa Rural Servicios jamais prestou o objeto licitado a terceiros estranhos ao seu próprio grupo econômico (…). A Caixa serviria de verdadeiro laboratório – para não dizer cobaia – com relação à atuação da empresa Rural Servicios fora de seu grupo econômico, e de seu país de origem, constituindo-se, pois, em operação de alto risco para a própria contratante", informa o processo. Os advogados acrescentam ainda que o pregoeiro informou por escrito que não era permitida a apresentação de declaração própria para apresentação de certificados.
A CEF entende que a declaração de uma empresa do mesmo grupo econômico é diferente de uma declaração própria. Ao Valor, o banco informou que ainda não tem conhecimento do mandado de segurança e acrescentou que o edital garantia "a aceitação de certificado por empresa que faça parte do mesmo grupo econômico, considerando que o impedimento (…) traria restrição à competição. O mercado é conhecedor de que as processadoras de cartão são de propriedade, integral ou parcial, de instituições financeiras e para estas prestam serviços de processamento de cartões", informa o e-mail da CEF. Embora a reportagem tenha solicitado uma entrevista com Clarice Coppetti, vice-presidente de tecnologia da informação, a assessoria da CEF informou que a questão era de competência da área de licitações.
Consultor da área de cartões ouvido pelo Valor diz que é verdadeiro o fato de que muitas processadoras são controladas por instituições financeiras para as quais prestam serviços, como é o caso da Orbitall, de propriedade do Itaú Unibanco, e atual processadora dos cartões da CEF. Mas, segundo ele, isso não deve ser confundido com as chamadas "software houses", empresas que desenvolvem programas e sistemas de tecnologia e que detêm licenças desses programas. "E a licitação da CEF é para adquirir uma solução integrada de tecnologia e não para contratar uma empresa de processamento", explicou o consultor.
No processo apresentado à Justiça, a TCS questiona ainda uma declaração apresentada pela Mastercard depois da licitação com teor idêntico à apresentada pela Visa antes do pregão e a extrapolação do prazo de entrega da documentação do vencedor. Pelo edital, esse prazo seria de duas horas, para envio por fax. O pregoeiro informou posteriormente que também aceitava a documentação entregue pessoalmente, por causa do alto volume de papéis, desde que o prazo fosse cumprido. A Indra começou o envio da documentação por fax às 13h57 de 13 de novembro, uma sexta-feira, e só o concluiu às 10h30 da segunda-feira, dia 16. A CEF alega que a transmissão começou dentro do prazo. Entretanto, informa o banco, como a recepção das mais de 700 páginas era feita por um único aparelho de fax e o horário comercial de sexta havia chegado ao fim, o pregoeiro autorizou que a transmissão fosse interrompida na sexta à noite e retomada na segunda-feira.
A CEF tem grandes projetos para expandir sua emissão de cartões e há, inclusive, estudos para cartões do Bolsa-Família. É no mínimo desapontador que uma licitação milionária tão importante nesse processo esteja provocando tanto barulho.
Artigo de Raquel Balarin, diretora de Conteúdo Digital do Valor
Fonte: Valor Econômico