Muito antes de a questão da guerra cambial ter ganhado destaque na agenda econômica mundial, o economista Alberto Borges Matias, professor titular da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto (FEARP/USP) e presidente do Instituto de Ensino e Pesquisa em Administração (Inepad), já dizia que uma "bomba-relógio" estava armada. Ele, inclusive, tentou alertar membros do governo sobre o problema. Em vão.

Em meio ao movimento que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, chamou de "guerra cambial", o Brasil vê o dólar perder cada vez mais força em relação ao real. Segundo Matias, a solução para o problema pode estar dentro de casa. Basta o Banco Central passar o bastão do controle da política cambial para as mãos do Tesouro Nacional.

"Operacionalmente, está nas mãos do BC, mas ele diz que não cabe a ele a definição da política cambial. Temos uma operação solta no BC e quem paga a conta é o Tesouro. Então, o Tesouro já poderia assumir a condução da política cambial brasileira", diz.

Em entrevista ao iG, Matias afirma que a autoridade monetária "está no caminho errado" e defende que a política cambial deve ser voltada para o desenvolvimento da indústria nacional. Embora sugira a mudança no comando do câmbio, o professor acredita que não é necessário mudar a flutuação da moeda. Mas alerta: o Brasil não tem câmbio flutuante. "Falar em câmbio flutuante ainda é ilusão, principalmente porque temos na ponta da oferta o grande agente, que é o Banco Central."

O professor diz que a taxa de equilíbrio para o dólar seria de aproximadamente R$ 2,50 e vislumbra com um cenário ainda temerário com relação à moeda. Com a guerra cambial desenhada entre Estados Unidos e China, diz ele, o Brasil pode ter uma fuga repentina de capital estrangeiro, caso haja uma percepção de que a moeda está sobrevalorizada.

Novamente, Matias deixa um alerta no ar, a exemplo do que fez meses atrás, ao entregar um de seus estudos a pessoas ligadas ao deputado federal Antonio Palocci, um dos coordenadores da campanha da presidenta eleita Dilma Rousseff. O recado era claro: o Brasil poderia ficar refém em caso de uma movimentação mais acentuada do câmbio. "Foi o que acabou acontecendo."

Confira os principais trechos da entrevista de Alberto Borges Matias ao iG:

iG: O senhor sugere que o Tesouro Nacional assuma a operação cambial, que hoje está nas mãos do Banco Central. Por quê?
Alberto Borges Matias: Está nas mãos do Banco Central, mas, ao mesmo tempo, não está. Operacionalmente, está, mas o BC diz que não cabe a ele definição da política cambial. Temos uma operação solta e quem paga a conta da valorização cambial é o Tesouro. Então, o Tesouro poderia assumir a condução da política cambial brasileira.
Precisamos de uma política cambial neste País, o que diversos governos brasileiros têm evitado.

iG: Em quais pontos estaria fundamentada uma nova política cambial?
Matias: Quando se faz uma definição da política cambial, é preciso definir os objetivos. Neste caso, o objetivo deve ser o desenvolvimento da produção do País. Se quisermos incentivar a produção, temos que trabalhar com taxa de câmbio desvalorizada. É o caso, por exemplo, de todos os países da Ásia, onde se concentra o grande crescimento econômico.

No Brasil, temos esse crescimento econômico em decorrência das commodities. Como somos um participante importante nesses mercados, nós quase definimos os preços nos mercados internacionais. Então, a busca da política cambial é a busca do desenvolvimento da indústria brasileira, senão vamos ficar fora dos mercados internacionais.

iG: Uma intervenção mais clara do governo no câmbio não poderia afastar os investidores internacionais?
Matias: Não. Quando falamos em investidor internacional, e não em especulador, falamos de um agente que busca uma relação de risco e retorno mais saudável. Ele quer ter um investimento com retorno adequado e com risco apropriado às suas origens. A falta de uma política cambial acaba inibindo esse investidor.

iG: Veríamos uma mudança significativa com a operação cambial nas mãos do Tesouro?
Matias: Acho que sim, porque teríamos uma separação com a discussão da taxa de juros. As políticas ficariam separadas. Hoje, o Banco Central diz que a própria definição da política monetária – com juros elevados – já predefine a flutuação cambial. Isso não é verdade.

iG: O câmbio flutuante poderia ser alterado com o Tesouro no controle?
Matias: O cambio flutuante exige que os mercados sejam perfeitos. Nós não temos mercado perfeito. Falar em câmbio flutuante ainda é ilusão, principalmente porque nós temos na ponta da oferta o grande agente que é o Banco Central.

iG: O ideal seria acabar com o câmbio flutuante?
Matias: Não é preciso acabar com o câmbio flutuante. O governo pode atuar como agente de mercado. No passado, também tivemos más experiências com o câmbio fixo. O câmbio flutuante é um mal menor, mas tem que ser mais bem administrado.

iG: O real está sobrevalorizado?
Matias: Sem sobra de dúvida. Fizemos um estudo que traz o IPCA [Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo] de 20 anos, deduzindo a taxa de inflação americana, e observamos claramente isso. No Brasil, o preço do Big Mac, que serve como comparativo, só perde para a Suíça e para a Noruega (veja gráfico abaixo). Esse é um sintoma claro dessa sobrevalorização.

iG: Qual seria uma taxa de equilíbrio para o real?
Matias: Algo ao redor de R$ 2,50. Estamos bem abaixo. Estando assim nesta guerra cambial que se efetiva entre EUA e China podemos ter surpresas desagradáveis.

Se tivermos no mundo uma percepção de desvalorização à vista da moeda brasileira podemos ter, de uma hora para outra, uma saída forte de capital especulativo no Brasil. Já tivemos um esboço disso na crise americana, quando chegamos a R$ 2,15. Aquilo foi um ensaio do que pode acontecer novamente.

E isso é o que torna instável a taxa de cambio brasileira. Ela não fica imune a esses processos de flutuação.

Fonte: iG São Paulo

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *