Políticos e intelectuais (re)pensam no FST a democracia no século 21
Crédito: Ramiro Furquim – Sul21
Democracia. Uma proparoxítona volátil, gasosa, repleta de significados. Utilizada, ao longo do tempo, tanto para o bem quanto para o mal. Enquanto, no passado, guerras eram travadas em nome de um conceito de Deus, no presente, potenciais globais não se cansam de tentar empurrar um conceito de democracia goela abaixo de outros países.
Foi sobre essa palavra gasosa e polissêmica que políticos e intelectuais discutiram num dos painéis da edição temática do Fórum Social Mundial que acontece em Porto Alegre. Nesta sexta-feira (27), a democracia foi criticada, questionada, enquadrada e, sobretudo, aperfeiçoada.
Durante mais de uma hora, o diretor de redação do jornal francês Le Monde Diplomatique, Ignácio Ramonet, o sociólogo português Boaventura de Souza Santos, o profefssor da Universidade de Paris 8, Bernard Cassen, o ativista social Chico Whitaker, o ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho (PT), o governador Tarso Genro (PT) e o presidente da Assembleia Legislativa, Adão Villaverde (PT), expuseram suas opiniões sobre a democracia e sua função na contemporaneidade.
Apesar dos diferentes pontos de vista, todos concordaram em um aspecto: essa forma de governo está em crise. E a culpa não é somente da direita.
"Na Europa e nos Estados Unidos temos a impressão de que a democracia não funciona mais", diz diretor do Le Monde
O diretor de redação do jornal francês Le Monde Diplomatique, Ignácio Ramonet, avalia que a democracia não parece estar mais dando conta das demandas sociais nos países desenvolvidos. "Na Europa e nos Estados Unidos temos a impressão de que a democracia não funciona mais", comenta.
Ele cita o exemplo específico da Grécia – onde o Banco Central Europeu não aceitou a realização de um referendo popular e o governo local acabou sendo substituído – para ilustrar que quem governa, de fato, é o setor financeiro. "Os mercados dão verdadeiros golpes de Estado, colocando tecnocratas no poder", critica.
"É preciso disputar ideologicamente as classes ascendentes", defende ministro
O ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho (PT), entende que a esquerda brasileira precisa "disputar ideologicamente" as pessoas que estão ascendendo na estrutura social graças às melhorias conquistadas pelos governos petistas do ex-presidente Lula e da presidente Dilma Rousseff. "É preciso disputar ideologicamente esse novo público, que muitas vezes é hegemonizado por setores conservadores. Lembro, sem nenhum preconceito, das igrejas neopentecostais", exemplifica.
Para o ministro, não adianta apenas melhorar a qualidade de vida econômica das pessoas, ampliando seu poder de consumo de bens materiais. "Temos que avançar nos aspectos sociais e políticos da democracia. Possibilitar o acesso à educação e o consumo de bens culturais", defende.
Gilberto Carvalho considera que as camadas emergentes da população não podem "ficar à mercê da ideologia dos meios de comunicação" e reconhece que, apesar das necessidades e vontades, o governo enfrenta limitações. "O governo é datado, há correlações de força", explica.
"Temos que sair da ditadura dos mercados financeiros", aponta Bernard Cassen
O professor da Universidade de Paris 8, Bernard Cassen, aponta que a única possibilidade de desenvolver um outro modelo de governança é estando fora da influência dos mercados. "Temos que sair da ditadura dos mercados financeiros", defende.
O intelectual explica que a submissão das administrações públicas ao setor financeiro global torna quase nulo o papel da democracia e dos governos. "Os governos se veem sem possibilidade de utilizar suas prerrogativas legais de interferência, regulação e controle. Os instrumentos democráticos têm pouca influência", lamenta.
Cassen assegura que um dos motivos da crise financeira é a relação conflitiva entre o caráter finito dos recursos naturais e a expansão sem limites do sistema capitalista. "A busca desenfreada pelo crescimento colide frontalmente com a finitude dos recursos ecológicos", compara.
"Precisamos dialogar com os indignados", alerta Chico Whitaker
O arquiteto e ativista social Chico Whitaker – ex-vereador do PT que deixou o partido em 2006 – alerta que a esquerda tradicional precisa dialogar com os jovens que protestam em diversas cidades ao redor do mundo. O movimento, espontâneo, apartidário e sem líderes, garantiu a seus integrantes o nome de "indignados" após milhares de jovens ocuparem a praça Puerta del Sol, em Madri, na Espanha. A ação toma conta também dos Estados Unidos, onde milhares de pessoas ocuparam o distrito financeiro de Wall Street e outras 50 cidades.
"A juventude nega os políticos e os partidos. Isso é um sinal de que a democracia representativa não está funcionando. Precisamos tirar lições dos indignados, conversar com eles", sugere Whitaker.
Ele explica que esses protestos ocorrem porque a população não encontra no Estado canais de diálogo e não enxerga na política institucional a possibilidade de mudança. "Essa geração percebe que o sistema político pelo qual poderia se expressar democraticamente não funciona. Então ocupam as ruas e praças para protestar e fazer propostas alternativas", comenta.
O ex-petista cobra a apĺicação de mecanismos assegurados na Constituição Federal, como o plebiscito, para a decisão de temas complexos da vida nacional, como a matriz energética, por exemplo. "O BNDES colcou muito dinheiro para garantir a construção da usina nuclear Angra-3. E se fala em contruir outras quatro ou cinco. Por que não fazer um plebiscito para saber se a população ralmente quer esse tipo de energia?", provoca.
Tarso defende reforma política que limite mandatos legislativos e acabe com financiamento privado de campanha
O governador Tarso Genro (PT) entende que, para haver uma mudança na poliica brasileira, é preciso que a população pressione os partidos e o Congresso Nacional para que seja aprovada uma profunda reforma. "Uma reforma que não permita mais de dois mandatos parlamentares e que acabe com o escandaloso financiamento privado de campanha", defende.
O petista reconhece que não há disposição dos partidos em alterar as regras e revelou sua mágoa por não ter conseguido levar adiante na Câmara dos Deputados uma proposta de reforma política quando era ministro da Justiça do governo Lula. "Não teve sequer condições de colocar em regime de urgência porque não houve interesse dos partidos", lamentou, garantindo que fazia também uma auto-crítica ao seu próprio partido, o PT.
O governador teceu comentários sobre a situação da democracia no mundo e concluiu que, na Grécia, o vazio democrático pode gerar rupturas autoritárias à esquerda ou à direita. "A democracia grega auto nega-se, na medida em que o Banco Central Europeu determina que os gregos não podem realizar um plebiscito", critica.
Tarso considera que a democracia nos Estados Unidos serve de pretexto para "legitimar as guerras e ocupações militares ao redor do mundo para que o país possa se alimentar de energia fóssil e imprimir na sociedade global um sentimento de consumismo irrefreável", condena.
O petista ressalta, porém, que na América Latina há exemplos positivos. "Bolívia e Equador revigoram suas democracias e articulam as bases ideológicas de um novo constitucionalismo. Isso ativa um conjunto de sujeitos sociais historicamente secundários e ameaça a visão de estabilidade imperial da democracia norte-americana", avalia.
Villaverde destaca importância da democracia participativa
O presidente da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, Adão Villaverde (PT), também corrobora a ideia de que a democracia representativa está em crise. Mas entende que o problema se estende "ao conjunto das instituições do Estado moderno".Para o deputado, é preciso "repensar a forma clássica de organização partidária" e construir espaços de controle social da gestão pública.
O petista lembra que a instituição de conselhos setoriais na sociedade civil – além da própria experiência do Orçamento Participativo – foram extremamente exitosas para aperfeiçoar a democracia. "Se não fosse a democracia participativa, a representação política não teria se renovado", avalia.
"A esquerda esqueceu de pensar", alfineta Boaventura
O sociólogo português Boaventura de Souza Santos foi, sem dúvida, a personalidade mais aplaudida durante o painel do Fórum Social Temático que debateu os sentidos da democracia. Logo no início de sua fala, já arrebatou palmas entusiasmadas e o apoio do público. "Dói-me ver tantas mulheres neste auditório e nenhuma na mesa (do painel)", lamentou.
O diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra não poupou críticas à esquerda e, mediante faixas de manifestantes que exigiam demarcações de territórios quilombolas e indígenas por parte do governo federal brasileiro, alfinetou o Palácio do Planalto. "Como podemos nos surpreender que indígenas e quilombolas nos perguntem qual a diferença entre esquerda e direita, se ambas os golpeiam da mesma forma?", indagou, sob fortes aplausos e uma visível contrariedade do ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho (PT), que balançou a cabeça em sinal negativo após o comentário.
Boaventura afirma que a esquerda pedeu seu "DNA originário" e explica que os jovens estão ocupando praças e ruas ao redor do planeta porque "são os únicos espaços que ainda não estáo colonizados pelo capitalismo financeiro".
O sociólogo explica que "a maldição da esquerda foi transformar militantes em funcionários" e defendeu que os partidos de esquerda passem por uma "refundação" e voltem a refletir. "A direita não precisa pensar, pois o sistema financeiro mundial pensa por eles. Mas a esquerda tem que pensar. E ela esqueceu de pensar", criticou.
Fonte: Samir Oliveira – Sul21
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Oficina dos bancários no FST reforça regulação do sistema financeiro
Rocha, Rachel, Ademir e Maria Alejandra, na mesa de abertura
"A regulamentação do sistema financeiro deve atender os interesses da sociedade e não os dos bancos." A avaliação é da professora e economista da Unicamp, Maria Alejandra Madi, que fez palestra durante a oficina "Outro Sistema Financeiro é Preciso", realizada na tarde desta sexta-feira (27), no auditório da Casa dos Bancários, em Porto Alegre, dentro da programação do Fórum Social Temático (FST) 2012, que tem como tema "Crise Capitalista, Justiça Social e Ambiental".
Mais de 50 pessoas participaram da atividade, promovida pela Contraf-CUT em parceria com o Sindicato dos Bancários de Porto Alegre (SindBancários), Fetrafi-RS e CUT-RS. Estiveram presentes dirigentes sindicais do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Rio de Janeiro.
A mesa da abertura foi integrada pelo secretário de imprensa da Contraf-CUT, Ademir Wiederkehr, a presidenta em exercício do SindBancários, Rachel Weber, e o diretor de formação da Fetrafi-RS, Carlos Augusto Rocha.
"Desde o início do Fórum Social Mundial, em 2001, os bancários vêm cobrando a regulamentação do sistema financeiro. Este ano não podia ser diferente, ainda mais depois da crise financeira nos Estados Unidos e na Europa", disse Ademir. "Está na hora de realizar uma conferência nacional sobre o sistema financeiro, a fim de ouvir a sociedade sobre a atuação dos bancos, que dependem de autorização do Banco Central (BC), mas não atendem os interesses da sociedade", destacou o diretor da Contraf-CUT.
Rachel disse que "a oficina sobre o sistema financeiro é importante e está inserida no conjunto de atividades do SindBancários no FST". Um dos destaques foi o lançamento com debate do livro "A Privataria Tucana", do jornalista Amaury Ribeiro Jr, ocorrido na quarta-feira (25). A obra avalia a farra das privatizações no governo FHC, que entregou vários bancos estatais aos banqueiros nacionais e estrangeiros.
O diretor da Fetrafi-RS ressaltou que a luta pela regulamentação do sistema financeiro não pode ser exclusiva dos bancários, mas devem ser protagonistas. "Já na década de 90 os bancários construíram um projeto de lei para regulamentar o artigo 192 da Constituição Federal que trata do sistema financeiro", lembrou. "Precisamos aprofundar esse debate e envolver o conjunto da sociedade", assinalou.
Bancos zumbis, caixas pretas e sem regulação
A professora fez uma palestra de quase uma hora, apontando que "a crise financeira de 2008 ainda não acabou" e comparou os bancos a zumbis. "São mortos vivos", explicou. "Desde o início da crise, não há sinais de melhora nos bancos da Europa", salientando que "a crise europeia é uma crise soberana" englobando bancos e governos.
Maria Alejandra chamou a atenção que a crise mostrou que os bancos viraram caixas pretas, pois escondem informações e hoje os investidores não confiam neles. "Falta regulamentação e supervisão", ressaltou. "Os bancos passaram dos limites".
Ela observou que, com a crise, os bancos estão fragilizados. O acordo de Basileia III, de 2010, feito com a lógica de "quanto mais riscos, mais capital" e que impõe limites, sofre muitas pressões dos bancos, mesmo com o prazo de implantação das medidas até 2019.
"Muita coisa ainda vai acontecer", previu. "Mas os bancos terão que controlar a alavancagem e ter padrões de liquidez".
A economista alertou que "quem domina as finanças internacionais é o modelo anglo-americano", concentrando as grandes operações (empréstimos, derivativos, câmbio, taxas de juros e fundos). "Qualquer mudança tem que passar pelos Estados Unidos e Inglaterra, porém os bancos não querem mudar nada", enfatizou. Ela contou que o governo Obama possui dois grupos de estudos: um a favor da regulação e outro contrário.
Em relação ao Brasil, Maria Alejandra salientou que os cinco maiores bancos concentram 90% dos ativos. "Isso aumenta o poder dessas instituições", apontou.
Ela lembrou que, em abril de 2003, foi aprovada uma lei que permite a regulamentação fatiada do sistema financeiro, "criando um Frankenstein". Apesar disso, "as atuais normas do sistema financeiro não são resultados de leis e sim de resoluções do Banco Central".
A economista criticou as resoluções do BC que ampliaram a atuação dos correspondentes bancários, o que também precarizou as relações de trabalho. "O Brasil está inserido na dinâmica da maior subordinação da economia ao sistema financeiro", denunciou. Segundo ela, "isso gera problemas de controle, auditoria interna, ouvidoria e fiscalização".
Bônus dos executivos
Maria Alejandra também abordou a resolução 3921, do Banco Central, que trata da remuneração variável dos administradores. Ela obriga os bancos a formar comitês de remuneração, com três integrantes. No mínimo 50% da renda variável deve ser paga em ações ou em instrumentos financeiros baseados em ações.
Ela explicou que os bônus milionários dos executivos foram um dos motivos da crise internacional. "A política de remuneração deve ser compatível com os riscos", observou.
Para Maria Alejandra, a crise oferece oportunidades para mudanças com impactos sobre a sociedade e o futuro dos trabalhadores.
Debates
Após a palestra, os participantes da oficina fizeram vários questionamentos sobre questões como a independência do BC, a ampliação do crédito, o alto spread dos bancos, o endividamento dos clientes, a política de metas abusivas e o papel dos bancos públicos. Também foram apresentadas propostas como a redução das taxas de juros, a taxação sobre as transações financeiras (taxa Tobin) e o fim dos paraísos fiscais.
A professora criticou os juros dos bancos, lembrando as diferenças entre as taxas que algumas instituições praticam aqui e nos países de origem. Ela disse que BB e Caixa deveriam agir para mudar essa realidade. "Os bancos públicos não pode ter a mesma gestão dos bancos privados", afirmou.
Para ela, "o BC ganhou muita autonomia, é o quarto poder da nação, mas deveria estar a serviço da sociedade".
A economista observou ainda que certas questões do sistema financeiro, como o endividamento, podem trazer pressões políticas e ameaças para a cidadania e a democracia, atingindo direitos conquistados pela sociedade.
Avaliação
Para Ademir, a palestra foi muito importante, ampliando o debate, dando continuidade às discussões dos bancários e envolvendo a sociedade. "Foi uma aula de sistema financeiro, economia e cidadania".
"Terminamos 2011 com a realização de um seminário internacional sobre o sistema financeiro, em Santiago do Chile, durante a reunião das redes sindicais dos bancos internacionais da UNI Américas Finanças. E agora começamos 2012 com a oficina sobre a regulamentação do sistema financeiro no FST", apontou.
"O tema é muito complexo e desafiador. Tenho certeza de que é possível mostrar como a sociedade é vítima da ganância dos bancos quando paga tarifas abusivas e os juros mais altos do planeta e ainda sofre com a insegurança", apontou. "Outro sistema financeiro é preciso", concluiu.
Fonte: Contraf-CUT
Centrais exigem no FST trabalho decente e regulação do sistema financeiro
Crédito: CUT
O debate "Mundo do Trabalho, Protagonismo e propostas para enfrentar a crise", realizado na quinta-feira (26), durante o Fórum Social Temático (FST) 2012, em Porto Alegre, reiterou a importância do protagonismo das entidades sindicais na construção de alternativas à política da especulação e do parasitismo, ditada pelo sistema financeiro.
Representando a CUT, a secretária nacional de Comunicação, Rosane Bertotti, destacou o papel da unidade do movimento sindical e social para afirmar um modelo de desenvolvimento onde o Estado tem papel central na efetivação de políticas públicas, com serviços públicos de qualidade, geração de emprego e trabalho decente.
Rosane frisou que o fortalecimento do mercado interno é essencial no combate à crise que devasta a economia dos países capitalistas centrais, e ressaltou a necessidade da elevação do poder aquisitivo, tanto dos trabalhadores privados como do setor público. "Daí a importância da redução dos juros e do estímulo à produção nacional, para que tenhamos mais recursos do Orçamento injetado na economia, fazendo a roda da economia girar", declarou.
Em documento conjunto CUT, CGTB, CTB, Força Sindical, NCST e UGT denunciaram que os governos da Europa e dos Estados Unidos estão adotando "medidas inócuas que apenas aprofundam ainda mais a crise, atingindo de forma especial os trabalhadores". O corte de investimentos públicos, particularmente sociais e em educação, a demissão de funcionários, a redução de salários, alertaram, "resultam em mais recessão, falência industrial, desemprego e perda da qualidade de vida dos cidadãos".
Diferente disso, desde o segundo governo Lula, quando eclodiu a crise, o país apostou em outro caminho para enfrentá-la, "com valorização salarial, criação de postos de trabalho, redução de impostos, desenvolvimento industrial, fortalecimento do mercado interno e protagonismo dos trabalhadores".
"Ao invés de investir na redução do papel social do Estado, na recessão econômica, no empobrecimento dos trabalhadores e na negação de qualquer futuro à juventude, é preciso apostar mais na força criativa e produtiva dos 99% da população mundial e menos no 1% representado pelo sistema financeiro", destaca o documento.
Para as centrais, "o novo mundo em construção exige valorização da produção, valorização do trabalho, vigência plena do trabalho decente, desenvolvimento com respeito ao meio ambiente e à sustentabilidade, democratização do acesso à informação e participação dos trabalhadores nas decisões".
Coordenador da mesa, Clemente Gnaz Lúcio, do Dieese, destacou a relevância das mobilizações do movimento sindical para garantir aumento efetivo da renda, como a política de valorização do salário mínimo, na disputa por um projeto nacional de desenvolvimento que valorize o trabalho e distribua renda. Esta experiência é um exemplo para o sindicalismo internacional, avaliou.
Para dar coerência e força à luta pelo desenvolvimento sustentável, acrescentou Clemente, o movimento sindical brasileiro deverá ter forte presença no debate ambiental, "problema dramático" colocado para a Humanidade.
"Precisamos trabalhar as dimensões econômica, social e ambiental como uma dimensão única e não segmentada. Temos hoje 1,5 bilhão de pessoas passando fome no planeta, quando reunimos todas as condições materiais e tecnológicas para que isso não ocorra. A democracia está em risco pela desigualdade", alertou.
Fonte: Leonardo Severo – CUT
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Dilma defende que Rio+20 tenha metas de desenvolvimento sustentável
Crédito: Agência Brasil
Ao fazer referência aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU), a presidenta Dilma Rousseff defendeu nesta quinta-feira (26) a criação de metas de desenvolvimento sustentável durante a Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), marcada para junho no Rio de Janeiro.
Ao participar do Fórum Social Temático (FST) 2012, em Porto Alegre, ela avaliou que tais metas devem estar centradas no combate à pobreza e à desigualdade. "Assumimos que é possível crescer e incluir, proteger e conservar", explicou.
Dilma disse ser uma grande alegria poder voltar a Porto Alegre e lembrou sua participação no Fórum Social Mundial em 2001, quando ainda era secretária de Energia do governo do Rio Grande do Sul. "Desde então, essa cidade transformou-se em referência para todos que buscavam criar uma alternativa ao desequilíbrio da situação econômica e política global. Aqui, se firmou a ideia de que um outro mundo é possível."
Durante o discurso, a presidenta destacou que muita coisa aconteceu nos últimos 11 anos e que a crise que vinha latente transformou-se em uma crise real desde 2008. Segundo ela, as incertezas financeiras que pairam sobre o futuro mundial dão um significado especial para a Rio+20.
"Deve ser um momento importante de um processo de renovação de ideias, diferentemente das COP [Conferências das Partes]", disse. "Queremos que a palavra desenvolvimento apareça, de agora em diante, sempre associada à [palavra] sustentável", completou.
De acordo com Dilma, o que estará em jogo na Rio+20 é um modelo capaz de articular o crescimento e o aumento de empregos, a participação social e a ampliação de direitos, o uso sustentável e a preservação de recursos ambientais. "A tarefa que nos impõe esse fórum e a Rio+20 é desencadear o desenvolvimento, a renovação de ideias e de novos progressos absolutamente necessários para enfrentar os dias difíceis que hoje vive ampla parte da humanidade."
Soberania e combate às desigualdades
Dilma avaliou que a situação na América Latina é de redução da pobreza e da desigualdade social, enquanto em outras partes do mundo o cenário é de estagnação, recessão e desemprego.
"Nossos países não sacrificam sua soberania frente à pressão de grupos financeiros e agências de classificação de risco", disse, ao reforçar que o aumento da desigualdade gera mais exclusão e a perda de direitos já conquistados.
Ela lembrou que a crise atual abre caminho para o que chamou de perigosas ameaças, como o desemprego, a xenofobia e a paralisação das negociações para a redução do aquecimento global.
"Não é fácil produzir novas ideias e alternativas quando estamos dominados por preconceitos políticos e ideológicos. Nos anos 80 e 90, foram eles que impeliram os países da América Latina a um modelo conservador que levou nosso país à estagnação, aprofundando a pobreza, o desemprego e a exclusão social. Hoje, essas receitas fracassadas estão sendo propostas na Europa".
A presidenta ressaltou que o lugar que o Brasil ocupa atualmente no cenário internacional não é consequência de nenhum milagre econômico, mas resultado de um povo e de um governo que souberam optar por um outro caminho.
"O Brasil é hoje um outro país. Ninguém pode nos tirar isso. Somos hoje um país mais forte, mais desenvolvido e mais respeitado", enfatizou.
Por fim, Dilma avaliou que a sociedade civil e os governos progressistas, cada um em sua dimensão, podem fazer dos primeiros anos do novo milênio o anúncio de uma nova era. Para isso, segundo ela, é decisivo o fortalecimento dos laços de solidariedade e de cooperação Sul-Sul.
"É essa esperança que nos une e nos mobiliza para a Rio+20 e que deve sempre nos guiar na busca de um novo modo de vida, inclusivo e sustentável, sabendo que o papel da sociedade civil será determinante para o êxito da conferência", disse. "Tenho certeza: um outro mundo é possível. Até o Rio de Janeiro", concluiu.
Movimentos sociais questionam economia verde
Antes do pronunciamento, Dilma foi cobrada por representantes de movimentos sociais sobre questões ambientais e sociais, principalmente sobre o conceito de economia verde, tema central da Rio+20.
O ambientalista boliviano Pablo Solon fez duras críticas ao conceito de economia verde e disse que o novo modelo de desenvolvimento não pode repetir padrões tradicionais, que estão levando ao esgotamento do planeta.
Solon convocou a sociedade civil a fazer uma grande mobilização contra a economia verde. "Assim como vencemos a Alca, venceremos essa tentativa de mercantilizar e privatizar a natureza".
A sindicalista Carmem Foro, que começou o discurso elogiando o governo da presidenta Dilma, cobrou demandas antigas dos movimentos sociais brasileiros, como a redução da jornada de trabalho de 44 horas para 40 horas semanais, o endurecimento da legislação sobre o trabalho escravo e a ampliação da reforma agrária.
Carmen também criticou o conceito de economia verde e disse que a sociedade tem que se mobilizar para que a Rio+20 tenha resultados efetivos na mudança para um novo padrão de desenvolvimento.
"Não vamos aceitar termos uma economia rotulada de verde, como estão pensando os capitalistas que não têm responsabilidade nenhuma com a sustentabilidade. Vamos fazer a nossa parte, e fazer isso é fazer a crítica e uma grande mobilização, durante a Rio+20, para questionar o modelo, questionar o que vai ser essa economia verde. Nossa tarefa é de articulação, mobilização do conjunto da classe trabalhadora, vamos globalizar essa luta global", frisou.
Durante o evento, grupos ambientalistas na plateia tentaram interromper os discursos com palavras de ordem pedindo o veto da presidenta ao texto do novo Código Florestal, que tramita no Congresso Nacional.
Fonte: Agência Brasil
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Centrais sindicais discutem no FST crise capitalista e trabalho decente
A CUT, as demais centrais sindicais brasileiras e organizações internacionais de trabalhadores estiveram reunidas na tarde de quarta-feira (25) na Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul para abrir a primeira das duas mesas dedicadas ao mundo do trabalho no Fórum Social Temático (FST), em Porto Alegre.
A abertura dos debates sobre a atuação do movimento sindical na Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável (Rio+20) e ações para enfrentar a crise do capital ficou a cargo do prefeito de Porto Alegre e ex-presidente da CUT-RS, José Fortunati.
Ao lembrar que, desde a primeira edição do Fórum Social Mundial, os movimentos organizados já alertavam sobre a crise iminente do sistema capitalista, responsável por ceifar empregos e reduzir as conquistas arrancadas pelos trabalhadores, ele também apontou a importância de o Brasil ter encontrado um caminho diferente daquele sempre indicado por instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI).
"Mostramos que é possível enfrentar a crise com geração de emprego, renda e valorização do mundo do trabalho e que esse modelo é adequado", citou Fortunati.
O secretário-geral da CUT, Quintino Severo, foi além da Rio+20 e comentou a importância de os trabalhadores se preparem para enfrentar também o debate da Conferência do Trabalho Decente, que acontece ainda no primeiro semestre, em Brasília. "Teremos a oportunidade de apresentar propostas que realmente democratizem o mundo do trabalho no Brasil e as relações sindicais", defendeu.
Para o dirigente sindical, a discussão sobre o desenvolvimento sustentável está incompleta se não englobar a distribuição de renda. "Não adianta fabricar uma caneta sem degradar o meio ambiente, mas continuar acumulando riquezas nas mãos de poucos e explorando a classe trabalhadora."
Ele criticou ainda o discurso das grandes potências contra as chamadas nações emergentes, entre as quais, o Brasil. "Não vamos aceitar que os imperialistas mantenham discurso de que fazem suas intervenções para preservar, quando essas ações são para roubar e concentrar as riquezas para poucos. Sabemos muito bem que quando falam em preservar a água é igual fazem sobre o petróleo, para manter nas mãos de poucos", disse.
"Não queremos que aqueles que já destruíram os seus países, e falo em especial da Europa e dos EUA, digam para nós que não podemos crescer porque precisamos preservar o meio ambiente. Temos que preservar sim e vamos lutar para isso, mas temos que ter o direito de também desenvolver, evidentemente, com sustentabilidade e responsabilidade sobre nosso solo e nosso povo", frsiou Quintino.
Representante dos trabalhadores na América Andina, Rosa Elena, foi muito aplaudida ao alertar sobre as práticas antissindicais em todo o mundo. "Esse fórum deve discutir as várias crises que enfrentamos, do desemprego, da autonomia sindical e da perseguição aos sindicalistas por parte de patrões e governos que não discutem o contrato coletivo e prendem nossos companheiros e companheiras porque protestam. Estamos num momento de resistência e devemos trabalhar muito para avaliar nossos obstáculos e pontos fortes."
O coordenador das Centrais Sindicais do Uruguai, Hector Castellano, questionou se é possível um novo mundo sob o mesmo sistema. "É possível que haja justiça ambiental e social no capitalismo? Creio que não. Para nós, do movimento sindical uruguaio, o capitalismo não está em crise, é a crise. Devemos ser independentes de classe, mas não indiferentes aos problemas que acontecem em outros setores da sociedade", explicou.
Ao final, o diretor da CUT, Cláudio Augustin, citou os avanços que ainda são um grande desafio para a classe trabalhadora. "Temos conquistas sociais sim, mas ainda uma alta taxa de juros, uma alta concentração de renda, somos campeões em acidentes de trabalho. Temos muito a crescer, porém, só com a luta conjunta será possível."
Fonte: CUT
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Sustentabilidade é questão de vida ou morte, define Leonardo Boff no FST
Crédito: André Carvalho/Sul21
"Colocar em prática a sustentabilidade é uma questão de vida ou morte diante de um cenário que coloca em risco toda a civilização. Penso que o grande legado desta crise será a discussão de ideias de que planeta nós queremos", falou o teólogo Leonardo Boff na conferência Rumo à Rio+20 dos povos que debateu os desafios das grandes questões urbanas na Mesa Cidades Sustentáveis na tarde de quarta-feira (25) no Fórum Social Temático (FST) 2012, em Porto Alegre.
Boff defendeu que a noção de sustentabilidade deve ser compreendida como um substantivo e não como um adjetivo. "A sustentabilidade é comumente entendida apenas como um adjetivo, colocada como etiqueta em um produto. Isso não é sustentabilidade. A verdadeira sustentabilidade é um substantivo. Ela implica em um novo olhar, um novo paradigma. A falsa sustentabilidade não vê a devastação da natureza e a contradição com a injustiça social, além de legitimar o modelo que está aí para não alterar nada", definiu Boff.
A mesa foi coordenada por Oded Grajew e também contou com a participação de Frei Beto, Marina Silva, Ladislaw Dowbor e Jorge Abrahão. O Programa Cidades Sustentáveis oferece aos candidatos às eleições municipais uma agenda completa de sustentabilidade urbana associada a indicadores e casos exemplares, como referências a serem seguidas pelos gestores públicos.
O programa foi apresentado pelo presidente do Instituto Ethos, Jorge Abrahão. Segundo ele, são 19 páginas que resumem os pontos principais para se repensar a estruturas das cidades do futuro. Ele apontou como uma das principais dificuldades a inclusão da discussão da pobreza mundial quando se aborda questões ambientais.
"Se não diminuir a desigualdade nas suas várias matizes não tem como enfrentar o problema ambiental que a gente vive. Mas também não temos como resolver a pobreza antes e depois pensarmos no meio ambiente. Vivemos um momento em que temos que ser tudo junto e ao mesmo tempo", argumentou Abrahão.
O escritor Frei Betto comparou as implicações da Conferência Eco 92, que estabeleceu diversas diretrizes ambientais, ao evento Rio+20 que será realizado no Rio de janeiro de 20 a 22 de junho. "Ainda que não seja uma conferência de Estado como foi a Eco 92 que congregou um número vasto de chefes de estado ao lado das figuras mais importantes do movimento ambiental, eu espero que na Rio+20 haja uma grande participação da sociedade civil, movimentos ambientais e que a gente consiga transformar o Rio de Janeiro numa grande caixa de ressonância", comentou Betto.
O economista e professor Ladislaw Dowbor destacou que movimentos sustentáveis não podem ser consolidados sem organizar outras formas de sociedade e criticou a irracionalidade da mobilidade urbana em São Paulo para demonstrar que este modelo deve ser repensado.
"São Paulo tem tantos carros que a estimativa de velocidade é de 14km/h. Isto não faz sentido, paralisar com o excesso de meios de transportes. Temos que pensar a cidade como um todo, organizar o processo decisório do uso de recursos. Lutar por uma cidade que a gente viva de uma forma mais decente", avaliou o pesquisador.
Oded Grajew, que mediou o debate e faz parte do Conselho Deliberativo do Instituto Ethos, pontuou que este é momento chave de mudança no modelo de desenvolvimento e que a crise se desenvolve em diferentes dimensões: ética, ambiental e financeira. "Podemos encarar isso como uma grande oportunidade. A Rio+20 quer apontar diretrizes, não quer dizer que soluções vão surgir de uma maneira mágica. Não se pode esquecer que as causas desse momento são inúmeras", acrescentou Grajew.
Ele também falou como vai funcionar a sistemática dos políticos que aderirem ao Documento Cidades Sustentáveis. "Cada item da agenda é associado a um indicador para estabelecer metas, por exemplo, economia de água. Para monitorar a ação de políticos, faremos um esquema de prestação de contas para o caso de candidatos que possam assinar o documento e não cumprir", explicou. Segundo ele, diferentes partidos e candidatos nas eleições municipais já se comprometeram com a agenda de sustentabilidade urbana.
A ex-senadora Marina Silva começou sua intervenção citando estatísticas. Segundo os números apresentados por Marina, 85% da população vive em cidades só no Brasil (50% no mundo), 2/3 da demanda de energia são das pessoas que vivem nas cidades e esses moradores são responsáveis pela produção de 75% dos resíduos do país.
"Geralmente a gente vê as cidades como um amontoado de pessoas e de problemas. Mas também as cidades podem ser vistas como um espaço possibilitador de inúmeras soluções e de resolução desses mesmos problemas. Se temos uma grande quantidade de pessoas que estão num único espaço, talvez seja mais fácil levar qualidade de vida para elas", afirmou Marina.
Para Marina, a Rio+20 vai ocorrer no contexto de um crise que não é somente econômica, mas que se caracteriza por muitas crises, principalmente uma "crise de valores". "Essa crise de valores tem estressado todas as demais crises. É o que acontece com o sistema financeiro, que não vê diferença em mentir que um país é triple A para continuar lucrando. Os lucros foram apropriados por poucos e os prejuízos divididos por muitos".
"O mundo inteiro grita que algo tem que ser feito. Se não fizermos nada, estaremos comprometendo o futuro da vida no planeta. Quando as pessoas se juntam elas sinalizam que outro mundo é possível. Outras cidades possíveis também estão sendo sinalizadas. Cidades sustentáveis não vão cair do céu, não vai ser pelo número de queixas, vai ser pela qualidade do nosso compromisso", finalizou Marina Silva.
Fonte: Vivian Virissimo – Sul21
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Para Boaventura, "entramos numa era onde as ruas dão as respostas"
Crédito: Ramiro Furquim/Sul21
Um dos nomes mais importantes quando se fala em Fórum Mundial é o sociólogo português Boaventura de Souza. Não fugindo à tradição, o auditório do Salão de Atos da Unilasalle, em Canoas, estava lotado para ouvir sua primeira palestra no Fórum Social Temático 2012, na quarta-feira (25).
Boaventura abriu o Seminário Internacional de Cidades de Periferia FALP e apresentou sete ameaças ao desenvolvimento humano para a próxima década. Apesar de otimista, disse que os desafios do próximo período serão maiores dos que os dos últimos dez anos e que, para superá-los, os movimentos sociais precisam integrar-se a fim de assumir o protagonismo.
Com uma breve exposição sobre a atual conjuntura mundial, o sociólogo recordou que o modelo neoliberal segue dando mostras de falência e provocando descontentamento em diversas partes do mundo. "O conhecimento que produziu a crise de 2008, ainda segue quebrando economias e, portanto, estamos vivendo uma nova crise mundial. E quem está protegendo os direitos das pessoas são os ‘occupys’, não os governos, muito menos a polícia", salientou.
Boaventura disse que uma crise pode ser bem aproveitada, desde que haja capacidade de adaptação por parte das instituições, o que infelizmente não acontece, lamentou. "Veja o movimento dos indignados. Eles estão nas ruas porque a política institucional não venceu. Os partidos nunca quiseram dialogar com eles porque a União Europeia tem medo da democracia. Estamos entrando, portanto, numa era pós-instituição", falou.
Sobre como aproveitar os movimentos e os protestos surgidos em diversos continentes contra o modelo capitalista, Boaventura de Souza diz que ainda é preciso descobrir, uma vez que eles são bons para resistência, mas, não são ambientes onde se elaboram alternativas. "Eu chamo atenção para importância do papel dos movimentos sociais nesta fase. Mas, de forma articulada. Movimentos dos Direitos Humanos têm que estar junto com a Economia Solidária. Os camponeses com ambientalistas. Porque as ameaças estão unidas. E as palavras de ordem são: democratizar, descentralizar e descolonizar", disse.
As sete ameaças da humanidade
Como resultado de um modelo de governança que trabalhou de costas para os povos e hoje colhem as respostas das ruas, único local ainda livre de influência de partidos ou organizações, Boaventura apresentou setes ameaças para a humanidade nos próximos dez anos.
A primeira é a desorganização do estado. "A base de impostos se transformou em empréstimos. Com a elevada tributação os estados tiveram que pedir empréstimos e ficando a mercê das multinacionais. Só a Europa que ainda não desobedeceu o FMI por achar, equivocadamente que é presidente do fundo", falou.
A segunda ameaça apresentada pelo Boaventura de Souza é a desconsolidação da democracia. "Não me refiro só as eleições livres. Falo de acesso à serviços, com saúde e educação para todos. Hoje, ainda não temos acesso a direitos universais essenciais. Não precisamos mais de ditadura, porque a atual democracia já virou uma", comparou.
Como terceira ameaça, Boaventura citou a destruição da natureza, principal tema do Fórum Social Temático 2012 e objeto da Conferência dos Povos Rio +20, que ocorrerá no Brasil em junho. "Este evento da Rio +20 será a celebração do capitalismo verde. Há 20 anos os ambientalistas vieram discutir a nossa biodiversidade. De lá pra cá grandes multinancionais impõem as regras e as falsas energias limpas. Existem três lobistas destas empresas para cada congressista americano. Então, o capitalismo nunca será verde. Consumo sustentável não é só reciclar o lixo. Nós consumimos produtos que provem do sangue de camponeses africanos e qual a nossa preocupação com isso?", indagou.
E provocou as autoridades presentes na palestra: "Os indígenas são os principais protetores das nossas riquezas. Existe algum deles aqui nesta conferência?". Como ninguém se pronunciou, o sociólogo disse: "Isso é o que eu chamo de sociologia da ausência".
A quarta ameaça é a desvalorização do trabalho. "Hoje em dia não se distingue mais o que é tempo livre e o que é trabalho. Os jovens se formaram e fizeram tudo certinho para que? Não tem trabalho. Eles estão nos computadores. Ou, são explorados, trabalhando em casa, em todos os horários. Mesmo no tempo livre estamos consumindo e alimentando o sistema capitalista. É uma constante exploração", afirmou.
A quinta ameaça é a comercialização do conhecimento, onde as novas universidades aparecem como principais destruidoras da curiosidade e do pensamento crítico. "São empresas comerciais que surgem como universidades. Qual o lugar da poesia, da literatura e das ciências humanos neste sistema?", questionou.
Como exemplo da sexta ameaça, o sociólogo citou a criminalização da dissidência. "O caso de Pinheirinhos é apenas uma amostra do que ocorre no continente inteiro. Se criminaliza os movimentos sociais e se manipula o medo das pessoas, dando lucro para as empresas de segurança privada", disse.
E, por fim, sétima ameaça à humanidade é recolonizar a diferença. "Sexismo e racismo estão presentes ainda. Repressão à diversidade sexual é feita com a ortodoxia dos religiosos. É preciso lutar pela igualdade racial, mas também pelo fim do racismo", explicou.
Boaventura de Souza foi o principal palestrante do Seminário Internacional de Cidades de Periferia FALP, que segue até quinta-feira, 26, em Canoas. Na sexta-feira, 27, as discussões serão em São Leopoldo. O seminário reúne mais de mil representantes de municípios do Brasil e de outros países em busca da construção de um novo ponto de vista para o desenvolvimento das cidades, olhando para as periferias e não partindo dos centros das grandes metrópoles.
"Há novos problemas e novas perguntas que exigem novas respostas e novas soluções. As mudanças climáticas não são para daqui 30 anos ou para as novas gerações. Estamos sentindo os efeitos aqui, no Vale do Sinos, com a estiagem e a mortandade de peixes. Não estamos afetando só as sete maravilhas do mundo, estamos afetando vidas. Vidas que estão nas periferias. Por isso temos que por na agenda o debate sobre drenagem, resíduos sólidos, entre outros. Em uma visão policêntrica e não mais excluindo as periferias", falou o prefeito de Canoas e anfitrião do seminário, Jairo Jorge.
A ideia surgiu há 10 anos, durante o Fórum Social Mundial e constituiu uma rede ampla e aberta de autoridades e interessados no tema. Em junho de 2010, surgiu o II Fórum de Autoridades Locais de Periferia para Metrópoles Solidárias realizado em Getafe, Espanha. O ápice desse processo será a realização do III Fórum de Autoridades Locais de Periferia para Metrópoles Solidárias, que acontecerá em Canoas, Brasil, em junho de 2013.
Fonte: Rachel Duarte – Sul21
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Pensadores discutem no FST 2012 rumos da esquerda no século 21
Crédito: Tuane Eggers – Sul21
O ano de 2012 ainda se equilibra sobre o legado deixado pelo período anterior. A chamada crise financeira achata direitos e garantias sociais na Europa, enquanto governos de diferentes espectros da esquerda tentam conter esses efeitos perversos na América Latina.
Foi sobre esse cenário que cinco pensadores da esquerda conversaram na tarde da quarta-feira (25), durante uma coletiva à imprensa promovida pela agência Carta Maior. O economista Luiz Gonzaga Belluzzo, o alto representante do Brasil no Mercosul e ex-secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores, Samuel Pinheiro Guimarães, o diretor de redação do jornal francês Le Monde Diplomatique, Ignácio Ramonet, o professor de Ciências Econômicas da Universidade de Buenos Aires, Mario Burkún, e o sociólogo Emir Sader fizeram projeções sobre o papel da esquerda no século 21.
É sobre este tema que eles debaterão nesta quinta-feira (26), às 9h, no auditório da Escola Superior da Magistratura, na Ajuris (rua Celeste Gobbato, 229).
Partidos políticos se tornaram gestores da crise, avalia economista argentino
O professor de Ciências Econômicas da Universidade de Buenos Aires e da Universidade de La Matanza, Mario Barkún, avalia que a esquerda tem duas possibilidades no século 21: "Ou provoca uma real transformação na sociedade, ou realiza uma mutação com a sociedade".
Para o economista, é preciso haver uma profunda mudança nos partidos políticos para que se consiga promover uma transformação no sistema capitalista. "Os partidos se tornaram gestores da crise. A transformação passa pelas organizações de base", defende.
Barkún concorda que a situação não está tão agravada nos países emergentes, como Brasil, China, Índia e Rússia, mas ressalta que essas nações ainda não eliminaram os aspectos negativos do capitalismo. "Esses países vivem uma melhora do sistema, mas ainda é um capitalismo que remunera pouco e beneficia os mais ricos", critica.
"A esquerda tradicional não está em condições de propor saídas", opina Ramonet
O diretor de redação do jornal francês Le Monde Diplomatique, Ignácio Ramonet, considera que os grupos políticos tradicionais da esquerda não conseguiram conter a crise financeira na Europa e impor a autoridade do Estado sobre o mercado. Ele lembra que chamada social democracia estava no poder em países como Grécia e Espanha. "Esses governos promoveram profundos ajustes fiscais", critica.
O jornalista questiona o papel da esquerda num contexto de crescentes e violentos avanços do neoliberalismo. "A esquerda tradicional não está em condições de propor saídas. Há pessoas dispostas a lutar e reagir, mas onde está a esquerda para organizá-las?", provoca.
Ramonet não compactua da ideia de que o capitalismo está em crise. "Pelo contrário, está mais forte do que nunca", observa.Para ele, o sistema econômico e financeiro absorve e maneja os estados e governos. "O neoliberalismo deu golpes de Estado na Grécia e na Itália. As grandes empresas públicas de diversos países são atores do capitalismo, operam sem nenhuma preocupação de distribuir renda", comenta.
O jornalista francês avalia que a verdadeira crise é a falta de alternativas por parte da esquerda. "A crise é que não encontramos respostas alternativas à lógica neoliberal", conclui.
"Os governos não enfrentam o sistema bancário", aponta Belluzzo
O economista Luiz Gonzaga Belluzzo aponta que cabe aos governos controlar o sistema bancário e, com isso, dirimir os efeitos da crise financeira. "O centro nervoso do poder é o sistema bancário e financeiro, são os gestores da riqueza coletiva. Não há solução para a crise sem que avance no controle do sistema financeiro", sugere. Para o economista, os governos deveriam ter agido nesse sentido. "Não enfrentam isso, não exercem o direito de estatizar os bancos", critica.
Belluzo se denomina um "reformista radical" e considera que é preciso redimensionar o debate que polariza reformismo e revolução.
"Neoliberalismo aproveita crise para desmontar conquistas", condena embaixador
O alto representante do Brasil no Mercosul e ex-secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores, Samuel Pinheiro Guimarães, também compactua da tese de que o capitalismo não passa por uma crise e se fortalece a cada dia. O embaixador observa que os neoliberais aproveitam a suposta crise para arrancar das sociedades os direitos e garantias sociais conquistados ao longo do tempo.
"O neoliberalismo está aproveitando a crise para dar um passo adiante para desmontar as conquistas históricas da esquerda. O neoliberalismo não está em crise, está partindo para o ataque", avalia.
Para Emir Sader, América Latina se divide entre governos moderados e radicais
O sociólogo Emir Sader explica que há duas correntes de esquerda que governam a maioria dos países da América Latina: os moderados e os radicais. Ele aponta que, em comum, ambos desejam superar o modelo neoliberal e pautam-se por políticas de promoção de investimentos públicos e de prioridade à políticas sociais, não a pacotes de ajuste fiscal.
Dentre os moderados, Emir inclui o Brasil, o Uruguai e a Argentina. De acordo com o sociólogo, os governos desses países "apostam que é possível superar o neoliberalismo sem promover transformações estruturais no capitalismo".
Do outro lado, ele aponta que países como Venezuela, Equador e Bolívia pretendem se constituir como forças anticapitalistas no continente. "Esses governos entendem que sem enfrentar os temas estruturais do capitalismo, como propriedade privada e meios de produção, não conseguirão ultrapassar o modelo neoliberal", observa, acrescentando que esses países buscam construir "uma dinâmica pós-capitalista".
Fonte: Samir Oliveira – Sul21